quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Tudo o que Desejamos














Justiça Dolorida

Philippe Lioret é conhecido por seu surpreendente filme Bem-Vindo (2009), numa abordagem harmônica sobre a política das imigrações que causou muita polêmica na França, por tratar dos desdobramentos sociais e políticos, com explícita intolerância racial, evidenciado pelo choque cultural e a iminente violência, decorrentes da questão da imigração mal resolvida por dezenas de anos. Foi eleito o melhor filme europeu da Mostra de 2009 do Festival de Berlim. Lioret vem agora com o instigante Tudo o que Desejamos, em nova parceria com o roteirista Emmanuel Corcol e com o admirável ator sempre em grande performance Vincent Lindon, que interpretou o professor de natação no longa anterior.

O drama é adaptado da obra Outras Vidas que Não a Minha, de Emmanuel Carrère, aborda a vida de uma juíza idealista em Lyon, de infância pobre numa cidade vizinha do interior, teve o abandono do pai aos dois anos e conviveu com a mãe, uma mulher que gastava desregradamente, ou seja, uma legítima perdulária sem qualquer controle do dinheiro. Claire (Marie Gillain- de grande atuação, além de sua beleza) formou-se com sacrifícios, casou-se com Chisthophe (Yannick Renier), um homem pacato, voltado para as coisas domésticas que adora plantar e cozinhar para agradar a mulher. Um dos filhos menores é amiguinho da filha de Cèline (Armandine Dewasmes), que por ironia do destino é centro de uma causa judicial numa audiência sobre financiamentos de empréstimos pessoais, onde Claire é a juíza por simples acaso. Aplica a lei com dureza contra as grandes financeiras e busca uma justiça equilibrada, mas envolve-se num processo administrativo no Conselho da Magistratura e é afastada por suposta imparcialidade no processo de Cèline.

A trama mostra a jovem magistrada se deparando com um câncer degenerativo, oriundo de um tumor cerebral agressivo que funciona como uma metáfora de um sistema econômico corroído e com o beneplácito de um Judiciário estagnado e agonizante, distante das pessoas pouco esclarecidas que se jogam de ponta cabeça em empréstimos de dinheiro, contraindo dívidas impagáveis através de cláusulas leoninas em contratos com redações em letras bem abaixo de 5 mm, inferiores ao estipulado em códigos internacionais, numa clara afronta aos direitos do consumidor. A aproximação com o colega juiz experiente Stéphane (Lindon), um apaixonado pelo viril esporte rúgbi, traz novas luzes para o judiciário, assumindo a causa e sentenciando favoravelmente. Há desdobramentos de recursos e o processo vai até a Corte Internacional da Europa. O filme fica dinâmico pelo cotidiano do embate sem ser técnico. Com o avanço progressivo da moléstia, há uma reflexão sensível e implacável contra a injustiça praticada pelas classes dominantes economicamente, através de um olhar sutil para com as pessoas vitimadas pelo poder financeiro que assola aquele país e o mundo.

Um drama triste e belo paradoxalmente, quando da união de dois defensores entusiastas por uma adequada legislação, mais equânime e não discriminatória, numa luta que é travada com vigor até o fim, passando por momentos tensos, como na cena do afogamento no lago, onde Claire busca nas reminiscências de sua adolescência o resgate do passado, pela dor que ela carrega da mãe atolada em dívidas, e no presente há um futuro incerto, por saber que não há perspectivas de cura.

Tudo o que Desejamos apresenta sentimentos que podem ser confundidos dos dois magistrados, ambos casados, mas o lado humano prevalece sem um acentuado interesse sexual, como na cena em que a juíza chama o colega de pai, para que ele assine sua alta no hospital. O idealismo racional está acima dos sentimentos do coração, e a amizade entre um homem e uma mulher pode ser por causa boa e justa, é o que demonstra o cineasta.

Lioret afasta-se do melodrama com estilo e domínio das cenas, não se deixa cair em sentimentalismos baratos ou pieguismos. Afirma-se como um excelente diretor por retratar com dignidade alegórica as dificuldades que passam os europeus em constantes desempregos de uma economia devastada por circunstâncias decorrentes de uma crise sem precedentes. Está amparado por uma trilha sonora densa que transmite a dor e a perda, neste notável drama edificante sobre os valores humanos.

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