Fogueira das Ambições
O lado obscuro de Hollywood sempre foi um tema retratado
dentro do próprio cinema. O exercício satírico e crítico já rendeu filmes
memoráveis de diretores geniais como Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy
Wilder, Assim Estava Escrito (1953),
de Vincente Minnelli e O Jogador (1992), de Robert Altman. Os mais recentes que fizeram
alusão ou alguma crítica velada foram
Acima das Nuvens (2014) de Olivier Assayas
e o festejado vencedor do Oscar Birdman
ou (A Inesperada Virtude da Ignorância
(2014), de Alejandro González Iñárritu. O veterano diretor canadense David
Cronenberg, no auge dos seus 71 anos, chega novamente com mais um filme
espetacular, ao satirizar de forma irônica a perversidade inoculada no
glamouroso mundo de futilidades e ambições sem limites das celebridades
hollywoodianas.
Com cenas que remetem para O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick e O Sexto Sentido (1999), de M. Night Shyamalan, diante do cinismo nas
visões de crianças mortas perambulando em residências, o cineasta mergulha
neste cenário de vaidades com o ácido Mapa para as Estrelas, recheado
de sarcasmo para dar vida e consistência devastadora ao roteiro do escritor
Bruce Wagner, também com fama de crítico contumaz pela mordacidade em relação à mais famosa indústria norte-americana de entretenimento do mundo apresentado no
enorme letreiro como paisagem. O resultado só poderia ser uma obra contundente
pelas verdades relatadas em tom de uma grande brincadeira pesada naquele repugnante
submundo de um universo fantástico de sonhos realizados ou frustrados.
Cronenberg é dinâmico em sua longeva trajetória
cinematográfica. Realizou clássicos bizarros e surreais de terror como A Mosca (1986), embora assustador e nojento, era
ao mesmo tempo cativante e romântico; ou em Gêmeos-Mórbida Semelhança (1988), sobre irmãos
idênticos de temperamentos opostos; Crash- Estranhos prazeres (1996),
sobre acidentes de carros vai criar um clima de grande excitação para a plateia
nesta descoberta inusitada para as relações sexuais; mas nos ótimos dramas Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007), busca um
cinema voltado para a denúncia social, a corrupção e o medo como temas mais
palatáveis, embora realizados com bastante crueza. Já em Um Método Perigoso (2011) se aprofunda e vai ao
encontro das mazelas e perturbações psíquicas e neuróticas inerentes dos
insatisfeitos seres humanos, num excelente drama reflexivo da psicanálise e
suas teorias divergentes de um cinema autoral.
A trama de Mapas para
as Estrelas traz de forma proposital do penúltimo longa do cineasta, Jerome
Fontana (Robert Pattinson- da saga Crepúsculo),
um jovem motorista de limusine que sonha se tornar ator, que ironicamente era um
passageiro bilionário e egocêntrico que detinha o poder no mundo das finanças
prestes a falir em Cosmópolis (2012).
Conhece por acaso Agatha Weiss (Mia Wasikowska- de atuação impecável, a mesma beleza
e empatia de Alice no País das Maravilhas-2010)
que acabou de chegar a Los Angeles com o rosto marcado por cicatrizes de um
passado de violência, logo começam a sair juntos e namorar. A garota vai trabalhar
para a monstruosa Havana Segrand (Julianne Moore- pela boa atuação levou o
prêmio da categoria no Festival de Cannes) é uma atriz decadente que está sedenta
para conseguir o papel principal da refilmagem de um sucesso estrelado há décadas
por sua mãe. Ao conseguir por linhas tortas, deixa de lado a humanidade e
desdenha a moralidade, ao receber a notícia por um a amiga da morte de uma
criança, peça chave para seu intento, se faz de impactada. Logo, canta e dança Na Na Hey Hey Kiss Him Goodbye, uma
música provocativa entoada por torcidas rivais em estádios de futebol
americano. Uma demonstração de egoísmo sem precedentes para inflar o ego
adormecido.
Mas o retorno de Cronenberg ao cinema fantástico que sabe
lidar como poucos, traz ainda o adolescente Benjie Weiss (Evan Bird) enfrentando
problemas de caráter e ausência de humildade, ao lidar com seu novo colega de
elenco, tendo em vista ser o astro principal de uma franquia infantil Bad Babysitter de relativo sucesso. Esteve
internado por problemas de drogas, por isto tem atenção especial da mãe (Olivia
Williams) e dos produtores da série, sempre temerosos por um novo escândalo
daquela bomba-relógio pronta para explodir. O vaidoso pai de Benjie, Stafford
(John Cusack) é um renomado médico terapeuta de autoajuda que cuida da saúde da
doentia Havana com sua faceta de torpeza brutal. Um universo de uma matilha de
estrelas enlouquecidas e sem rumo, que age de forma irracional e tresloucada através
das personagens egocêntricas e frívolas, distante da realidade dos mortais.
O drama é um retrato pungente de um passado de incestos,
incêndios fatais, ambição e ciúmes marcados pela esquizofrenia de uma família
enlouquecida, como base para um diagnóstico de uma metáfora crítica das
estrelas que perderam a dignidade mínima de um vínculo civilizatório da ética
pisoteada que se resolve no providencial banho de sangue. São situações criadas
para uma reflexão das buscas sem pudor em episódios inverossímeis, como na cena
de uma filha que vê o assédio sexual na mãe morta. É o paradoxo daquele mundo
que produz beleza externa, mas demonstra apodrecimento interno no embate de
egos. Outra ironia paradoxal é a jovem piromaníaca ser apresentada como a personagem
mais humana e sensível, justamente ela que passou sua infância num manicômio
afastada do núcleo familiar. O desfecho é revelador naquele céu estrelado na
escuridão para receber os fantasmas que se desatam dos estigmas e das amarras
para serem livres, perturba na essência. Um soco no estômago para uma depressão
absoluta. Um extraordinário filme que estará certamente entre os dez melhores
nas listas de fim de ano.
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