terça-feira, 10 de julho de 2018

Custódia



Pais e Filhos

Vencedor do Prêmio Leão de Prata de direção e o de melhor primeiro filme no Festival de Veneza do ano passado, Custódia é o marco da ótima e promissora estreia como diretor do ator francês Xavier Legrand, que também é o responsável pelo enxuto roteiro que vai gradualmente montando as peças que completam esse mosaico para decifrar o quebra-cabeça, e faz o espectador não tirar conclusões precipitadas no início, bem como ir entendendo as consequências nefastas sobre o ambiente daquela família conflitada, numa hábil construção estética, além de questionar o próprio voyeurismo do público e o que ele pensa sobre o problema lançado na tela, como no epílogo inusitado, sendo bem coadjuvado pela câmera imóvel da fotógrafa Nathalie Durand. Foi um dos longas mais badalados no último Festival Varilux, com sucesso de público e recebido com entusiasmo pela crítica internacional. Ainda esteve presente na 41ª. Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

O mote do enredo do drama de Legrand está centrado numa família em processo de divórcio litigioso já encaminhado pelos protagonistas da dissolução dos vínculos remanescentes de um casamento com elementos doentios pela obsessividade. O casal Miriam (Léa Drucker) e Antoine Besson (Denis Ménochet) está numa luta acirrada para garantir a proteção do filho de 11 anos, Julien (Thomas Gioria) e da filha prestes a completar 18 anos, Joséphine (Mathilde Auneveux). A disputa no judiciário é centralizada sobre o garoto, tendo em vista que a moça tem direito sobre suas escolhas e pode seguir sua vida com independência. A mãe acusa o pai de ser violento e pede a custódia exclusiva de Julien, que é tomado quase como um refém entre seus pais, embora questione por vezes a ordem vigente, mas fará tudo para evitar o pior na briga beligerante entre os inconsequentes adultos.

O diretor, já no prólogo, coloca a juíza na audiência, ouvindo as partes, as advogadas e as testemunhas sobre as intrincadas relações no microcosmo familiar que se arrasta por quase um ano de batalhas jurídicas. É lida uma carta de acusações, perseguições e atos agressivos da figura paterna. São trazidos argumentos sensatos e razoáveis de ambos, entre as quais da mãe sumir com o filho, desrespeitando os dias de visita e impedindo chamadas telefônicas. A alienação parental é levantada como uma tese aterrorizadora por uma das defensoras, que afirma ser seu cliente vítima do contexto e que o menor é usado como isca para aproximações. O ressentimento está claro e notório na violência doméstica ali escancarada como vísceras expostas da brutalidade. A magistrada acaba optando pelo deferimento aos pais pela guarda compartilhada da criança, apesar do desgaste da separação ser nítido e flagrante, diante de diálogos ríspidos e rancorosos, repletos de mágoas e frustrações incuráveis que são estampados nesta realização dolorida e cruel naquele ambiente hostil de desavenças e dificuldades, para se chegar a um consenso de utópica harmonia.

Custódia se aproxima em semelhanças com outro notável filme do gênero, o russo Sem Amor (2017), de Andrey Zvyagintsev, exceto as metáforas e o viés político naquele drama que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Naquele, o garoto de 12 anos acaba desaparecendo misteriosamente para sempre; neste, o menino de 11 anos está muito presente e tenta desesperadamente apaziguar os ânimos para evitar uma tragédia, diante da estupidez escarrada maternal e paternal para o fato consumado da separação num clímax quase sem saída. No filme da Rússia, aflorava a falta de amor, o carinho, o egoísmo e a desatenção num tom seco do relacionamento mal resolvido. Custódia também possui uma narrativa direta e sem subterfúgios pirotécnicos, com diálogos contundentes, sem trilha sonora, apenas com o embalo das músicas altas de um aniversário familiar recheado de nuances com os conflitos nos bastidores sendo abafados os diálogos na iminência da guerra querendo eclodir. Mostra uma triste realidade construída a partir de uma imensa lacuna entre os pais e os filhos num cenário gélido de uma separação conduzida com atritos, rusgas e destemperos geométricos, através de uma estrutura fragmentada, onde é sugerida à plateia decifrar as situações emblemáticas insinuadas com a humanização dos personagens e suas disputas incivilizadas.

O filme retrata não só o colérico pai, que também tem problemas de relacionamento com seus pais, mas uma situação de estresse pelo rompimento de vínculos de relações conturbadas que são sedimentadas pela destruição, que desencadeia num final que transita do intimismo para o suspense num desenlace catártico de um marido que espanca a mulher e é durão com a prole. O cineasta mostra-se imparcial e apresenta todos como vítimas num contexto com a exposição das angústias e das malquerenças de um casamento que chegou ao fim sem soluções para uma convivência civilizada. Ao invés de dizer quem está com a razão, deixa o espectador descobrir a dinâmica dos personagens. Por isto, qualquer motivo é o suficiente para acender a chama da discórdia e a explosão acontecer de forma naturalista para um realismo extremado de uma rotina devastadora para os integrantes daquela célula em desagregação, com distanciamento de laços pela ausência de uma união de pouca amizade, carinho e afetuosidade. O rompimento de vínculos da integração, pelo estado de fratura nas típicas desmembrações de uma família em ruínas. Eis um magnífico drama ambientado com consistência, que questiona a responsabilidade dos adultos e seus fracassos sentimentais nas ações violentas que terminarão na asfixiante banheira como o último refúgio do marisco na briga ente o rochedo e o mar.

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