sábado, 29 de outubro de 2016

Mostra de Cinema São Paulo (Treblinka)


Treblinka

Vem de Portugal o decepcionante filme da 40ª. Mostra de Cinema de São Paulo, o documentário Treblinka, com direção e roteiro do paulistano Sérgio Tréfaut, ex-assistente de vários diretores portugueses. Viagem a Portugal (2011) foi seu único longa-metragem ficcional. Estreou com o curta Alcibiades (1991), realizou os documentários Fleurette (2002), Lisboetas (2004), A Cidade dos Mortos (2009) e Alentejo, Alentejo (2014, 38ª Mostra), o melhor deles, ao fazer um retrato digno de dezenas de grupos amadores que se reúnem regularmente na cidade que dá título ao filme, ao sul do Rio Tejo. Ali, ensaiam antigos cantos polifônicos e improvisam modinhas contemporâneas, numa curiosa viagem musical por um modo peculiar de expressão e paixão dos seus intérpretes, através da bela fotografia de João Ribeiro, novamente presente em sua última realização sobre os horrores do nazismo.

Um documentário que retrata o presente, o passado e o futuro misturados nos vagões de um trem fantasma que cruza o Leste Europeu no século 21, por Polônia, Rússia e Ucrânia, países que vivenciaram o drama fatídico do holocausto. Foram palcos dos traumáticos efeitos humilhantes aos judeus, que para uns deve ser esquecido; para outros, relembrar é imperioso para a memória dos sobreviventes. O slogan do pós-guerra “Nunca novamente” soa ainda hoje como um conto de fadas. Treblinka fica na Polônia e foi o quarto campo de extermínio, em que milhares dos descendentes semitas foram mortos em câmaras de gás alimentadas por motores de explosão localizados nos arredores da cidade ocupada pelos alemães. Foi também o primeiro campo onde ocorreu a cremação dos cadáveres para ocultar o número de pessoas vítimas do genocídio.

Neste lugar foi criado um sistema de trabalho dos integrantes dos Sonderkommandos para que eliminassem alguns vestígios comprometedores, no qual os judeus eram incumbidos de receber os comboios de trens que chegavam para conduzir os deportados para as câmaras de gás, retirar os cadáveres, extrair os dentes e ouro e proceder a cremação. Este campo foi dividido pelos alemães em dois terrenos menores, onde em um deles os prisioneiros somente se ocupavam do extermínio e recuperação de objetos, e um segundo campo onde os prisioneiros só se ocupavam da retirada dos cadáveres e cremá-los. O filme O Filho de Saul (2015), com direção do jovem cineasta húngaro László Nemes, faz uma abordagem bem mais profunda e meticulosa sobre a temática, o que está ausente no documentário redundante e raso do brasileiro Tréfaut.

Eis uma realização repetitiva que se utiliza dos depoimentos de Isabel Ruth e Kirill Kashlikov, através de imagens distorcidas pela câmera, em um retorno ao passado para contar as artimanhas didaticamente rememoradas para escapar da morte no inferno daqueles campos de banheiros químicos. Mas falta a contundência de Phoenix (2014), de Christian Petzold, sobre a história da sobrevivente judia desfigurada enquanto esteve presa num campo de concentração, durante o período da II Guerra Mundial. Ou em Ida (2013), de Pawel Pawlikowski, no registro fabuloso de uma defesa intransigente para uma verdade não tão absoluta passada pelas gerações, na qual as vítimas são todas aquelas que não participaram diretamente, faz o espectador ter uma visão menos dualista, ao deixar fluir a equidistância da imparcialidade para elaborar uma posição mais crítica e menos escassa da realidade.

Treblinka é um filme menor, sem consistência, embora haja um certo esforço do diretor em transformá-lo num documentário sério e histórico, porém pouco contribui para um registro interessante sobre a realidade cruel do nazismo e seus efeitos destruidores e reprováveis cometidos contra o povo judeu. Quanto à estética utilizada, não há inovação, pouca originalidade num tema recorrente, embora sempre instigante sobre todos os indiscutíveis aspectos. Um filme sem interesse pela monotonia, chato e arrastado nos intermináveis 61 minutos de projeção. Está longe de qualquer interesse mais aprofundado, mas que faz brotar o instinto de busca num alucinante mergulho de um passado brutal para uma solução adotada como prática abjeta por Hitler para resolver e limpar os milhares de exterminados em massa. Como se fosse uma fábrica que tem de manter as máquinas funcionando a todo vapor, era necessário estar sempre aptas as câmaras de gás para receber mais e mais vítimas. Os corpos deveriam ter um destino, entre eles as valas comuns que já não davam mais resultado prático, pois não poderiam ser simplesmente empilhados como numa grande lixeira humana. O horror estava impregnado em todas as vítimas e algozes que faziam parte da terrível paisagem putrefata. Estes são os relatos contados pelos dois personagens, porém tudo já foi visto no excelente filme de László Nemes, o premiado O Filho de Saul.

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