quarta-feira, 20 de março de 2019

Um Amor Inesperado



Síndrome do Ninho Vazio

A indústria cinematográfica da Argentina não é a mais recomendável no gênero comédias, tendo nos dramas seu forte, principalmente quando há conotações sociais ou abordagens sobre as relações humanas, os contrastes do amor e o existencialismo como temáticas aprofundadas e sem artificialismos limitadores. O longa-metragem Um Amor Inesperado não foge à regra da comédia de costumes, com ingredientes de romantismo em alta dosagem sobre as convivências amorosas e a perspectiva de um casal de meia-idade já sem o fogo da paixão. A perspectiva de conhecerem novas experiências poderia ser a combustão para dar o clique e acender a luz alta da separação sem grandes motivos aparentes. Eles resolvem dissolver o casamento de 25 anos quando estão literalmente sozinhos e passam a questionar se devem continuar juntos. A crise conjugal se estabelece logo após a partida do único filho para estudos na Espanha, na busca de conhecimentos para qual futuro profissional deseja seguir. Eles irão mergulhar em aventuras para satisfazerem fantasias e fetiches abafados pelo tempo de uma convivência pragmática.

Cria-se uma atmosfera pouco imaginativa para propiciar a satisfação de desejos em tom de drama conjugal em bonitos cenários, no qual os devaneios e indecisões vêm à tona e dialogam com o espectador durante o desenrolar da história. Diante da chamada “Síndrome do Ninho Vazio”, o foco será as dúvidas do marido e da esposa que, embora estejam aparentemente felizes por se darem muito bem, decidem buscar, em caminhos distintos, a velha chama apagada pelo tempo decorrente do abismo matrimonial tranquilo. Sem o apimentado desejo de outrora, tendo em vista o tédio reinante do trabalho, não conseguem escapar da tentação carnal dando asas à concepção inventiva exacerbada com o ingrediente corroído da rotina. Com direção e roteiro de Juan Vera, em seu filme estreia, depois de passar muitos anos escrevendo roteiros cômicos para cineastas conterrâneos, entre eles Diego Kaplan em 2 Mais 2 (2012) e Ariel Winograd em Mamãe Saiu de Férias (2017); também foi produtor dos renomados Pablo Trapero no drama Leonera (2008), Lucrécia Martel na saga histórica Zama (2017) e Juan Jose Campanella no comovente O Filho da Noiva (2001).

O neófito realizador reúne no elenco a dupla central inquestionável: Ricardo Darín e Mercedes Morán, em interpretações sem reparos e dignificantes nos papéis de Marcos e Ana. O relacionamento do casal, que acabará redundando em dois solitários solteiros no mercado, não era mais como antes, diante das dificuldades do gradual deterioramento. Acentua-se quando o único filho vai embora em busca de sua liberdade e eles estão numa festa de amigos, no embalo da trilha sonora com a canção Fogo e Paixão, do cantor brasileiro Wando, morto em 2012. Vera aborda a temática no início de sua obra com o mesmo viés do conterrâneo Daniel Burman, no ótimo drama Ninho Vazio (2008), em que os pais precisavam lidar com a saída de casa dos filhos. Ela resolve retornar à faculdade e à vida social intensa, enquanto que ele, um escritor renomado fica cada vez mais introspectivo, num contraste em que fará se estabelecer uma crise existencial com desdobramentos relevantes e doloridos. Porém, com o desenrolar da trama, Um Amor Inesperado descamba definitivamente para uma adocicada comédia romântica tradicional, com alguma ironia dos personagens centrais, ao melhor estilo portenho. Há nos diálogos sarcásticos sobre a nova vida com seus novos parceiros uma ponta de ciúme com amargura: “Vocês estão bem?”, pergunta Ana, no que responde Marcos: “Estáveis”, no que ela retruca: “Como o dólar”, numa alusão à crise financeira do país.

Há referência às redes sociais de namoro, especialmente o Tinder, em que pessoas solteiras buscam relacionamentos instantâneos, sem estabelecer vínculos afetivos, com troca de nomes verdadeiros por pseudônimos. Ao buscarem encontros fortuitos que irão redundar em decepções e frustrações, ambos terão grandes recaídas e as lembranças do passado retornam com mais força. O apartamento à venda e o inventário dos bens são motivos relevantes para que se encontrem, discutam e acabem alimentando um previsível retorno. Vera é um admirador do cinema americano voltado para o puro entretenimento, como afirma em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo: “Gostaria que esse fosse aquilo que os norte-americanos chamam de feel good. Um filme para tornar as pessoas felizes”. Mas o prazer sem amor é pouco explorado numa proposta rasa e simples, na qual está presente o objeto fundamental do estado emocional complexo envolvente de um sentimento provocado em relação ao medo iminente da perda da companhia. Evidencia-se a ausência de uma construção sólida dos personagens, quando remete para uma solução conservadora e de cunho moralista, como se depreende do desfecho equivocado e afastado da criatividade enriquecedora do cinema na sua essência.

Um Amor Inesperado é uma realização que estava se desenrolando de forma aceitável até esboroar-se no epílogo. Faltou ao diretor mais aprofundamento qualitativo e menos ambição na bilheteria, que torna sua obra descartável para um espectador mais exigente, embora satisfaça um público que busca apenas uma retórica açucarada e vazia com o viés da moral e dos bons costumes. Afasta-se da elaboração de uma obra meritória que poderia contribuir para uma arte voltada para investigar as complexidades individuais num todo, com o intuito de agradar esta barulhenta parcela minoritária acostumada com futilidades de seriados e realizações televisivas. Deixa de abordar as conotações sobre a solidão pelas fragilidades humanas e suas fantasias, divorciando-se da sutileza e do bom alcance da sensibilidade, sem dissecar por uma lúcida reflexão os atritos das relações no cotidiano amoroso em toda sua extensão pelos vínculos afetivos decorrentes. Além de ignorar os descompassos que levam à procura do sentido do amor e seus princípios subjetivos, tropeça na natureza do prazer instintivo ludibriado. Eis uma comédia romântica com seu convencionalismo pela narrativa de cunho rasteiro pelo medo de perder a posse no fim de uma relação com margem para retrocessos. Mas o filme tem os estelares Ricardo Darín e Mercedes Morán como salvação de um naufrágio maior.

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