quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

À Procura de Eric
















Conselhos do Ídolo

À Procura de Eric abriu a 33a. Mostra de Cinema de São Paulo, escolha esta saudada com pompas e elogios desmedidos. Este é o último trabalho do festejado diretor Ken Loach, um britânico que tem sua trajetória voltada para as condições da classe operária, suas mazelas e as condições humanas e socias fragilizadas e debatidas à exaustão. Assim foi em Ventos da Liberdade (2006), ganhador do Palma de Ouro em Cannes, diante da sensível abordagem da luta dos trabalhadores irlandeses em 1920 contra os soldados ingleses que tentam obstruir a independência da Irlanda. Segue o tema em Pão e Rosas (2000), Mundo Livre (2007) e Sweet Sixteen (2002), entre tantos com a reflexão sobre o operariado e suas dificuldades de emprego, surgindo a esperança e logo a desesperança.

Mas não muito distante desta reflexão, há a preocupação com os ídolos e suas decadências desportivas, moral e pessoal e amorosas. Bem explorado em Meu Nome é Joe (1998), ao se debruçar sobre um técnico de futebol do pior time de desempregados da Escócia, que acaba por se entregar ao alcoolismo e farras homéricas.

Agora com À procura de Eric seu foco é novamente as diabruras do temperamental e polêmico ex-jogador de futebol do poderoso Manchester Leeds United, um francês de jogadas e dribles refinados e uma pontaria mortal chamado Eric Cantona, com as sequências delirantes de jogadas do passado e gols memoráveis, entre as fotos que se espalham e a idolatria atingindo o ápice e transpondo da realidade para a ficção e a fantasia do cinema

O diretor neste longa faz as confissões do célebre Cantona pela boca do seu fã maior, um carteiro Eric Bishop (Steve Evets) em grande desempenho, numa performance invejável como o homem apaixonado pela ex-esposa Lily (Stephanie Bishop) que conheceu há 30 anos. Apesar de sua luta interior e seu esforço descomunal, as coisas parecem que não se encaixam e nada dá certo. Busca no baseado sua fuga para relaxar e esquecer as amarguras da vida. Nesses devaneios de visões aparece seu ídolo maior Cantona que tenta ajudá-lo, aconselhando como um legítimo amigo a superar os percalços e as dificuldades encontradas para superar os momentos difíceis que está passando.

Na procura dos Erics, tenta se encontrar o Cantona como o Bishop, um é carteiro com suas fragilidades de convivência, dificuldades de resolver as relações interpessoais pela sua intempestividade e o envolvimento de um dos dois enteados com gangues de tráfico, bem como a ausência de paternidade para com sua filha que não criou e tenta se aproximar, para resgatar um passado que vive lhe assombrando, assim como da ex-mulher Lily, por quem nutre a esperança da reconquista. Mas Cantona, seu ídolo inconteste e amigo deixa passar seu passado de glórias e as relações interiores e exteriores conturbadas pelo seu fã Bishop. Ambos se fundem num Eric, mas as frágeis e intrínsecas relações são pertinentes e dolorosas, tanto para o burocrata como para a celebridade.

O cineasta sempre foi um engajado em causas sociais e contra os preconceitos aos imigrantes, quase se deixa levar no final para a autoajuda, como na cena das máscaras de Cantona disseminadas nas torcidas organizadas numa caravana de ônibus, invadindo uma residência de pessoas más e malfeitoras para a sociedade. As filmagens e a humilhação aos cachorros Rotweillers e a destruição simbólica do poder junto aos quadros na parede com agressão moral superior à física, quase que detonam com as ideias maiores propostas. Por pouco a superficialidade aparente que esbarra não acaba com uma reflexiva e grandiosa visão sobre um mundo pouco explorado como o a análise dos ídolos.

Há uma volta com uma saída honrosa, que quase derrapa, deixando algumas lacunas e feridas abertas propícias para a artificialidade refutadas com inteligência. Eis um filme que retrata em doses homeopáticas a vida atribulada deste misto de atleta vilão de bom coração e conselheiro, embora de língua afiada, marrento e irascível por vezes. Nos bons conselhos lembra o filme de Woody Allen, Sonhos de Um Sedutor (1972), como em outros menos votados. Não é novo no cinema, mas com um resultado satisfatório para este bom filme sobre a magia eterna do futebol.

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