Pais e Filhos
Vencedor do Prêmio Leão de Prata de direção e o de melhor primeiro
filme no Festival de Veneza do ano passado, Custódia
é o marco da ótima e promissora estreia como diretor do ator francês Xavier
Legrand, que também é o responsável pelo enxuto roteiro que vai gradualmente montando
as peças que completam esse mosaico para decifrar o quebra-cabeça, e faz o
espectador não tirar conclusões precipitadas no início, bem como ir entendendo
as consequências nefastas sobre o ambiente daquela família conflitada, numa hábil
construção estética, além de questionar o próprio voyeurismo do público e o que
ele pensa sobre o problema lançado na tela, como no epílogo inusitado, sendo bem
coadjuvado pela câmera imóvel da fotógrafa Nathalie Durand. Foi um dos longas
mais badalados no último Festival Varilux, com sucesso de público e recebido
com entusiasmo pela crítica internacional. Ainda esteve presente na 41ª. Mostra
de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.
O mote do enredo do drama de Legrand está centrado numa
família em processo de divórcio litigioso já encaminhado pelos protagonistas da
dissolução dos vínculos remanescentes de um casamento com elementos doentios
pela obsessividade. O casal Miriam (Léa Drucker) e Antoine Besson (Denis
Ménochet) está numa luta acirrada para garantir a proteção do filho de 11 anos,
Julien (Thomas Gioria) e da filha prestes a completar 18 anos, Joséphine
(Mathilde Auneveux). A disputa no judiciário é centralizada sobre o garoto,
tendo em vista que a moça tem direito sobre suas escolhas e pode seguir sua
vida com independência. A mãe acusa o pai de ser violento e pede a custódia
exclusiva de Julien, que é tomado quase como um refém entre seus pais, embora questione
por vezes a ordem vigente, mas fará tudo para evitar o pior na briga beligerante
entre os inconsequentes adultos.
O diretor, já no prólogo, coloca a juíza na
audiência, ouvindo as partes, as advogadas e as testemunhas sobre as intrincadas relações
no microcosmo familiar que se arrasta por quase um ano de batalhas jurídicas. É
lida uma carta de acusações, perseguições e atos agressivos da figura paterna. São
trazidos argumentos sensatos e razoáveis de ambos, entre as quais da mãe sumir
com o filho, desrespeitando os dias de visita e impedindo chamadas telefônicas.
A alienação parental é levantada como uma tese aterrorizadora por uma das
defensoras, que afirma ser seu cliente vítima do contexto e que o menor é usado
como isca para aproximações. O ressentimento está claro e notório na violência
doméstica ali escancarada como vísceras expostas da brutalidade. A magistrada acaba
optando pelo deferimento aos pais pela guarda compartilhada da criança, apesar
do desgaste da separação ser nítido e flagrante, diante de diálogos ríspidos e
rancorosos, repletos de mágoas e frustrações incuráveis que são estampados
nesta realização dolorida e cruel naquele ambiente hostil de desavenças e
dificuldades, para se chegar a um consenso de utópica harmonia.
Custódia se
aproxima em semelhanças com outro notável filme do gênero, o russo Sem Amor (2017), de Andrey Zvyagintsev,
exceto as metáforas e o viés político naquele drama que concorreu ao Oscar de
melhor filme estrangeiro. Naquele, o garoto de 12 anos acaba desaparecendo
misteriosamente para sempre; neste, o menino de 11 anos está muito presente e tenta
desesperadamente apaziguar os ânimos para evitar uma tragédia, diante da estupidez
escarrada maternal e paternal para o fato consumado da separação num clímax quase
sem saída. No filme da Rússia, aflorava a falta de amor, o carinho, o egoísmo e
a desatenção num tom seco do relacionamento mal resolvido. Custódia também possui uma narrativa direta e sem subterfúgios
pirotécnicos, com diálogos contundentes, sem trilha sonora, apenas com o embalo
das músicas altas de um aniversário familiar recheado de nuances com os
conflitos nos bastidores sendo abafados os diálogos na iminência da guerra
querendo eclodir. Mostra uma triste realidade construída a partir de uma imensa
lacuna entre os pais e os filhos num cenário gélido de uma separação conduzida
com atritos, rusgas e destemperos geométricos, através de uma estrutura
fragmentada, onde é sugerida à plateia decifrar as situações emblemáticas
insinuadas com a humanização dos personagens e suas disputas incivilizadas.
O filme retrata não só o colérico pai, que também tem
problemas de relacionamento com seus pais, mas uma situação de estresse pelo
rompimento de vínculos de relações conturbadas que são sedimentadas pela destruição,
que desencadeia num final que transita do intimismo para o suspense num
desenlace catártico de um marido que espanca a mulher e é durão com a prole. O
cineasta mostra-se imparcial e apresenta todos como vítimas num contexto com a
exposição das angústias e das malquerenças de um casamento que chegou ao fim
sem soluções para uma convivência civilizada. Ao invés de dizer quem está com a
razão, deixa o espectador descobrir a dinâmica dos personagens. Por isto,
qualquer motivo é o suficiente para acender a chama da discórdia e a explosão
acontecer de forma naturalista para um realismo extremado de uma rotina devastadora
para os integrantes daquela célula em desagregação, com distanciamento de laços
pela ausência de uma união de pouca amizade, carinho e afetuosidade. O
rompimento de vínculos da integração, pelo estado de fratura nas típicas desmembrações
de uma família em ruínas. Eis
um magnífico drama ambientado com consistência, que questiona a
responsabilidade dos adultos e seus fracassos sentimentais nas ações violentas que
terminarão na asfixiante banheira como o último refúgio do marisco na briga
ente o rochedo e o mar.
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