sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Suprema Felicidade



Decepção Suprema

Arnaldo Jabor é um diretor que encantou e revolucionou com Toda Nudez Será Castigada (1973), depois mostrou seu lado mais apurado como um crítico e observador dos relacionamentos humanos conturbados das mazelas causadas pelo desgaste impulsionado pelas entranhas dos seus personagens sofridos em Tudo Bem (1978) e Eu te Amo (1981), sendo que depois viria o estonteante Eu Sei Quer Vou Te Amar (1986), onde um casal faz um jogo de palavras memorável através de uma esplendorosa terapia filmada de forma arrasadora, dissecando e derrubando normas preconceituosas e tabus existentes entre duas pessoas que se amam.

Depois do ostracismo do diretor que buscou a reclusão numa rede de TV, realizando seus comentários sarcásticos e instigantes, avacalhando com a esquerda e se tornando um defensor nato e estereotipado da direita conservadora e ultrapassada, esperava-se um cineasta ainda mais maduro, que pudesse passar aos espectadores todo seu talento de sua verve política e conhecedor do cotidiano, atributos que lhe são inegáveis. A aguardada volta de Jabor em A Suprema Felicidade foi decepcionante, pois vem com muitas ideias na cabeça para contar várias histórias e ao mesmo tempo nenhuma original que pudesse ser a principal. A tentativa desencontrada de moldurar com fatos pitorescos num Rio de Janeiro dos anos 40, através do personagem de um menino sofrido como condutor da trama, deixa em muito a desejar. Longe do cineasta comprometido com as peculiaridades do amor e das relações familiares que mostrava no passado com extrema competência.

O início do longa com Paulinho (Jayme Matarazzo), um garoto de 8 anos, que observa o fim da II Guerra Mundial, na cama, ouvindo o tique-taque do relógio no silêncio do seu quarto, já nos remete ao filme Fanny e Alexander (1982), de Ingmar Bergman, corroborado depois em outras cenas como dos padres conflitados em sala de aula, nos papéis de Ary Fontoura e Jorge Loredo, num encontro que conduz solenemente para o barroco e talvez seja a única cena que se salva realmente do desastre total. Ao tentar se inspirar em alguns filmes de Federico Fellini, em especial Amarcord (1973), várias cenas mais parecem cópias mal-feitas e desajeitadas dos clichês satirizados pelo mestre italiano. O vento desconectado e as prostitutas surreais sendo esfaqueadas com o sangue jorrando vão, inexoravelmente, ao encontro do grotesco e inoperante resultado, numa sucessão de erros e gafes indignos de um cineasta da capacidade de Jabor que adere ao mau gosto e pela simploriedade.

A tentativa de buscar na forma teatral com uma música operística flutuando num passado e voltando para uma escola de samba ensaiando na avenida, deixa tudo encrencado e inconcluso, em elipses completamente destoantes e sem conexão, numa estética evasiva e perdida num emaranhado de atores e atrizes desfilando como se fossem chamados às pressas para darem seus recados e se retirarem estrategicamente. Nas cenas de amor de Paulinho com a namorada traidora e depois com a cantora Marilyn do Cabaré Eldorado (a belíssima Tammy Di Calafiori) fica tudo muito lacrimoso, beirando as novelinhas globais onde ainda é comentarista, ou lembrando em muito as telenovelas mexicanas com muita emoção, nada de razão, com pessoas se derretendo de tanto chorar.

Também beira ao ridículo as piadinhas infames contadas pelo vendedor de pipocas (João Miguel), onde a vulgaridade é indesculpável, diante das redundâncias e de uma grossura, que talvez pudessem ser contadas num ambiente de muito baixo nível, correndo o risco de não serem apreciadas com a suposta graça que tentou em vão no longa, com a assessoria do personagem mata-mosquitos e de um modorrento comprador de coisas antigas, jornais e livros velhos. Até o papagaio quase que conta uma de suas piadinhas clássicas e abomináveis. Outra cena risível é a que Paulinho sai correndo do prostíbulo sem pagar seu programa, junto com um amigo boboca e sonhador, tendo na intervenção do avô Noel (Marcos Nanini sempre um bom ator), resolvendo tudo na porrada e na macheza. A avó (Elke Maravilha) surge com diálogos soltos e desencontrados que não levam a nada, exceto que tenha sido uma ex-dançarina da Lapa.
Falta inspiração para o diretor que tem mais transpiração do que qualquer outra coisa. Há a cena do pai (Dan Stulbach) deixando a mãe (Mariana Lima) choramingando pelos cantos, para assistir a cantora num show no bordel, sendo seguido pelo filho que se apaixona pela mesma moça pobre e sofrida e filha de uma cafetina bêbada (Maria Luisa Mendonça) que é oprimida por um rufião, mas que também não tem consistência. As cenas não fluem naturalmente e se diluem, acomodando-se como num passe artificial.

Também fica solta a cena do avô dançando na rua, numa tentativa de rememorar os famosos bailes da Urca ou quando tocava trombone e filosava na boemia, mas inexiste o clímax para uma pequena dose de emoção. Ou seja, falta tudo, pois agora não há choro e nem vela. Como o próprio Hotel Glória aparece do nada. O filme se arrasta como uma eternidade para um final melancólico, onde se mescla carnaval de rua com com um romance conflitado, misturando com uma suposta ópera, tendo ainda um sermão religioso, bafejado com reminiscências de um vovô perdido no tempo.

A lamentar-se as obviedades que se desenvolvem e se aliam no transcorrer do longa, resultando uma verdadeira salada de fruta indigesta neste desastroso e decepcionante A Suprema Infelicidade de um dos grandes diretores do passado, que parece ter perdido toda sua lucidez e criatividade, deixando suas virtudes distantes de suas magníficas obras de outrora. O resultado final descamba mais para uma pornochanchada do que para as inspirações buscadas em Fellini e Bergman.

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