Os Preconceitos
Outro aguardado lançamento neste Festival Varilux de Cinema
Francês foi Marvin, com
direção da francesa Anne Fontaine. A cineasta, que depois de atuar em algumas comédias,
dirigiu seu primeiro filme, Les Histoires
d´amour finissent mal…en general (1993), ganhador do Prêmio Jean Vigo,
sendo dela também o elogiado Lavagem a
Seco (1997), premiado na Mostra de Veneza; o drama psicológico Nathalie X (2003); A Garota de Mônaco (2008); o festejado Coco Antes de Chanel (2009), Meu
Pior Pesadelo (2011); Amor Sem Pecado
(2013) e Gemma Bovery (2014). Retorna
agora com o lançamento deste multifacetado drama familiar, abordando bullying, homofobia, xenofobia, racismo,
preconceito e problemas de imigração. Talvez aí esteja seu grande pecado, ao
retratar vários temas, acaba não se aprofundando especificamente em nenhum.
A trama tem como protagonista Marvin Bijou (Jules Porier como
o pré-adolescente e Finnegan Oldfield quando jovem) que está fugindo de tudo, ou
seja, da aldeia de Vosges, próximo de Nancy, onde mora; depois da família, da tirania
do pai (Grégory Gadebois), da renúncia da indiferente mãe e por último da
intolerância, rejeição e humilhações as quais era exposto por tudo que faziam
dele uma pessoa diferente aos padrões comportamentais moralistas daquele
vilarejo, exceto a bondosa diretora (Catherine Mouchet). A infância e
adolescência do personagem central é sofrida e triste, não só por ser filho de
uma família operária pobre, mas principalmente por ser gay e sofrer constantes ultrajes
no colégio, com o frequente bullying
dos colegas de aula, naquele lugar infestado pela homofobia intolerante pelo
conservadorismo presente nos gestos e atitudes de incompreensão hostil para
quem ousar bater de frente ou contrastar as ideias ali encravadas e pouco
solidárias com o politicamente correto estabelecido por um expressivo
contingente de uma sociedade deformada pelo preconceito da realidade sombria
para o desenvolvimento de mudança de usos e costumes.
O filme é uma adaptação do romance autobiográfico En finir avec Eddy Bellegueule, escrito
por Edward Louis, no qual a obra original narra a infância e adolescência do
escritor, como filho de uma família muito pobre na Picardia, teve rejeição e
humilhação num local tomado pela homofobia. O roteiro escrito pela diretora e
Pierre Trividic para o cinema faz um painel das vítimas neste contexto de
violência numa região do interior fortemente marcada com tintas remanescentes
de um racismo, xenofobia e aversão à diversidade sexual repugnantes e
persistentes. As intolerâncias não são somente quanto à distinção de raças, mas
também pela discriminação sexual aos homossexuais e o rancor destilado aos
imigrantes. Há um tangenciamento da pouca generosidade com toques de raro humor
e a ira latente do pai, dos colegas e moradores dali.
Fora daquele lugar preconceituoso, o rapaz descobre em Paris
o teatro e pessoas aliadas que, finalmente, vão permitir que sua história seja
contada por ele mesmo, onde a realidade vira ficção, recebendo o apoio de
Isabelle Huppert, que interpreta ela mesma, e de um amigo rico (Charles Berling), que o ajuda financeiramente, bem como do gentil e intelectual gay, Alex (Vincent
Macaigne), que é uma espécie de mentor e orientador para todos os momentos. É um
retrato fragmentado que comove e consegue ir além do espelho para uma busca de
um futuro promissor. São representados alegoricamente os insultos homofóbicos
nos corredores da escola, as surras dos colegas, as cuspidas no rosto e o sexo
oral, as agressões do pai, a fragilidade com a indiferença da mãe e os irmãos
num contexto de revolta numa situação de miserabilidade e pouca esperança para
um sofrimento intenso. São agressões diluídas em uma vida marcada pelo
constrangimento real à sexualidade, que trazem um peso forte da escolha da
representação extremada da violência que transforma o protagonista num sofredor
daquele calvário, mas com estereótipos redundantes das pessoas ao seu redor na
narrativa pulverizada sobre a família perversa.
Marvin é uma busca
para encontrar os elementos de um mundo complexo e desprovido de carinho, onde
prevalece as ideias homofóbicas da tradição e da religião com o constante medo
de um olhar afetivo, que irá sugerir o rancor, ao invés de boas maneiras civilizadas
de lidar com os problemas inerentes dos que pensam diferente e tem suas opções
fora daquele contexto. São expostas as cicatrizes emocionais que deixaram o
rapaz que rebatizou seu nome, possivelmente para se livrar dos fantasmas do
passado. Fontaine conduz para uma reflexão de que o tempo dará os arranjos de
forma natural, numa clara contradição do mecanismo incrustado da homofobia e da
redenção patriarcal no desfecho, ao insinuar de que também o pai é um enrustido
homossexual. O drama vira uma espécie de torre de babel de pouca eficiência e
aprofundamento em questões lançadas como subtemas da imigração, do preconceito
racial e da xenofobia. Desnecessárias estas pinceladas afoitas no roteiro
estéril por ser multitemático, que acabam tirando o foco da homofobia e do bullying, dando um valor menor da transformação
na vida do protagonista para as artes e sua realização no teatro, ao dialogar
com os acontecimentos do passado, repassando ao público uma realidade que ficou
para trás de costumes e do moralismo abordados com rasa profundidade.
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