Gerações Solitárias
Vem da Argentina em coprodução com o Brasil, o drama contemporâneo A Velha dos Fundos, escrito e dirigido por Pablo José Meza, com uma temática sobre a solidão na cosmopolita Buenos Aires, que abocanhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Huelva de 2010; melhor roteiro e ator no Festival de Gramado de 2010; seleção oficial nos festivais de Mar del Prata, Cairo e São Paulo, inserindo-se como um promissor cineasta, após deixar boa impressão na estreia atrás das câmeras com Buenos Aires
A trama retrata o isolamento vivenciado em duas gerações
distintas: uma é a de Marcelo (Martín Piroyansky), um jovem estudante de
medicina, sem dinheiro para pagar o aluguel, pois recebe míseros trocados
entregando panfletos na rua, não tem amigos, oriundo de La Pampa no interior da
Argentina, de pais pobres que trabalham nas terras de uma pessoa importante,
como relata o rapaz. Tem como musa uma garota enigmática que trabalha com a mãe
como secretária num escritório de advocacia. Na outra ponta está a vizinha Rosa
(Adriana Aizemberg), uma senhora de 81 anos que mora sozinha, ranzinza,
mal-humorada, nunca abre as cortinas do apartamento para não ser vista por
ninguém da rua e sobrevive de uma pequena pensão. Após ter viuvado, apenas
nutre um amor platônico pelo vendedor de flores, admirando-o por muitas horas.
O cenário é uma Buenos Aires cosmopolita e decadente, já
tendo perdido muito de seu charme pela crise econômica que assola o país, onde
dois vizinhos do mesmo andar de um prédio antigo se encontram por acaso no
obsoleto e barulhento elevador, com seus crônicos problemas de manutenção. Os
personagens são muito parecidos com os do longa Medianeras (2011), de Gustavo Taretto, onde também duas criaturas
desconhecidas que moram no mesmo edifício e são sós, numa profunda abordagem do
vazio existencial de dois jovens.
O rapaz ao se dispor morar com a idosa não tem outra saída
para seus problemas financeiros. Nada lhe é pedido em troca, exceto que
converse todos os dias antes de dormir. A anciã não tem parentes e sequer
amizades. Se antes não trocavam nenhuma palavra nos encontros fortuitos, agora
terá que dar uma atenção especial para a velhinha, como recompensa pelo
alojamento e assim suprir sua solidão, com assuntos que nem lhe interessa
muito, mas tendo na companhia do estudante uma maneira de afastar-lhe do tédio,
dando-lhe novo alento para quem tinha apenas um pássaro estressado na gaiola
dentro do humilde apartamento.
Um filme que aborda o intimismo de duas pessoas opostas de
gerações, mas próximas e universais no aspecto de melancolia que os assola. Num
contexto de vidas aparentemente diferentes na essência, tanto pelos gostos,
usos e costumes que converge dois seres excluídos e à beira da ruína. Marcelo
não quer voltar para o interior sem realizar as provas finais na faculdade e a
generosa Rosa precisa da presença humana daquele que simboliza a juventude e a
esperança. O braço engessado é uma alegoria dos enigmas da vida e serve como uma
alusão à situação caótica que ambos passam, quando liberta-se das amarras, numa
sugestão de que a vida segue. A solidão também é muito bem abordada no comovente filme
portenho Chuva (2008), de Paula
Hernández; bem como no fascinante Encontros
e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, retratando dois personagens
sozinhos o tempo todo, sofrendo com o fuso horário em Tóquio. Porém , nada
se compara com o inesquecível episódio Shaking
Tokio, dentro do longa Tóquio
(2008), dirigido pelo coreano Bong Joon-ho, num
dos mais melancólicos e devastadores relatos de isolamento humano no cinema.
Um filme com elenco consistente, destacando-se a atriz
Adriana Aizemberg, numa atuação impecável e comovedora, faz jus à sua fama de
estrela no teatro da Argentina por 40 anos. Teve outros grandes papéis como em O Abraço Partido (2004) e As Leis de Família
(2006), ambos e Daniel Burman. Meza tem o domínio exato e certeiro da elipses,
dando um clímax correto e profundo nas cenas que se sucedem, com uma perfeita
visão de estrutura, deixa fluir seus longas num roteiro enxuto, o que torna-os
bem distante da mesmice e de cenas chatas ou prolongadas que caem no vazio,
como visto recentemente em Na Estrada (2012), de
Walter Salles. Um diretor com estilo próprio e que espera-se outras obras no
mesmo nível.
A Velha dos Fundos
é uma película sem muitos diálogos, prevalecendo o silêncio sintomático dos
desesperançados à procura de um foco de vida. O cineasta lança um olhar
universal para as situações dos indivíduos solitários. Filma o contraponto do
urbanismo com a intimidade de seus personagens individuais, dentro de seus
movimentos e suas dificuldades no coletivo, onde pessoas atônitas e excluídas
de uma instigante relevância social ficam à mercê de um convívio salutar, deixando
o pessimismo tomar corpo e erguer-se como uma espada na cabeça neste sensível e
belo drama.
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