sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Rede de Ódio

Maldade Digital

 O jovem diretor autoral de 38 anos Jan Komasa se insere com méritos incontestáveis como um promissor cineasta na ótima escola polonesa da cinematografia. Busca nos pequenos detalhes o norte para atingir a essência da sétima arte e fazer parte do rol dos autênticos artesãos conterrâneos, entre eles, os já consagrados Roman Polanski, Andrzej Wajda, Krzysztof Kieslowski, Jersy Kawalerowicz e Pawel Pawlikowski. Foi o realizador do drama Corpus Christi (2019), que abordava um rapaz de 20 anos que experimenta uma transformação espiritual enquanto estava preso num centro de detenção para menores. Queria se tornar padre, mas isso o impossibilitava por causa de sua ficha criminal. Quando é enviado para trabalhar na oficina de um carpinteiro em uma cidade pequena, se veste de pároco acidentalmente para assumir uma igreja local. A chegada do pregador carismático é uma oportunidade para a comunidade local iniciar o processo de cura após uma tragédia que aconteceu na região. Estreou no Festival Internacional de Veneza e foi selecionado para representar a Polônia no Oscar de 2020. A obra venceu dez prêmios no Festival de Cinema Gdynia, incluindo melhor diretor e melhor roteiro, além de uma menção especial no Festival de Reykjavík.

 O realizador polonês está de volta com Rede de Ódio, escrito por Mateusz Pacewicz, o mesmo roteirista da mencionada obra anterior. O lançamento estava marcado para o início deste ano, mas diante dos transtornos da pandemia, está tendo uma retumbante acolhida na plataforma de streaming da Netflix. Eis um magnífico drama contemporâneo sobre as deturpadas faces que se tornaram eficientes na internet pelas suas redes sociais apropriadamente voltadas para a maldade cibernética. Desencandeiam-se campanhas de desinformação por opositores com discursos inflamados de um arcaico nacionalismo, xenofobia e homofobia. Um filme atualíssimo que retrata fatos que poderiam ter acontecido em qualquer país no mundo, inclusive aqui no Brasil. Uma abordagem explícita sobre a manipulação articulada por um hacker sociopata de comportamento narcisista, com a finalidade focada e mirada pela vingança e com o objetivo de interesses próprios nos grandes debates públicos lançados no Facebook e Twitter, entre algumas das mais visitadas e difundidas redes virtuais.

 A trama gira em torno de Tomasz Giemza (Maciej Musialowski), um estudante de Direito viciado em cocaína, que faz treinamento de tiros e defende o armamentismo, frio e calculista, que passa a fazer sucesso incitando o ódio e o rancor em campanhas com perfis falsos nas redes sociais para difundir fake news, atacando com crueldade desde influenciadores virtuais até políticos renomados. O alvo principal é o candidato progressista e favorito na disputa eleitoral pela prefeitura de Varsóvia, Pawel (Maciej Sthur), que prega a união do país, mas sofre ataques irascíveis na internet por ser gay e defender os direitos de LGBT. É injustamente acusado de disseminar o islamismo radical na Polônia que está ameaçando a Europa, segundo os fanáticos defensores radicais opositores que pregam uma limpeza étnica e política, a defesa da família e seus princípios basilares da tradição. Por um ato pusilânime, o candidato é atraído para uma emboscada em uma balada de homossexuais. É uma fórmula rasteira e brutal de manipular a opinião pública para atacar a reputação do alvo, tal qual ocorreu premonitoriamente na realidade do candidato a prefeito de Gdansk esfaqueado enquanto estava num palco num evento filantrópico.

 Rede de Ódio se debruça com harmonia e sutiliza sobre o protagonista que trabalha para uma agência de publicidade e marketing nas campanhas eleitorais, através de trolls travestidos de criaturas imaginárias do folclore escandinavo e robôs que espalham notícias mentirosas para liquidar com a reputação de políticos e celebridades, além de marcarem protestos de rua por movimentos fictícios. Foi contratado pela sórdida Beata (Agata Kulesza), que irá provar do próprio veneno mortal prescrito por ela mesma. É criado um verdadeiro caos pelo jovem integrante das milícias digitais em ascensão, divulgando e colando na imagem do candidato o fundamentalismo pelo terror das trevas crescente e imposto na narrativa. Usa métodos de grampos na internet para interceptar conversas sigilosas e segredos. Oscila entre o aprendiz de feiticeiro e o mestre da maldade como retrata o drama. “O inimigo deve ser manipulado e levado ao desespero”, diz uma mensagem favorável às notícias falsas. O passado do personagem central é marcado por plágio na faculdade e uma conduta perigosa pela sua mente doentia e perturbadora, o que irá causar medo e pânico na família Krasucki. O pai (Jacek Koman) e a mãe (Danuta Stenka) da garota Gabi (Vanessa Aleksander), por quem ele é obcecado, e a irmã Nathalia (Wiktoria Filus), ajudam o protagonista coberto de ressentimentos, ignorando que esteja ali um expert de truques digitais que faz parte de uma engrenagem fraudulenta e adepto da traição pela sua natureza. Faz o jogo duplo perigoso sem o menor escrúpulo ético profissional.

 Komasa coloca com habilidade a família Krasucki como representante de uma elite preconceituosa que emite comentários maldosos sobre Tomasz, como visto recentemente no cultuado drama Parasita (2019), de Bong Joon-ho, na instigante cena de ojeriza do patrão falando do cheiro dos empregados relacionados aos pobres usuários do metrô e que seria a vingança da dor humilhante. A frieza e a falsa serenidade do protagonista são características colocadas pelo olhar claro do que poderá acontecer, com movimentos de uma estabilidade equivocada de quem o conhece, mas que irá dar sinais pra o surpreendente desfecho, que também lembrará Parasita, diante do fio condutor narrativo para chegar até a violência não gratuita, mas premeditada, nada circunstancial, pelo desdobramento do enredo. O banho de sangue, ao melhor estilo de Tarantino, irá sacudir e apontar quem são os incivilizados e desmedidos de nossa sociedade, sob a batuta da inspirada trilha sonora ao som apoteótico da Nona Sinfonia de Beethoven, numa cena inesquecível e impactante do ataque orquestrado por radicais terroristas opositores extremados. O epílogo reservará uma catarse que explodirá como vingança dos ressentidos, mas não isentará a face cruel de seus organizadores frios e fraudadores da verdade neste extraordinário drama polonês sociopolítico. Uma realização singular por ser convincente, sem concessões, e com o objetivo de perturbar e tirar da zona de conforto o espectador com uma proposta mordaz e contundente. Certamente estará entre os 10 melhores filmes do ano na lista da maioria dos críticos.

Um comentário:

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