Agonia da Memória
Numa adaptação do romance Para Sempre Alice, de Lisa Genova, com direção de Wash Westmoreland
e Richard Glatzer, sendo que este último morreu neste mês por um estágio
avançado de esclerose lateral amiotrófica. O longa-metragem homônimo conta a
triste história da perda de memória da respeitada professora e doutora de
neurolinguística da Universidade Columbia, Alice (Juliane Moore- excelente
atuação que lhe valeu o merecido Oscar de melhor atriz) de 50 anos, casada com
o neurologista (Alec Balwin). A saga da doença maldita começa num dia qualquer,
quando a protagonista faz uma conferência em Los Angeles , acaba por
esquecer uma palavra fundamental no meio da palestra, porém tira de letra e diz
que tomou espumante demais.
O filme vai aos poucos mostrando a dolorida via-crúcis da
professora, como as situações constrangedoras de lapsos de memórias que se
sucedem, entre elas ao se perder pelas ruas de Manhattan, e não achar o
banheiro dentro de casa. Ao ser diagnosticada com o mal de Alzheimer, a moléstia
coloca em xeque a força familiar, mas já há um desgaste na relação do casal que
se fragiliza, com a paciência se esgotando cada vez mais. Em contrapartida os
filhos dão apoio moral, como Anna (Kate Bosworth), Tom (Hunter Parrish) e principalmente
a filha caçula Lydia (Kristen Stewart- na interpretação impecável da atriz de Crepúsculo), que se aproxima para
estreitar o vínculo, mostra-se bem presente e deixa a profissão em segundo
plano. Nas semanas seguintes, com o estágio da doença avançando rapidamente,
cria-se um verão familiar na praia. Alice luta contra as probabilidades
devastadoras para tentar manter uma vida normal, evitando os percalços que
teimam em acontecer seguidamente.
Embora formatado com algum equilíbrio, toma ares de
melodrama, ao realçar a tragédia pessoal da mulher que não quer morrer e chega
a pensar no suicídio caso perca a consciência, se tiver ainda algum lampejo de
lucidez para não tornar-se uma inútil. Juliane Moore dá vida e consistência
para Alice, com seus olhos avermelhados e um aspecto debilitado, vai sentindo
aos poucos que o marido está mais distante, ainda que presente e esforçado para
ser compreensivo, como no fabuloso drama Amor
(2012), de Michael Haneke, no qual o companheiro trocava fraldas geriátricas,
alimentava com papinhas na boca, medicação, água e dava banho, embora a
contundência psicológica do personagem de Amor
ser muito mais intensa, agressiva e fascinante, diante da aproximação iminente
do ocaso implacável da vida.
Para Sempre Alice vai
desconstruindo com golpes suaves a imagem arquetípica da brilhante doutora,
subtraindo rapidamente o potencial pleno daquela mulher e fragilizando sua
personalidade como um todo em relação à vida e, portanto, do amargo destino que
lhe espera. Esvai-se lentamente suas realizações como objetivos que dão mostras
de estar se deteriorando pelos sintomas da inexorável perda da memória para
desespero do inerte ser humano que vê o tempo avançando e observa como uma
vítima impotente a passagem das luzes se apagando, na condição de uma
espectadora que contempla a ruptura com o presente, passado e futuro.
Não chega a ser um filme instigante como a comédia dramática
argentina O Filho da Noiva (2001), de
Juan José Campanella, em que o filho visitava a mãe implicante diante da perda
de memória e de uma existência já em decomposição humilhante pela decrepitude
com o passar do tempo. Também inexiste a demolidora grandiloquência de Amor, mas tem bons méritos reflexivos no
que se refere a degradação mental contrastando com o corpo que dá sinais de
derrota, apesar de um desfecho nos moldes de telefilmes rasos. A trajetória é
linear, o que ofusca a densidade plena, acaba por deixar uma narrativa menos
corrosiva e mais melodramática, mas sem invalidar a proposta nada esperançosa da
decadência pelo progressivo fim desesperador do ser humano.
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