terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Garapa

















Fome e Miséria

Encerrada a grandiosa 33a. Mostra de Cinema de São Paulo, com ótimos filmes vi e já analisei anteriormente, voltamos à realidade porto-alegrense. Para começar, vimos o irregular filme Garapa, de José Padilha. Realizador de duas obras discutíveis, como o polêmico Tropa de Elite (2007), onde beira ao fascismo, embora haja quem entenda como abordagem cinematográfica de denúncia, o que é controverso, dirigiu Ônibus 174 (2002), bem superior ao filme Última Parada 174, de Bruno Barreto, que tratou do mesmo tema, onde o personagem principal é um dos sobreviventes do massacre da Igreja Candelária. Produziu e escreveu o documentário Os Carvoeiros (2000) e Estamira (2006) somente esteve na produção.

Garapa é um documentário em que três famílias do sertão cearense são as protagonistas da fome e da miséria brasileira nosdestina. Não chega nem próximo das magníficas obras do saudoso Glauber Rocha, como o estonteante Terra em Transe (1967) e a inesquecível obra-prima Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963). Ambos voltados para as desgraças do Nordeste, como a seca e a miséria intermitente, onde a fome era avassaladora e destrutiva conjugadas com as mazelas sociais.

Outro diretor genial que conseguiu passar com maestria a seca e os retirantes nordestinos foi Nelson Pereira dos Santos, no extraordinário Vidas Secas (1963), baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos. O neorrealismo do cinema italiano fica evidenciado neste que talvez seja o maior filme sobre a vida e a miséria de um povo, com a fome sendo a personagem irretocável como símbolo de uma era de desolação de pessoas abatidas pela penúria e sem saída.

José Padilha parte para a câmera solta documentando tudo, sem um roteiro, numa estética afastada de uma envergadura cinematográfica plausível. Filmado em preto e branco, as sequências da rotina das famílias vão acontecendo. Há as bebedeiras com porres homéricos rotineiros, as agressões físicas e visuais, o sofrível atendimento do SUS, e uma discreta propaganda do programa do Governo Lula denominado Bolsa Família, com números e estatísticas internacionais de famintos num disfarce bem sutil. Os dados são apresentados pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), o que já dá para se desconfiar, afirmando que 910 milhões de pessoas sofrem por deficiência alimentar no mundo, sendo que 55 millhões delas são atendidas pelo Bolsa Família. Nada é discutido ou revisado, há apenas uma euforia incontida de um meta de governo que inegavelmente não deixa morrer mais pessoas famintas. Mas para isso não é necessário apenas aplausos, a discussão e o questionamento são necessários.

Falta ao documentário é a isenção, pois o próprio diretor admite que ao filmar as famílias acabou por se comprometer e fazer parte deste núcleo, até porque seu olhar sociológico tem em muito com sua formação de Administração em Empresas, Economia Política e Política Internacional. Padilha poderia ter realizado um documentário bem melhor, de uma eloquência contundente e imparcial, como Glauber Rocha e Nelson Pereira do Santos. Deve, para isso, deixar de ser o diretor do quase: quase fascista em Tropa de Elite e quase bom e quase isento em Garapa. Também é quase um diretor talentoso.

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