quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Maria Callas- Em Suas Próprias Palavras



Uma Diva Reverenciada

Um filme sobre a vida da grande diva da ópera do século 20, a bela e talentosa Maria Callas, uma das mais consagradas cantoras e intérpretes da história da música, teatro e cinema. Maria Callas- Em Suas próprias Palavras é dirigido pelo competente Tom Volf, que tem em sua filmografia Le Nègre de Molière (2005), filmado apara a televisão, e Les Aristos (2006). Realizado como documentário intimista obteve um resultado muito além da expectativa, numa narrativa sensível, poética e reveladora que passeia pela conturbada trajetória da personagem-título, através de versões e fatos verídicos que marcaram sua existência entre prós e contras, alegrias e dissabores, mas sem aquele ranço viciado de simplesmente contar uma história recheada de futilidades, ou explicar didaticamente situações evidentes, mas que imprime boa velocidade num clímax certeiro. Lança um olhar sombrio de lembranças do passado, sem deixar de mostrar seus derradeiros dias, já abalada por crises existenciais como uma triste enfermidade da alma, tentando voltar aos palcos que a legitimou como uma soprano tecnicamente perfeita. O retorno sempre foi seu objetivo maior, para relembrar os episódios marcantes de sua virtuosa carreira.

A protagonista nasceu em Nova Iorque em 1923, vindo a falecer em 1977, aos 53 anos. Oriunda de uma família de imigrantes gregos, foi incentivada pela mãe a desenvolver os dotes artísticos desde cedo, teve aulas de canto lírico com a mentora Elvira Hidalgo no Conservatório de Atenas, mostrava-se disciplinada e boa aluna. Logo foi reconhecida internacionalmente como a melhor cantora de ópera de todos os tempos para a maioria dos críticos. O documentarista lança mão de entrevistas na imprensa, com imagens raras buscadas nos arquivos, além de vídeos pessoais amadores realizados pela própria personagem central, com revelações através de diários e cartas íntimas da biografada, em especial com a amiga Grace Kelly. Traça com isenção todo o percurso pessoal e profissional desta celebridade. A vida e a carreira da artista são reconstituídas pelo fio condutor de uma entrevista numa televisão preto e branco, de formato quadrado, dos anos de 1950. Mas é pela atriz francesa Fanny Ardant, que a viveu no drama Callas Forever, que irá emprestar sua voz às cartas confessionais de Callas, narradas em off, num achado significante para a emblemática realização.

O documentário aborda com simplicidade e boa dose de profundidade os grandes momentos do sucesso estrondoso, apresentando interpretações na íntegra como as árias de Donizetti e Rossini, La Traviata, de Giuseppe Verdi, La Sonámbula, de Vincenzo Bellini, e arrasa com Carmen de Georges Bizet. Um dos grandes traumas da diva, foi quando teve uma crise de bronquite e interromper a apresentação de uma ópera em Roma, considerado como um grande escândalo para o público e a imprensa. Foi hostilizada sem dó e nem piedade. Outra situação que o filme tenta esclarecer é a demissão no Teatro Metropolitan, nos EUA. Volf dá voz e apresenta a versão diferente da cantora sobre estes episódios nos bastidores com revelações pouco divulgadas na época. A recuperação aconteceu parcialmente, como ela mesmo diz, a família que imaginava nunca aconteceu, porque o destino guinou para a carreira iniciada precocemente aos 13 anos.

O realizador foca e aborda com farto material o relacionamento de Callas com Aristóteles Onassis. Uma paixão louca que a fez se divorciar do marido, num casamento fracassado, sem apoio e com um viés voltado para as finanças. Renunciou a cidadania norte-americana para se casar com o todo poderoso magnata grego, mas foi trocada pela viúva Jacqueline Kennedy. Outra decepção traumática, ao saber pelos jornais do casamento de sua grande paixão com a não menos linda “Jackie”. Com uma saúde já debilitada acabou por mergulhar numa depressão profunda, que foi curada com o tempo, se reconciliou com Onassis para ficarem bons amigos. O filme aborda a dualidade entre Maria, uma mulher frágil e ao mesmo tempo ousada para época, quando se divorcia, enfrenta as críticas de uma sociedade conservadora numa relação mantida ainda casada com um homem famoso, mas tenta sustentar a imagem de Callas num paradoxo que a leva para crises existenciais e que afetará a carreira profissional. São escolhas difíceis que a marcou pela trajetória de vida, como uma saga. Ao se distanciar e ser incapaz de unir estes dois aspectos cruciais, surgirão os problemas com cobranças severas, bem retratadas como elemento central deste extraordinário documentário.

Maria Callas- Em Suas próprias Palavras é um retrato pungente documentado da vida amarga de uma estrela e sua fervorosa vocação como cantora lírica, com todo seu magnetismo e brilho pessoal inigualável no universo cultuado da ópera, dito por muitos como entediante, porém quando não apresentada de forma correta, afirmava sem titubear a artista. Ainda teve participação expressiva na incursão pelo cinema, ao ser protagonista em Medeia (1969), filme de Pier Paolo Pasolini, um de seus grandes amigos pessoais. Mas gostava mesmo era de interpretar no palco e soltar a voz lírica nas apresentações que a consagraram. Uma pessoa sofrida, mas que acreditava em Deus, nunca desistia, e com muita força de vontade voltava para brilhar. Determinada a lutar contra o conservadorismo de uma época para uma mulher moderna que queria ser livre, imprimindo  muita coragem para enfrentar as rígidas regras morais daqueles anos.

Volf não tem o intuito de colocar julgamentos morais às atitudes no documentário. Transparece um relato conflitado entre os ideais feministas na defesa da mulher de espírito libertário, sem amarras, e com poucas raízes de vínculos afetivos maternais, embora fosse seu desejo íntimo. Havia um contraste na falta de um diálogo harmonioso entre a mulher Maria e a soprano Callas dedicada à ópera como elementos de amor e paixão pela vida e pela profissão, e, pelo que fez e deixou de fazer, que se fundiriam como uma simbiose, dizia: "Quem escutar todas as minhas interpretações vai me compreender por inteiro". Um filme sobre a trajetória marcada por ensinamentos reflexivos e existenciais nada convencionais num passeio pela história de La Divina e seu fascínio. Uma ode para os apreciadores da pura arte na companhia saborosa de uma genial artista com suas dolorosas lacunas pela vida nas armadilhas do destino neste tributo arrebatador.

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