Antes do Inverno
Mais uma surpresa positiva, talvez o melhor filme do Festival Varilux de Cinema Francês deste ano, num misto de drama familiar com suspense psicológico originou o instigante Antes do Inverno, dirigido e roteirizado pelo promissor cineasta Philippe Claudel, que tem em sua filmografia dois longas anteriores: Silêncio do Amor (2010) e o cult badaladíssimo Há Tanto Tempo Que Te Amo (2008). Há um olhar amargo e ao mesmo tempo transparece uma certa doçura sobre o microcosmo familiar, sem deixar de alfinetar com boa clareza e sem subterfúgios as hipocrisias decorrentes das relações deterioradas pelo tempo, caindo as máscaras sem muito rodeio, dentro de um clima criado de dúvidas e uma acidez típica do cinema francês comprometido em mostrar uma realidade falsa de uma sociedade que vive num terreno minado.
A trama aborda Paul (Daniel Auteuil- de ótima atuação), um
neurocirurgião de sessenta anos, casado com Lucie (Kristin Scott Thomas-
de Há Tanto Tempo Que Te Amo, O Paciente
Inglês e Quatro Casamentos e um
Funeral- está maravilhosamente impecável), com quem sempre teve uma vida
feliz e plena, apesar do estranho e sombrio triângulo amoroso deles com o amigo
e colega psicólogo Gérard (Richard Berry). Até que num belo dia começam a
chegar na casa do casal e no hospital lindos buquês de rosas, deixados
anonimamente. Neste mesmo momento Lou (Leila Bekhti), uma moça de vinte anos, começa
a cruzar os caminhos do médico e, aos poucos, a suposta paciente na infância torna-se
uma implacável perseguidora, mantendo-o escravo e vítima de um imbróglio neste
outono, a estação em que se passa a história está bem presente no seu coração e
na relação com a mulher.
Como se fosse um jogo de xadrez, surgem os simulacros e logo
começam a ser despidas as imagens pseudofortalecidas dos personagens que
parecem embebidos por circunstâncias do passado. O diretor questiona com
maturidade sobre o que eles são realmente. E a grande indagação flui sobre o
que pretendem realizar nesta fase de suas vidas: manter as aparências ou cortar
o vínculo da hipocrisia disfarçada de vaidades movediças? A vida do casal parecia um mar de rosas diante da alegoria das flores remetida para eles como forma de observação pelo estremecimento da relação cambaleante que se apresenta. O cineasta
sinaliza para a realidade equivocada de uma ideia sonhada e em choque com a
civilização e suas normas rígidas de embrutecimento, diante da iminência da inexorável
velhice que se aproxima, ou do inverno, dos três representantes da farsa. Não
há certeza sobre o momento adequado para revelar os segredos entre eles, mas o
tempo passa e as circunstâncias se avizinham com dureza e a amizade está cada
vez mais enfraquecida. Ainda haveria tempo para ousar e revelar
os segredos, propõe Claudel com o seu cinismo e a ironia de um talentoso artesão.
O drama reflete o conflitado relacionamento por um interesse
de Paul por Lou e revela aspectos de delírios dentro da tênue personalidade da jovem,
com sua complicada e malograda infância. O suposto uso de flores e alguns
sinais de uma presença constante são elementos que corroboram para uma característica
doentia e vingativa, mas que em outras situações se passa por coitadinha e como
mais uma vítima do sistema. Jamais negou ou confirmou a autoria dos eventos e
das dissimulações ocorridas na trajetória do longa. De outra forma há a
perspectiva do esquecimento e da passagem do presente na memória de Paul,
indicando num futuro bem próximo a chegada da morte. A falta de solidez do
casamento parece se esboroar e o que era certo cambaleia com a presença de Lou e
o conflito com Lucie, reforçado pela suposição da perda inadmitida para o amigo
e pretendente confesso.
Antes do Inverno busca
com sensibilidade e alguma sutileza retratar a fase da maturidade sob um ângulo
paradoxal do triângulo de um relacionamento de pessoas próximas que não
pretendem romper um vínculo existente por décadas. Porém, com a proximidade da finitude,
as fachadas de aparências vão perdendo a forma e desabando, diante da indigesta
falsidade que enraizou. Há um profundo mergulho na realidade dissimulada de uma
tendência para o enigma e a reflexão no epílogo como um trunfo na conclusão da
trama, com os elementos imaginários de um simbolismo que substitui com
sugestões e imaginações diversas o óbvio constante em filmes menores que
inundam os cinemas.
Cada espectador faz seu final e exercita o fascínio das colocações e do desenlace dúbio e para memorizar e carregar as imagens e os diálogos, diante da bela canção que está presente no epílogo do drama. Tudo são sugestões sem definições, mas que instigam e perturbam os acomodados com filmes estruturados convencionalmente. O filme flui por uma dramaticidade autêntica e demolidora de conceitos equivocados nas complexas relações familiares.
Cada espectador faz seu final e exercita o fascínio das colocações e do desenlace dúbio e para memorizar e carregar as imagens e os diálogos, diante da bela canção que está presente no epílogo do drama. Tudo são sugestões sem definições, mas que instigam e perturbam os acomodados com filmes estruturados convencionalmente. O filme flui por uma dramaticidade autêntica e demolidora de conceitos equivocados nas complexas relações familiares.
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