domingo, 20 de abril de 2014

Festival Varilux Cinema Francês (Antes do Inverno)


Antes do Inverno

Mais uma surpresa positiva, talvez o melhor filme do Festival Varilux de Cinema Francês deste ano, num misto de drama familiar com suspense psicológico originou o instigante Antes do Inverno, dirigido e roteirizado pelo promissor cineasta Philippe Claudel, que tem em sua filmografia dois longas anteriores: Silêncio do Amor (2010) e o cult badaladíssimo Há Tanto Tempo Que Te Amo (2008). Há um olhar amargo e ao mesmo tempo transparece uma certa doçura sobre o microcosmo familiar, sem deixar de alfinetar com boa clareza e sem subterfúgios as hipocrisias decorrentes das relações deterioradas pelo tempo, caindo as máscaras sem muito rodeio, dentro de um clima criado de dúvidas e uma acidez típica do cinema francês comprometido em mostrar uma realidade falsa de uma sociedade que vive num terreno minado.

A trama aborda Paul (Daniel Auteuil- de ótima atuação), um neurocirurgião de sessenta anos, casado com Lucie (Kristin Scott Thomas- de Há Tanto Tempo Que Te Amo, O Paciente Inglês e Quatro Casamentos e um Funeral- está maravilhosamente impecável), com quem sempre teve uma vida feliz e plena, apesar do estranho e sombrio triângulo amoroso deles com o amigo e colega psicólogo Gérard (Richard Berry). Até que num belo dia começam a chegar na casa do casal e no hospital lindos buquês de rosas, deixados anonimamente. Neste mesmo momento Lou (Leila Bekhti), uma moça de vinte anos, começa a cruzar os caminhos do médico e, aos poucos, a suposta paciente na infância torna-se uma implacável perseguidora, mantendo-o escravo e vítima de um imbróglio neste outono, a estação em que se passa a história está bem presente no seu coração e na relação com a mulher.

Como se fosse um jogo de xadrez, surgem os simulacros e logo começam a ser despidas as imagens pseudofortalecidas dos personagens que parecem embebidos por circunstâncias do passado. O diretor questiona com maturidade sobre o que eles são realmente. E a grande indagação flui sobre o que pretendem realizar nesta fase de suas vidas: manter as aparências ou cortar o vínculo da hipocrisia disfarçada de vaidades movediças? A vida do casal parecia um mar de rosas diante da alegoria das flores remetida para eles como forma de observação pelo estremecimento da relação cambaleante que se apresenta. O cineasta sinaliza para a realidade equivocada de uma ideia sonhada e em choque com a civilização e suas normas rígidas de embrutecimento, diante da iminência da inexorável velhice que se aproxima, ou do inverno, dos três representantes da farsa. Não há certeza sobre o momento adequado para revelar os segredos entre eles, mas o tempo passa e as circunstâncias se avizinham com dureza e a amizade está cada vez mais enfraquecida. Ainda haveria tempo para ousar e revelar os segredos, propõe Claudel com o seu cinismo e a ironia de um talentoso artesão.

O drama reflete o conflitado relacionamento por um interesse de Paul por Lou e revela aspectos de delírios dentro da tênue personalidade da jovem, com sua complicada e malograda infância. O suposto uso de flores e alguns sinais de uma presença constante são elementos que corroboram para uma característica doentia e vingativa, mas que em outras situações se passa por coitadinha e como mais uma vítima do sistema. Jamais negou ou confirmou a autoria dos eventos e das dissimulações ocorridas na trajetória do longa. De outra forma há a perspectiva do esquecimento e da passagem do presente na memória de Paul, indicando num futuro bem próximo a chegada da morte. A falta de solidez do casamento parece se esboroar e o que era certo cambaleia com a presença de Lou e o conflito com Lucie, reforçado pela suposição da perda inadmitida para o amigo e pretendente confesso.

Antes do Inverno busca com sensibilidade e alguma sutileza retratar a fase da maturidade sob um ângulo paradoxal do triângulo de um relacionamento de pessoas próximas que não pretendem romper um vínculo existente por décadas. Porém, com a proximidade da finitude, as fachadas de aparências vão perdendo a forma e desabando, diante da indigesta falsidade que enraizou. Há um profundo mergulho na realidade dissimulada de uma tendência para o enigma e a reflexão no epílogo como um trunfo na conclusão da trama, com os elementos imaginários de um simbolismo que substitui com sugestões e imaginações diversas o óbvio constante em filmes menores que inundam os cinemas.

Cada espectador faz seu final e exercita o fascínio das colocações e do desenlace dúbio e para memorizar e carregar as imagens e os diálogos, diante da bela canção que está presente no epílogo do drama. Tudo são sugestões sem definições, mas que instigam e perturbam os acomodados com filmes estruturados convencionalmente. O filme flui por uma dramaticidade autêntica e demolidora de conceitos equivocados nas complexas relações familiares.

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