segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Mostra de Cinema São Paulo (Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas)



Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas

Apichatpong Weerasethakul, de codinome "Joe", para facilitar a vida dos ocidentais, é o diretor deste bizarro longa-metragem que venceu o Festival de Cannes de 2010, levando para a Tailândia o Palma de Ouro, prêmio máximo da categoria, deixando para trás filmes bem melhores como Minha Felicidade, de Sergei Loznitsa; Tournée, de Mathieu Amalric; La Princesse de Montpensier, de Bertrand Tavernier; Outrage, de Takeshi Kitano; Fair Game, de Doug Liman; La Nostra Vita, de Daniele Luchetti; Hors la Loi, de Rachid Bouchareb e O Sol Enganador 2 – Exodus, de Nikita Mikhalkov.

Apenas para citar a quantidade e a não menos qualidade para se comparar com este horrendo filme tailandês, desprovido de mínima qualidade estética e estrutural, num emaranhado de personagens perdidos na selva fugindo do demônio travestido num boi com suas aspas ponteagudas na cena inicial; ou ainda do fruto do amor que podia ter nascido daquela kafkaniana relação sexual da princesa com o peixe bagre, nas translúcidas águas que caiam da vertente, rompendo a inverossimilhança e o absurdo, mesmo com toda licença poética de expressão.

A trama é simplória, diante da morte quase que iminente de Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, este escolhe passar seus últimos dias no meio da floresta, amparado pela cunhada e por um sobrinho que faz seus curativos e adequa os aparelhos no seu corpo para ajudá-lo a vencer a insuficiência renal que o atormenta e o deixa cada vez mais agonizante.

O diretor "Joe" não se dá por satisfeito e faz surgir inesperadamente num jantar de tio Boonmee, num clima propício para o incesto indireto com a cunhada prestativa, surge a esposa morta há 19 anos e logo reaparece o filho desaparecido também por um bom tempo, mas metamorfoseado num macaco com olhos vermelhos, talvez de tanto chorar de arrependimento. Pronto, a titular ora morta voltou e assumiu seu posto, seriamente ameaçado pela irmã tinhosa e louquinha para dar o bote, embora na cena final, junto com a filhinha ambiciosa contam e fazem o inventário do que restou para elas.

Outra cena solta no roteiro e feita bem melhor no filme Alice no País das Maravilhas (2010), de Tim Burton, foi a visita na caverna misteriosa e o "belo" achado de alguns peixinhos num dos cantos escuros, mas iluminados por algumas luzinhas coloridas da parte superior, restabelecendo a ordem e a visão de uma suposta primeira vida, neste lugar feérico que seria a origem de tudo.

O encontro do jovem budista com a família e as cenas de longas reflexões e observações de filmes na TV conduzem para um abstrato. O banho de purificação da alma no chuveiro desperta curiosidade nos espectadores, pois poderia acontecer algo inusitado. Ainda bem que não saltou daquelas águas que desciam pelo cano nenhum peixe do sexo feminino e seduzisse o neófito monge, das idiotices bizarras da cabeça de "Joe", para alívio e a espera do aguardado final do longa.

Não dá para comparar esta película com filmes como O Estranho Caso de Angélica (2010), do veterano e genial Manoel de Oliveira, com seu estilo formal e clássico de fazer cinema da melhor qualidade para um público que saboreia a essência da sétima arte. Longe ficou do magnífico filme Independência (2009), oriundo das Filipinas, de impecável direção de Raya Martin, que também é o autor do roteiro, de apenas 26 anos de idade, com um tema similar arrasou na Mostra de 2009. Mas a maior heresia é comparar, como alguns críticos afoitos fizeram, com o mestre David Lynch. Sem comparação e sem similitude, seria o mesmo que comparar vinho com vinagre.

Tio Boonmee... não tem nada de transcendental ou espiritual como possa parecer. É uma aberração cinematográfica que encontra similar em muitas obras disformes, ocas e caóticas como na atual Bienal de São Paulo. Mas, enfim, tem gosto para tudo, para o absurdo e fraudulento filme como este que veio embalado em papel celofane da premiação máxima em Cannes.

A 34ª. Mostra de Cinema de São Paulo já tem sua maior decepção e candidato certo ao Troféu Frambroesa, se houvesse é claro, tanto pelo engodo como pela falsa arte travestida de filme cabeça e perturbador, nada mais é que um substrato de uma farsa fantasmagórica, que tem até uma cena do rapaz-macaco posando para fotografia com alguns soldados, como não poderia faltar a demagogia na frase do tio Boonmee, se era castigo a doença adquirida, por ter matado muitos comunistas.

5 comentários:

Igor disse...

Pergunta básica:
você assistiu ao filme?

Anônimo disse...

Caro Igor:
Seja bem-vindo ao meu blog. Assisti ao filme sim e por todos os motivos e argumentos já mencionados no texto, detestei, ao contrário de muitos críticos engajados que apenas homologam o que já vem pronto e pasteurizado.
Obrigado pela preferência.
Um abraço
Roni Figueiró

Igor disse...

Olá Roni, obrigado pela recepção.
Bom, respeito seus motivos e argumentos para detestar o filme, mas discordo radicalmente. Vi um filme completamente diferente, vi uma obra de extrema qualidade técnica e estrutural, inteligente e provocativa. Você assistiu às outras 3 ficções do Apichatpong? Acontece que, na verdade, os filmes dele não são filmes de tramas e enredos, onde há que ter sentido em tudo que é projetado na tela. Seu cinema é acima de tudo sensorial, onde o espectador é convidado a imergir na experiência proposta pelo autor. Cuidado para a opacidade do filme não atentar contra seus motivos e argumentos.
Um abraço,

Igor

Roni Figueiró disse...

Caro Igor:
Seus argumentos quase me convenceram, mas ainda resisti bravamente e não consegui digerir Tio Boonmee, apesar de todo meu esforço e capacidade sensorial.
Não sou adepto do cinema início meio e fim, pois me filio como admirador de elipses e cinema sensorial, com uma estética inovadora. Menciono algumas críticas que realizei de filmes complexos ou sensitivos:
A Origem, Terra Trêmula, Anticristo, Hanami- Cerejeira em Flor, Mother- A Busca pela Verdade, Film Socialisme, Aquele Querido Mês de Agosto e a obra-prima das obras-primas "Gritos e Sussurros" de Bergman.
Renovo minha satisfação por continuares como meu leitor, pois assim, os debates serão sempre edificantes, principalmente quando há divergências de pensamentos e visão filosófica de determinado tema.
Um abraço
Roni Figueiró

Igor disse...

Opa.. Foi o que eu disse, respeito seus motivos e argumentos. Discussão de idéias e opiniões é absolutamente saudável e rico.
Se você não assistiu aos 3 filmes de ficção anteriores do Apichatpong, assista, creio que analisar a obra dele como um todo ajuda a entender sua proposta de cinema.
Dos filmes que você citou, só não concordo com a A Origem (hehehe, lá vamos nós de novo), quando você diz filme complexo e sensitivo.
Mas enfim, obrigado pelas respostas.
Um abraço

Igor