terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A Erva do Rato



Ciúmes do Roedor

Júlio Bressane surpreende quase sempre. Às vezes positivamente como o belo e sensual Filme de Amor (2003), e em outras tantas seu lado negativo aflora, como em A Erva do Rato, seu último trabalho, depois do desastrado e vaiado Cleópatra (2007) no Festival de Brasília daquele ano. Tem em seu currículo obras discutíveis como O Anjo Nasceu (1969), Matou a Família e foi ao Cinema (1969), Miramar (1997), Dias de Nietzsche em Turim (2001). Porém há sua obra maior em Brás Cubas (1985).

Com A Erva do Rato aborda o voyeurismo, o erotismo conjugado com uma morbidez entrecortada pelo escatologismo, sem se afastar das neuroses enlouquecidas, retiradas de dois contos de Machado de Assis. O longa funde os elementos extraídos da obra machadiana como O Esqueleto (1875) e A Causa Secreta (1885). Embora não seja uma adaptação, inclina-se para uma livre e desplugada união do conteúdo desses contos. Já em Brás Cubas admite que adaptou diretamente do livro do maior escritor brasileiro de todos os tempos.

As peripécias do ratinho e suas incursões pelas pernas e seu passeio noturno pelo corpo de Alessandra Negrini, faz com que seu companheiro sinta um ciúme doentio pelo pobre roedor erotizado, tendo suas elucubrações e taras punidas pela decapitação dos membros de forma nua e crua com requintes de tortura como a crueldade inerente dos fascínoras traídos, numa cena chocante pela neurótica alucinação de Selton Mello pela mulher invadida e com trejeitos indicadores de uma satisfação mórbida e repugnante. As ratoeiras espalhadas pela casa simbolizam uma opressão e a caça ao animal se transforma num fascínio do homem ultrajado.

Ciúmes de um ratinho ou apenas uma alegoria do mal e do bem, mas que fica destruída pela loucura das cenas finais da adoração pelo esqueleto. Lembra em muito Alfred Hitchcock com a inesquecível cena da mãe e do filho em Psicose (1960), quando há a veneração entre a mãe simbolizando a opressão e o filho cultivando seu passado com seu enlouquecido amor matriarcal. Também no filme do velho mestre Hitchcock, há o ciúme presente e a jovem ouve a mãe dizer para se afastar, pois não deseja a presença de uma estranha naquele lugar. Ainda que bizarro e inverossímil, este é um dos maiores filmes de suspense da história do cinema, mas que serve apenas de apanágio para Bressane se inspirar, e diga-se de passagem, muito mal, diante das dificuldades de continuidade com as aberrações estéticas decorrentes deste sofrível e descartável longa-metragem.

A se lamentar ainda mais, a atuação de Alessandra Negrini, em mais um papel deplorável e melancólico, pois Bressane tem um inimaginável e desproporcional gosto por ela e a vê como sua musa, o que retarda e atrapalha o desenvolvimento de seus filmes, como já o fora em Cleópatra. Uma atriz de escassa dramaticidade, com ausência de uma presença mais marcante, longe de ser uma estrela ou sequer uma boa figurante. Não tem dotes mínimos para ser a protagonista principal e acaba por entortar e comprometer o desempenho de Selton Mello, que está lamentável, longe de sua performance habitual e sabida de equilíbrio técnico e postura de um dos melhores atores brasileiros da atualidade.

O cineasta poderia realizar um filme fabuloso, pois tinha nos contos machadianos, na inspiração hitchcockiana e na sua imaginação fértil, tudo para consagrar-se definitivamente como uma obra singular. Ficou somente o esboço e as alusões filosóficas frustradas de um retumbante fracasso e o desprezível A Erva do Rato irá fazer parte de um ultrapassado formalismo estético, sem emoção ou de uma lembrança construtiva qualificada inexistente, que logo cairá no esquecimento, assim que sair de cartaz.

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