A Bela e os Gêmeos
O prolífero cineasta francês François Ozon, nome constante
em festivais como Cannes, Berlim e Veneza nos últimos anos, está de volta com O Amante Duplo, uma adaptação do livro Lives of the Twins, de Joyce Carol Oates.
Um dos filmes mais badalados no último Festival Varilux, com sucesso de público
e visto com algum entusiasmo pela crítica internacional. Eis um suspense
psicológico com boas pretensões estilísticas com o ingrediente eficiente de uma
narrativa voltada para causar um certo desconforto na plateia. É provocativo na
câmera que viaja pelo interior da vagina da personagem central no prólogo, com a
elipse certeira que remete para os olhos, o corte radical dos longos cabelos, para
só depois ir revelando sua vida na terapia, utilizando espelhos com imagens
para focar a ideia principal do duplo na trajetória da vida da paciente.
Depois dos longas O Refúgio
(2009), Potiche-Esposa Troféu (2010),
Dentro de Casa (2012), Jovem e Bela (2013) e o premiado Frantz (2016), drama histórico que
recebeu onze indicações ao Prêmio César, o Oscar da França, abocanhando a
láurea de melhor fotografia, além da premiação de melhor jovem atriz no
Festival de Veneza de 2016 para a bela Paula Beer. Agora o diretor constrói um
painel psicológico para contar a amarga história de Chloé (Marina Vacht- a
estonteante atriz que também foi a protagonista em Jovem e Bela), uma mulher reprimida sexualmente, que oscila entre a
esterilidade até a histeria, e constantemente sente dores na altura do ventre. Irá
buscar ajuda para resolver seu problema em sessões com o psicoterapeuta Paul
(Jérémie Renier), um psicólogo especialista nas questões que lhe afligem. Ao
contar seus dilemas, transfere suas angústias na ânsia de soluções, mas a perturbada
moça acaba por se envolver emocionalmente com o profissional, logo se apaixonam
e vão morar juntos.
Diante da inusitada situação, é encerrada a terapia e Paul
indica uma colega para dar continuidade ao tratamento, mas a companheira decide
ir a outro de sua livre escolha, quando descobre alguns segredos do namorado,
sendo que um deles é a existência de um irmão gêmeo, também terapeuta, de nome
Louis, com quem passa a ter um caso. O realizador conduz o enredo com distanciamento
ao mergulhar nas intrincadas relações familiares, apresenta os irmãos com
personalidades visceralmente distintas. O companheiro é um homem pacato, ético,
carinhoso, compreensivo, adora leituras e se mantém como um personagem clássico
e pouco inventivo na intimidade. Já o outro irmão é complexo, antiético, liberal
nas relações sexuais, diametralmente oposto no trato e na profissão, de poucos
escrúpulos, tem na rotina de momentos prazerosos pontilhados pela libido sem
fronteiras. São situações criadas
com razoável esmero pelo diretor na sua versatilidade temática e o ingresso em
questões conflitantes numa trama urdida sobre as reminiscências que pairam da
loucura originária dos conflitos interpessoais.
Ozon se utiliza de recursos para elaborar um cenário
convincente, simbolizado no olhar atônito da protagonista e seu medo na viagem
em busca da verdade e das revelações que lhe aguardam, bem como as causas e
efeitos que proliferam para os limites da ficção imaginária com a realidade que
a acompanha na irracionalidade. Um filme construído pelo olhar do diretor que surpreende
em seu desenlace diante dos traumas decorrentes na perversão da sexualidade e
suas alternâncias com a dignidade questionada como um fardo insustentável e
pesado que tomam grandes dimensões dos relacionamentos anteriores, com o gosto implícito
das distorções pela representação pouco realista dos fatos. O vazio e a alusão
de uma desorientação sexual estão soltas e sem uma atmosfera consistente, pela
falta de uma melhor construção psicológica de Chloé. Embora haja algumas
comparações, apenas lembra o cultuado e melhor inspirado suspense do gênero Gêmeos- Mórbida Semelhança (1988), de
David Crobemberg, este sim, bem mais profundo.
O Amante Duplo é
um thiller psicológico que tem no
formato a simbiose de situações para confundir o espectador. Este é o intuito
do roteiro complexo para ludibriar sobre a inexistência de locais frequentados
pela personagem e a negativa do namorado sobre a existência de um irmão gêmeo. São
colocadas variantes sobre quem está mentindo para que as alucinações sejam
expostas como a descoberta do enigma na construção do enredo, como nas cenas
que envolvem um gato de estimação que desaparece na casa de uma vizinha, o
presente com o coração de um felino e uma suposta moça em estado vegetativo
numa cama. Até onde é real ou entra a fantasia numa atmosfera de pesadelos, bem
como quem é o manipulador do relacionamento da união, são questionamentos
lançados. As sugestões visuais são bem elaboradas, mas as conclusões sobre
placenta e os cromossomos que fertilizam os gêmeos são cansativas e
desnecessárias, quando a trama é direcionada para as explicações didáticas e
rasas, como se fosse uma aula de genética numa premissa falsa e redundante.
Os delírios e conflitos estão distribuídos num clímax de
ambiguidades do estado mental da jovem. A galeria de arte é o espaço em que o
realizador se utiliza para representar os quadros com cópias e falsificações, numa
alegoria da vida levada pela paciente e sua insanidade. Tudo é duplo, nada é único.
Apesar de irregular o longa, o mérito maior está em não deixar a plateia
indiferente, embora a realidade seja controversa, ao apresentar as neuroses
constantes. Em outro suspense similar,
Carnívoras (2018), dos cineastas belgas Jérémie e Yannick Renier, há uma
retrato bem mais convincente sobre os efeitos traumáticos pretéritos que são
conduzidos com melhor desenvoltura num desfecho pouco convencional, mas com as
evidências de um presente constituído por conjunções psicológicas carregadas em
um tom da falsa justificativa dentro de um mosaico pontilhado por amarguras e
situações emblemáticas que faz surgir um redemoinho assustador alucinatório que
povoa o consciente de uma mulher obsessiva e frustrada, na farsa do carinho que
nutre pela irmã bem-sucedida. O Amante
Duplo traz uma reflexão menor sobre a condição humana e fantasmas
existenciais da rivalidade fraterna que desemboca em soluções mais pragmáticas
sobre gêmeos, repletas de duplicidade e exageros na pretensão de uma obra mais profunda.
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