sexta-feira, 22 de junho de 2018

Festival Varilux Cinema Francês (Marvin)



Homofobia Intolerante

Outro aguardado lançamento neste Festival Varilux de Cinema Francês foi Marvin, com direção da francesa Anne Fontaine. A cineasta, que depois de atuar em algumas comédias, dirigiu seu primeiro filme, Les Histoires d´amour finissent mal…en general (1993), ganhador do Prêmio Jean Vigo, sendo dela também o elogiado Lavagem a Seco (1997), premiado na Mostra de Veneza; o drama psicológico Nathalie X (2003); A Garota de Mônaco (2008); o festejado Coco Antes de Chanel (2009), Meu Pior Pesadelo (2011); Amor Sem Pecado (2013) e Gemma Bovery (2014). Retorna agora com o lançamento deste multifacetado drama familiar, abordando bullying, homofobia, xenofobia, racismo, preconceito e problemas de imigração. Talvez aí esteja seu grande pecado, ao retratar vários temas, acaba não se aprofundando especificamente em nenhum.

A trama tem como protagonista Marvin Bijou (Jules Porier como o pré-adolescente e Finnegan Oldfield quando jovem) que está fugindo de tudo, ou seja, da aldeia de Vosges, próximo de Nancy, onde mora; depois da família, da tirania do pai (Grégory Gadebois), da renúncia da indiferente mãe e por último da intolerância, rejeição e humilhações as quais era exposto por tudo que faziam dele uma pessoa diferente aos padrões comportamentais moralistas daquele vilarejo, exceto a bondosa diretora (Catherine Mouchet). A infância e adolescência do personagem central é sofrida e triste, não só por ser filho de uma família operária pobre, mas principalmente por ser gay e sofrer constantes ultrajes no colégio, com o frequente bullying dos colegas de aula, naquele lugar infestado pela homofobia intolerante pelo conservadorismo presente nos gestos e atitudes de incompreensão hostil para quem ousar bater de frente ou contrastar as ideias ali encravadas e pouco solidárias com o politicamente correto estabelecido por um expressivo contingente de uma sociedade deformada pelo preconceito da realidade sombria para o desenvolvimento de mudança de usos e costumes.

O filme é uma adaptação do romance autobiográfico En finir avec Eddy Bellegueule, escrito por Edward Louis, no qual a obra original narra a infância e adolescência do escritor, como filho de uma família muito pobre na Picardia, teve rejeição e humilhação num local tomado pela homofobia. O roteiro escrito pela diretora e Pierre Trividic para o cinema faz um painel das vítimas neste contexto de violência numa região do interior fortemente marcada com tintas remanescentes de um racismo, xenofobia e aversão à diversidade sexual repugnantes e persistentes. As intolerâncias não são somente quanto à distinção de raças, mas também pela discriminação sexual aos homossexuais e o rancor destilado aos imigrantes. Há um tangenciamento da pouca generosidade com toques de raro humor e a ira latente do pai, dos colegas e moradores dali.

Fora daquele lugar preconceituoso, o rapaz descobre em Paris o teatro e pessoas aliadas que, finalmente, vão permitir que sua história seja contada por ele mesmo, onde a realidade vira ficção, recebendo o apoio de Isabelle Huppert, que interpreta ela mesma, e de um amigo rico (Charles Berling), que o ajuda financeiramente, bem como do gentil e intelectual gay, Alex (Vincent Macaigne), que é uma espécie de mentor e orientador para todos os momentos. É um retrato fragmentado que comove e consegue ir além do espelho para uma busca de um futuro promissor. São representados alegoricamente os insultos homofóbicos nos corredores da escola, as surras dos colegas, as cuspidas no rosto e o sexo oral, as agressões do pai, a fragilidade com a indiferença da mãe e os irmãos num contexto de revolta numa situação de miserabilidade e pouca esperança para um sofrimento intenso. São agressões diluídas em uma vida marcada pelo constrangimento real à sexualidade, que trazem um peso forte da escolha da representação extremada da violência que transforma o protagonista num sofredor daquele calvário, mas com estereótipos redundantes das pessoas ao seu redor na narrativa pulverizada sobre a família perversa.

Marvin é uma busca para encontrar os elementos de um mundo complexo e desprovido de carinho, onde prevalece as ideias homofóbicas da tradição e da religião com o constante medo de um olhar afetivo, que irá sugerir o rancor, ao invés de boas maneiras civilizadas de lidar com os problemas inerentes dos que pensam diferente e tem suas opções fora daquele contexto. São expostas as cicatrizes emocionais que deixaram o rapaz que rebatizou seu nome, possivelmente para se livrar dos fantasmas do passado. Fontaine conduz para uma reflexão de que o tempo dará os arranjos de forma natural, numa clara contradição do mecanismo incrustado da homofobia e da redenção patriarcal no desfecho, ao insinuar de que também o pai é um enrustido homossexual. O drama vira uma espécie de torre de babel de pouca eficiência e aprofundamento em questões lançadas como subtemas da imigração, do preconceito racial e da xenofobia. Desnecessárias estas pinceladas afoitas no roteiro estéril por ser multitemático, que acabam tirando o foco da homofobia e do bullying, dando um valor menor da transformação na vida do protagonista para as artes e sua realização no teatro, ao dialogar com os acontecimentos do passado, repassando ao público uma realidade que ficou para trás de costumes e do moralismo abordados com rasa profundidade.

Nenhum comentário: