O Sim da Redemocratização
O Chile apresenta seu representante que concorrerá à vaga de
melhor filme estrangeiro do Oscar deste ano. No tem direção de Pablo Larraín, em seu quarto longa-metragem e com
retumbante aceitação da crítica e de público na abertura com pompa da 36ª
Mostra de Cinema de São Paulo, também foi exibido na Quinzena dos Realizadores
do Festival de Cannes e ganhou o Prêmio CICAE- Confederação Internacional dos
Cinemas de Arte-. Realizou antes os longas Fuga
(2006), o aclamado Tony Manero (2008)
com boa repercussão na 32ª Mostra de São Paulo e a terceira realização foi Post Mortem (2010).
A trama gira em torno da pressão internacional sobre o
ditador chileno Augusto Pinochet, que convoca um plebiscito para avaliar seu
governo sanguinário e a manutenção em 1988. Os líderes da oposição convencem o
jovem publicitário visionário e equidistante René Saavedra (Gael Garcia Bernal-
em grande performance e convincente no papel) a encabeçar a campanha do não à
continuidade e sim para as eleições diretas em todos os níveis. Muito
semelhante ao apelo popular no Brasil entre 1983 e 1984, com o célebre
movimento que mobilizou o país em torno da redemocratização “Diretas Já”.
O drama mostra que há poucos recursos financeiros para o
publicitário, que ainda sofre uma ostensiva ameaça permanente dos guardas do
ditador. Mas nem tudo está perdido e a equipe monta um plano audacioso e
criativo de marketing para libertar o país da opressão, através de uma vitória
eleitoral, apesar das condições minguadas que se apresentam no contexto
antidemocrático. Vive-se num governo que reprime com extrema violência os
grupos opositores e os manifestantes ao regime.
A grande sacada do filme é mostrar o bom humor na luta pela
pacificação democrática de todos os chilenos. Inicia com o jingle de aparente sucesso,
uma opção publicitária de fácil memorização para ser levado à televisão nos
restritos quinze minutos da oposição, o que irá alavancar com uma boa base na
tentativa de conquistar mais adeptos contrários ao sistema implantado em
conluio com os EUA. A frase simbólica e logo cantarolada por todos é “Chile, a alegria está chegando”, com
derivações e forte influência em “We are
the World”, uma canção composta
por Michael Jackson e Lionel Richie, gravada em janeiro de 1985 por 45 dos
maiores nomes da música norte-americana, no projeto conhecido como USA for África, tendo por objetivo
arrecadar fundos para o combate à fome no continente africano.
Larraín se autocita no seu longa, no início da construção do
projeto da campanha pelo não. O arco-íris vira a simbologia e representa as
diversas matizes de cores dos vários partidos e facções, embora sofresse
rejeição por ser associado às cores da luta gay, não foi considerada por
Saavedra, que tocou em frente sua ideia do marketing pelo não, mesmo que o
empresariado engajado ameaçasse retirar apoio financeiro. Um dos méritos do diretor é saber explorar os anseios da
população sem excessos, como na cena construída com perspicácia sobre os
apoiadores do regime, onde a empregada doméstica que se diz satisfeita com a
situação, pois seu filho trabalha e a filha estuda, e ao ser questionada sobre
as torturas e os desaparecimentos de pessoas, manifesta-se que isto é coisa do
passado.
No é um filme
instigante sem ser fabuloso, com cenas marcantes pelo envelhecimento de cores
com distorções de imagens esmaecidas e desfocadas para dar um realismo da
época, filmadas em vídeos que eram muito usados na década de 70 pelos canais de
TV, num arrojo de muita técnica do cineasta. Foi baseado na peça El Plebiscito, do escritor Antonio
Skármeta- o mesmo de Ardente Paciência que
inspirou o filme O Carteiro e o Poeta
(1996)-, marcado pelo começo da derrocada da ditadura de Pinochet instalada no
Chile, em 1973.
É uma boa abordagem com dignidade do ocaso de uma era estigmatizada
pela barbárie de fuzilamentos, após sessões de torturas e o triste índice de
milhares de desaparecidos. Mas depois da amargura reina a bonança de um povo
embevecido pelas ruas de Santiago, num banho de alegria e êxtase pela
redemocratização de um Chile próspero, onde o epílogo deste drama com tom
documental mostra o crescimento após o latente ódio visceral oriundo da
repressão. É um marco de otimismo, a
contrário sensu dos filmes Desaparecido
(1982), de Costa-Gavras, A Casa dos
Espíritos (1993, de Bille August e Machuca
(2004), de Andrés Wood, bem mais abrangentes na linha de denúncias, sendo
sombrios e melancólicos, mas que não contrapõem a expectativa de Larraín e seu
entusiasmo contido e enriquecedor.
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