quinta-feira, 26 de março de 2015

Mapas para as Estrelas


















Fogueira das Ambições

O lado obscuro de Hollywood sempre foi um tema retratado dentro do próprio cinema. O exercício satírico e crítico já rendeu filmes memoráveis de diretores geniais como Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, Assim Estava Escrito (1953), de Vincente Minnelli e O Jogador (1992), de Robert Altman. Os mais recentes que fizeram alusão ou alguma crítica velada foram Acima das Nuvens (2014) de Olivier Assayas e o festejado vencedor do Oscar Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância (2014), de Alejandro González Iñárritu. O veterano diretor canadense David Cronenberg, no auge dos seus 71 anos, chega novamente com mais um filme espetacular, ao satirizar de forma irônica a perversidade inoculada no glamouroso mundo de futilidades e ambições sem limites das celebridades hollywoodianas.

Com cenas que remetem para O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick e O Sexto Sentido (1999), de M. Night Shyamalan, diante do cinismo nas visões de crianças mortas perambulando em residências, o cineasta mergulha neste cenário de vaidades com o ácido Mapa para as Estrelas, recheado de sarcasmo para dar vida e consistência devastadora ao roteiro do escritor Bruce Wagner, também com fama de crítico contumaz pela mordacidade em relação à mais famosa indústria norte-americana de entretenimento do mundo apresentado no enorme letreiro como paisagem. O resultado só poderia ser uma obra contundente pelas verdades relatadas em tom de uma grande brincadeira pesada naquele repugnante submundo de um universo fantástico de sonhos realizados ou frustrados.

Cronenberg é dinâmico em sua longeva trajetória cinematográfica. Realizou clássicos bizarros e surreais de terror como A Mosca (1986), embora assustador e nojento, era ao mesmo tempo cativante e romântico; ou em Gêmeos-Mórbida Semelhança (1988), sobre irmãos idênticos de temperamentos opostos; Crash- Estranhos prazeres (1996), sobre acidentes de carros vai criar um clima de grande excitação para a plateia nesta descoberta inusitada para as relações sexuais; mas nos ótimos dramas Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007), busca um cinema voltado para a denúncia social, a corrupção e o medo como temas mais palatáveis, embora realizados com bastante crueza. Já em Um Método Perigoso (2011) se aprofunda e vai ao encontro das mazelas e perturbações psíquicas e neuróticas inerentes dos insatisfeitos seres humanos, num excelente drama reflexivo da psicanálise e suas teorias divergentes de um cinema autoral.

A trama de Mapas para as Estrelas traz de forma proposital do penúltimo longa do cineasta, Jerome Fontana (Robert Pattinson- da saga Crepúsculo), um jovem motorista de limusine que sonha se tornar ator, que ironicamente era um passageiro bilionário e egocêntrico que detinha o poder no mundo das finanças prestes a falir em Cosmópolis (2012). Conhece por acaso Agatha Weiss (Mia Wasikowska- de atuação impecável, a mesma beleza e empatia de Alice no País das Maravilhas-2010) que acabou de chegar a Los Angeles com o rosto marcado por cicatrizes de um passado de violência, logo começam a sair juntos e namorar. A garota vai trabalhar para a monstruosa Havana Segrand (Julianne Moore- pela boa atuação levou o prêmio da categoria no Festival de Cannes) é uma atriz decadente que está sedenta para conseguir o papel principal da refilmagem de um sucesso estrelado há décadas por sua mãe. Ao conseguir por linhas tortas, deixa de lado a humanidade e desdenha a moralidade, ao receber a notícia por um a amiga da morte de uma criança, peça chave para seu intento, se faz de impactada. Logo, canta e dança Na Na Hey Hey Kiss Him Goodbye, uma música provocativa entoada por torcidas rivais em estádios de futebol americano. Uma demonstração de egoísmo sem precedentes para inflar o ego adormecido.

Mas o retorno de Cronenberg ao cinema fantástico que sabe lidar como poucos, traz ainda o adolescente Benjie Weiss (Evan Bird) enfrentando problemas de caráter e ausência de humildade, ao lidar com seu novo colega de elenco, tendo em vista ser o astro principal de uma franquia infantil Bad Babysitter de relativo sucesso. Esteve internado por problemas de drogas, por isto tem atenção especial da mãe (Olivia Williams) e dos produtores da série, sempre temerosos por um novo escândalo daquela bomba-relógio pronta para explodir. O vaidoso pai de Benjie, Stafford (John Cusack) é um renomado médico terapeuta de autoajuda que cuida da saúde da doentia Havana com sua faceta de torpeza brutal. Um universo de uma matilha de estrelas enlouquecidas e sem rumo, que age de forma irracional e tresloucada através das personagens egocêntricas e frívolas, distante da realidade dos mortais.

O drama é um retrato pungente de um passado de incestos, incêndios fatais, ambição e ciúmes marcados pela esquizofrenia de uma família enlouquecida, como base para um diagnóstico de uma metáfora crítica das estrelas que perderam a dignidade mínima de um vínculo civilizatório da ética pisoteada que se resolve no providencial banho de sangue. São situações criadas para uma reflexão das buscas sem pudor em episódios inverossímeis, como na cena de uma filha que vê o assédio sexual na mãe morta. É o paradoxo daquele mundo que produz beleza externa, mas demonstra apodrecimento interno no embate de egos. Outra ironia paradoxal é a jovem piromaníaca ser apresentada como a personagem mais humana e sensível, justamente ela que passou sua infância num manicômio afastada do núcleo familiar. O desfecho é revelador naquele céu estrelado na escuridão para receber os fantasmas que se desatam dos estigmas e das amarras para serem livres, perturba na essência. Um soco no estômago para uma depressão absoluta. Um extraordinário filme que estará certamente entre os dez melhores nas listas de fim de ano.

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