The Stopover
Um filme que é uma agradável surpresa na 40ª. Mostra de
Cinema de São Paulo é este drama de guerra The
Stopover, segundo longa das irmãs francesas Muriel Coulin e Delphine
Coulin, que são responsáveis pelo bom roteiro. Muriel iniciou a carreira no
cinema como fotógrafa e assistente de câmera, Delphine também é escritora. Elas
começaram filmando em 1997 o curta Il Faut Imaginer Sisyphe Heureux e estrearam na direção de longas
com 17 Girls (2011). A coprodução é
da França com a Grécia, com a bela fotografia assinada por Jean-Louis Vialard
no estonteante cenário de mar azul e rochedos, sendo vencedora do prêmio de
roteiro da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes deste ano.
As diretoras se utilizaram de uma realidade dolorida e
triste, para demonstrar o cinismo francês, que em nome da União Europeia
intromete-se em questões alheias, como no caso do Afeganistão em guerra civil,
além das frequentes disputas territoriais nas fronteiras com Irã e Iraque. Ao
final da temporada de serviços prestados para o Exército no país invadido, um
trio de jovens militares femininas: Aurore (Ariane Labet), Marine (Soko) e
Fanny (Ginger Roman), ganham três dias de licença para retirar o estresse num
fascinante resort cinco estrelas na República do Chipre, a paradisíaca ilha
situada no mar Egeu oriental, a terceira maior e mais populosa no Mediterrâneo,
ao sul da Turquia, e ao leste da Grécia. A ideia é a realizar uma descompressão
com o restante do batalhão de homens em meio aos turistas, mas todos sofrem
censura e não podem contar tudo que aconteceu, inclusive abafam seus dilemas
pessoais. Mas as dificuldades se agigantam e não será fácil esquecer a guerra e
deixar os traumas e a violência explícita para trás.
Estampa-se uma situação de embates pós-guerra com lembranças
de um passado torturante para os personagens e seu impacto para o mundo que
deverão voltar em breve, após se submeterem a sessões de terapia coletiva com a
ajuda da tecnologia da realidade virtual em 3D para simular a guerra e iluminar o âmago e a alma, recuperar o físico e a mente, com o intuito da
glorificação nacional no retorno com a pretensa missão cumprida. Tudo balela e
hipocrisia dos comandos superiores. “O importante é vencer, o que se vai ganhar
não importa”, diz um soldado para a colega mulher, ao dançar com a cabeça
colada dividida apenas por uma laranja que não pode cair, num jogo de faz de
conta. A serpente sob os cuidados de Marine simboliza a traição que se dará na
emboscada que explode dos próprios companheiros enciumados do pelotão, quando a
linda Aurore se relaciona amorosamente com o nativo Max (Karim Leklou), mas a
cobra ao ser solta na natureza representa uma espécie de libertação às três
moças naquela delicada missão de homens rudes. Uma metáfora que é bem
manuseada pelas cineastas para lançar um olhar humano sob o ponto de vista
feminista das atrocidades hostis sofridas pelas três mosqueteiras num universo
machista.
O filme começa bem, ao se debruçar com os fantasmas dos
conflitos bélicos que foram envolvidos os soldados franceses. Os delírios da
guerra são bem captados pela câmera na primeira parte do longa. Mas aos poucos,
o clímax se esvai com o contorcionismo do roteiro, ao abandonar as mazelas e as
cicatrizes deixadas num ambiente inóspito para a busca do relaxamento do
entretenimento naquele lugar paradisíaco. Porém com a entrada dos dois nativos,
o atropelamento da cabra com desdém e as cenas de ciúmes, faz com que The Stopover enverede para uma realidade
abordada com superficialidade, ou seja, a presença das mulheres num batalhão eminentemente
de homens com os brios feridos no ego do macho preterido. A autoestima afetada
dos super-heróis desdenhados sob a ótica da força em detrimento da inteligência
do galanteio do galã da região.
Um drama bem fiel de um país que sofre frequentes atentados,
tendo em vista suas trapalhadas na esfera da política internacional. É
razoavelmente esmiuçado com boa dose de sutileza pelo caminho de violência com
rastros de mortes estúpidas daqueles relatos comoventes, como do rapaz que
morreu ao sentar no lugar que sempre fora de um outro colega, por uma
coincidência do destino, naquele dia inesquecível para o sobrevivente, mas que
levará para sempre as lembranças da tragédia. A narrativa está bem equilibrada
e coerente, através de uma história contada com uma paradoxal suavidade, embora
embrutecida por um panorama do horror dos relatos que deixou feridas abertas de
difícil cicatrização, permeando a selvageria intercalada por momentos líricos
doloridos, faz deste drama um apreciável manifesto coerente, sem cair no
maniqueísmo de outras realizações. É um filme reflexivo pelas imagens com força
de grande expressividade, com bons diálogos, embalados por uma trilha sonora
fidedigna e saborosa na essência dos rostos e olhares de perplexidades
mesclados com surpresa e indignação do passado.
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