A Redemocratização
Com uma produção modesta de R$1,4 milhão, Depois da Chuva é um filme rodado na Bahia, que traz na direção a
dupla de estreantes Cláudio Marques e Marília Hughes, retrata um período pouco
mostrado no cinema, a transição da ditadura militar para a democracia. Aborda
traços autobiográficos do diretor Marques que viveu a efervescência política
desta época e sua iniciação amorosa em Salvador naqueles anos conturbados. Diante
do enfraquecimento do regime ditatorial nos anos de 1980, a trama acompanha
Caio (Pedro Maia), um jovem rebelde de 16 anos de um colégio de classe média e
seu idílio com a colega de aula (Sofhia Corral). O garoto vive alguns conflitos
ideológicos no processo de amadurecimento político, e ainda tem que harmonizar
a relação com os pais separados, especialmente a convivência com a mãe (Aícha
Marques), que tem a guarda judicial.
Didático e cronológico na história, o longa direciona o foco
para os jovens enamorados que estão vivendo uma fase histórica de mudanças no país
pelo contexto político, com as eleições diretas para Presidente, no auge da
campanha das Diretas Já, que levou multidões às ruas em 1984, bem como a
eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral com a redemocratização e o fim
do regime militar (1964-1985). Mostra a vigília cívica na agonia da doença do primeiro
presidente civil eleito desde João Goulart, ao morrer sem tomar posse, restando
ao seu vice, José Sarney assumir e comandar a propalada Nova República. Em meio
aos percalços políticos, há a descoberta sexual transitando com o fim da
adolescência e os ideais utópicos pululando nas mentes da juventude entediada
por caminhos obscuros no futuro.
Depois da Chuva
venceu o Festival de Brasília de 2013 nas categorias de melhor ator- apesar da pífia
atuação de Maia-, roteiro e trilha sonora, é um painel de uma sociedade em
turbulência num tempo difícil para os jovens, diante das prerrogativas de uma
política castrada por um sistema alienante e sem direitos na sua plenitude. O
protagonista tenta entender o que se passa naqueles momentos de tensão. De
anarquista e apaixonado por música punk contestadora ao extremo, sente por
vezes toda sua fragilidade e a falta do livre direito de expressão, como o
radialista agredido num show, além da discussão com colegas pela direção do
grêmio estudantil e a clássica música Pra
Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré, entoada com ardor,
levantando uma massa sedenta de liberdade com os braços levantados em sinal de
protesto.
Além dos anos de exceção bem contados no Brasil, eis um
drama sobre os reflexos e consequências danosas e utópicas de uma juventude adormecida
por um regime extremamente castrador. São os anseios pela manutenção da
integridade e do núcleo democrático derrotados por uma expressa vontade dos
anos que sucederam aquela ebulição e os desfazimentos dos sonhos aflorados, rompe-se
a continuação de um futuro almejado e de valores plantados num país em
derrocada num cenário sombrio dos movimentos estudantis, como o protagonista
que ingenuamente quer modificar o mundo num sistema conservador. A
transformação almejada por jovens que clamam mudanças numa sociedade estagnada
são objetivos imediatistas, através de um tom poético pela ruptura do vínculo
com o sistema, com a desconstrução de jovens idealistas, embora utópicos em
suas angústias e tristezas de um tempo que ficou para trás, restando somente a
ilusão de um futuro a ser construído, partindo-se do marco zero.
É quase impossível não se comparar Depois da Chuva com filmes similares sobre temas idênticos, tendo
em vista as enormes semelhanças de conteúdo e proposta, como Os Sonhadores (2003), de Bernardo
Bertolucci; ou com Amantes Constantes
(2005), de Philippe Garrel, no cenário de 1969, um grupo de jovens se dedica ao
ópio depois de ter vivido os acontecimentos de 1968, e dentro do grupo nasce um
louco amor entre um casal que se conheceram durante a revolução. Mas a semelhança
temática maior está em O Estudante (2011), de
Santiago Mitre, um drama argentino pontilhado por convulsões sociais nos EUA, Chile
e na Europa, quando realizado dois anos antes da produção nacional, ao
sintetizar com maturidade sobre a política estudantil bem próxima da
partidária, com debates políticos recheados de conchavos, coligações e
falcatruas, num universo de sujeira, traição e interesses pessoais.
Os diretores filmam com clareza e fazem uma crítica razoável
ao velho sistema em frangalhos, na qual uma mentalidade arcaica corroída dava
seus últimos suspiros e impiedosamente se extinguia. Embora com alguns clichês recorrentes
num notório clima de déjà vu, entre
os quais a velha cantoria de roda de violão, o uso de drogas, ou o clipe de uma
música punk para o protagonista apaixonado que praticamente não fala, apenas
olha e observa tudo com cara de sonso. Bem que para o papel poderia ser um ator da qualidade de Chay Suede, Ravel Andrade, Jesuíta Barbosa, só para mencionar alguns talentos brasileiros, sem falar no astro Louis Garrel, porque já seria um exagero desproporcional. Também o didatismo exagerado resulta uma obra
acadêmica e divorciada de uma realidade mais impositiva, crítica e
questionadora para tornar-se reflexiva. Porém, o longa apontado por alguns
críticos afoitos como o melhor da década, apesar de alguns equívocos, tem a
essência de cinema com bons méritos, ao deixar sua marca como um registro
histórico o epílogo dos anos de chumbo para ser esquecido para sempre, traz no
prólogo a cláusula pétrea da sonhada democracia.
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