quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A Questão Humana

















Feridas do Nazismo

O filme A Questão Humana não é mais uma obra que trata do Holocausto em que se envolveu de forma bárbara o Nazismo. O diretor Nicolas Klotz aborda de forma sutil, as feridas ainda abertas de uma época que jamais se esquecerá, onde o celerado Adolf Hitler comprometeu toda uma civilização e um povo como o alemão. Esta obra é a terceira de uma trilogia informal que começou com Pária (2000) e A Ferida (2004), onde a estagnação econômica que assola uma França tem os reflexos nos diferentes aspectos impregnados numa década de dificuldades para os franceses.

O longa tem na figura central do psicólogo Simon (Mathieu Amalric), escolhido a dedo no departamento de recursos humanos, pelo vice-presidente da filial francesa de uma corporação petroquímica com matriz na Alemanha, para investigar a vida pregressa do próprio presidente da empresa Mathias Jüst (Michael Londsdale), diante da suspeição de insanidade mental.

Simon demonstra todas as fraquezas inerentes de um ser humano sensível e torna-se uma pessoa debilitada e com sérios transtornos. Envolve-se com mulheres e ainda se deixa levar por drogas numa "Festa Rave", sendo que a loucura parece lhe tomar conta de seus sentimentos, do seu corpo, mente e percepção de um técnico equilibrado e de bom senso. Sua vida esboroa-se cada vez vez mais e sua derrota pessoal parece iminente, com as revelações que vão surgindo e o emaranhado que começa a se dissipar e a desanuviar um passado. As ligações com o nazismo são a mola mestra de uma aluvião de segredos e vidas eivadas por um passado inglório e de ligações com a dívida que teima em retornar e cobrar.

Num misto de confusão mental com as terríveis ligações perigosas do presidente da empresa com o fatídico regime que eliminou milhões de judeus, começam a clarear lentamente e o terror volta ao presente. Não é um filme de imagens monumentais de pessoas sendo mortas nos chuveiros de gases químicos envenenados, mas de elucubrações psicológicas que vão se diluindo, tendo nas palavras e gestos as matizes primordiais desta contundente narrativa de mais de duas horas de duração.

Nicolas Klotz tem uma direção consistente e faz brilhar o talentoso Mathieu Amalric, numa atuação estupenda e consagradora na pele de um profissional isento até o envolvimento com um passado de cadávers insepultos numa França em crise econômica. Aquele pesadelo que vai se formando num terreno de areia movediça, faz com que Simon sinta que nada é mais tão firme e o mundo gira e vai de encontro aos espectadores, por meio de palavras e de sentimentos contidos, que logo irão tomar por completo a mente do mais distraído dos assistentes, pela dor e pela avassaladora confusão psíquica que se instala no investigativo psicólogo que aplica a dinâmica de grupo, se transfere com absoluta propriedade e convencimento.

Simon busca em seus jogos com os funcionários, a tentativa de captar com esmero a agressividade natural das pessoas, fazendo-as ultrapassarem seus limites e se entregarem a persuasão técnica para atingir a competição aguardada numa empresa de nossos tempos, usando como metáforas a reengenharia e a reestruturação. Discretamente tem na investigação seu ponto principal e atinge o ápice ao se encontrar com os participantes do quarteto de cordas em que Mathias era um violinista que se deixará convencer e revelar uma ligação com o pai a serviço de um monumental erro histórico de uma nação, com ressonância de geração a geração.

Eis um filme de cinema político moderno, longe dos clichês didáticos de épocas passadas, que afasta com clarividência o ódio e a vingança, mesmo sendo em tom seco, quase frio, mas jamais omisso ou de sentimentalismos baratos, que desestabiliza o espectador pela visão confusa e perturbada de Simon que revela a monstruosidade vivendo entre nossos pares de um mundo onde as atrocidades ganham espaço, contadas sutil e metaforicamente neste perturbador e extraordinário longa sem dualismo que expõe as vísceras abertas das vítimas tanto das gerações do pós-Nazismo como as do Holocausto. A reflexão proposta no final deixa marcas indeléveis para serem discutidas e absorvidas com um gosto amargo de fel na boca.

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