segunda-feira, 27 de julho de 2020

Ninguém Sabe que Estou Aqui



Doloroso Passado

Vem do Chile a contundente denúncia da prática de bullying no comovente drama intimista Ninguém Sabe que Estou Aqui, filme que deveria estrear nas salas de cinema no primeiro semestre deste ano, mas que está fazendo carreira na plataforma de streaming da Netflix. Coproduzido pelo badalado cineasta Pablo Larraín, dos festejados Tony Manero (2008), No (2012), O Clube (2015), Jackie (2016) e Ema (2019). A direção é de Gaspar Antillo, vencedor do prêmio de diretor estreante no Festival de Tribeca, nos EUA. O realizador assinou o enxuto roteiro em parceria com Josefina Fernández e Enrique Videla. Outro acerto fundamental é a fascinante fotografia de Sergio Armstrong ao captar de forma magnífica os detalhes eloquentes do vazio existencial do cotidiano que devora e marca a vida do protagonista e seu silêncio inquietante decorrente de um passado misterioso nas lindas cenas das locações da zona rural no Sul chileno. São imagens majestosas como fator fundamental para passar ao espectador o clímax tenso que se faz presente.

A realização não esconde e já no prólogo mostra a prática contumaz do bullying que consiste em um conjunto de violências repetitivas na infância de Memo (Jorge Garcia- de ótima atuação, ator conhecido por encarnar um falastrão no seriado Lost (2004 a 2010). O personagem central sofreu o preconceito intolerante da gordofobia pelas suas dimensões avantajadas, com sequelas psicológicas da humilhação e intimidação que o traumatizaram definitivamente, trazendo danos profundos pelo gesto impensado, acaba por isolar-se totalmente da sociedade. A importante trilha sonora, especialmente a canção Nobody Know I'm Here (que dá título ao filme), composta por Carlos Cabezas, que o protagonista gravou quando criança, mas numa maracutaia do próprio pai, o crédito foi dado para um garoto bonito e esbelto que iria escalar para chegar à fama de pop star. Foi o pivô de um acidente trágico que deixou sequelas para sempre e ainda causa aflição para quem precisa se redimir de um passado desastroso e com inimagináveis feridas abertas, embora sendo vítima, Memo passa para a posição de algoz.

Através de flashbacks, na mescla de realismo fantástico com sonhos perturbadores, o jovem frustrado vai morar com o tio numa típica fazenda para cuidar do rebanho de ovelhas no interior do Chile. Lá, ele pinta as unhas, coloca a roupa do artista que não aconteceu e vai cantar na floresta, para soltar sua poderosa voz para um universo de isolamento do mundo. Vive de maneira solitária como um legítimo ermitão, até que surge uma jovem mulher para lhe oferece a chance de encontrar a paz que tanto procura. A relação improvável entre aqueles dois seres dá sustentação e equilíbrio ao drama, encaminhndo para uma virada no roteiro. O inusitado romance entre a bela e a fera, numa analogia com o clássico conto de fadas francês, originalmente escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, dará a dimensão emblemática da sensibilidade e da afabilidade do protagonista para a construção de uma poesia tradicional construída e alicerçada pela redenção do amor. A dolorosa reaproximação com a suposta vítima e o perdão sugerido nas entrelinhas pela culpa imputada no trauma recorrente ainda existente soa como uma espécie de libertação.

Um filme que, na primeira parte, proporciona uma rara oportunidade de se conhecer alguns estilos de vida diferentes daqueles habituais que desfilam nas telas dos cinemas, como os fatos pitorescos arraigados de uma cultura pouco difundida. Diante disto, Antillo faz com habilidade o gancho dos aspectos rurais dos rebanhos nos campos contrastando com o mundo civilizado urbano e a hipocrisia reinante urbana, como no deplorável programa de televisão, que visa tão somente a audiência pelos fins econômicos capitalistas sustentados por uma massa de telespectadores sedentos de ilusões e falsidades, diante da ausência de ética dos apresentadores abastecidos pelos simulacros. É um verdadeiro caos constrangedor para todos. O roteiro se encaminha para lançar um olhar de compaixão e reaproximação entre os dois inimigos mortais. Porém, a reviravolta na envolvente história terá a resistência justamente do ora réu vitimado pela discórdia acirrada após o novo episódio, que tentará proteger para sua sobrevivência em consonância com a veneração que os fãs nutrem pelo astro desconhecido. No desenrolar do enredo, há o encontro frente a frente nada amistoso entre os antagonistas. Os dois guardam rancores de um conflito no qual rememoram um segredo pretérito que só eles conhecem. Sobram mágoas e ressentimentos que beiram à discórdia sem perspectiva de reatarem as conturbadas relações. Um trauma que atormenta e corrói pensamentos com um devastador sentimento de injustiça dos fantasmas de uma situação da qual nunca se livrou com consequências nefastas pelo abalo emocional destruidor da razão.

Eis uma realização sutil num panorama de melancolia permanente do protagonista. Num ritmo lento, o cineasta faz um belo drama silencioso, terno, humano, com dignidade de uma narrativa crescente na evolução da trama para o desfecho redentor pelo retrato de uma perda com o fantasma da infância, decorrente de preconceito ao físico e a violência da gordofobia incrustada com significados maiores. O amor paternal ausente poderá dar lugar ao romance que levará para uma nova vida redescoberta com imenso atraso. A singeleza de um gesto de afago e o calor humano sincero que irá se impor como a explosão edificante de um novo homem que irá surgir. Não é somente um relato social, mas a relação afetiva inevitável que se perdeu no tempo, ou a autoestima esmagada lentamente pelos desmandos e irracionalidades da intransigência. Mas sobra combustível para uma energia humana diante da perda iminente de suas referências, como o vínculo familiar, até então de abandono, demonstrará entusiasmo e sentimento de carinho entre os novos seres aproximados pelo amor no contexto da dor imensa do tempo pelas derrotas inevitáveis contrastantes naquela atmosfera adversa de angústia e sofrimento. Ninguém Sabe que Estou Aqui tem elementos suficientes para uma bonita história contada com simplicidade, ternura e situações típicas do cotidiano de uma bucólica região pastoril de ovelhas. Ali encontraremos a ruptura e a reaproximação forçada para uma reintegração de uma vítima do bullying no próprio seio familiar fragilizado pelas circunstâncias neste admirável drama chileno.

Um comentário:

. disse...


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