quarta-feira, 4 de julho de 2012

Para Roma, com Amor















Tributo à Italiana

No seu 42º longa-metragem, Woody Allen, além de diretor, acumulou as funções de roteirista e ator em Para Roma, com Amor, contando quatro histórias na Capital italiana, baseadas em Decamerão de Bocaccio, porém ficou bem aquém de sua capacidade de construção de um cinema voltado para as inquietações angustiantes do dia a dia. Evidente que poucos filmes se comparam com Zelig (2003), uma das obras-primas do cineasta; ou o inesquecível longa, talvez o maior filme do velho mestre, A Rosa Púrpura do Cairo (1985), naquela que se consagrou como cena antológica do cinema, a saída do herói da tela indo ao encontro da garçonete que assiste pela quinta vez a película, para fugir do martírio de sua vida cotidiana na época da Grande Depressão dos EUA.

Depois que começou sua fase europeia, ao filmar em lugares distantes de sua querida Nova Iorque, iniciando por Londres com Ponto Final- Match Point (2005), um dos melhores dos últimos anos; Scoop- O Grande Furo (2006); e O Sonho de Cassandra (2007). Seguiu como turista com sua câmera na mão e ancorou na Espanha com Vicky Cristina Barcelona (2008). Passou pelos EUA de regresso e assinou Tudo Pode Dar Certo (2009), onde escolhe com perfeição seu alter ego como Boris (Larry David), no papel do velho rabugento e neurótico. Retorna para a Inglaterra e realiza Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (2010); passando pela França dirige Meia-Noite em Paris (2011), possivelmente sua melhor obra nos últimos anos, tanto pela grandeza artística como pela ótima recepção de público e crítica, num filme singular e magnífico, ao transpor as barreiras da ficção pragmática, mergulha na fantasia e nos sonhos, deixa a realidade como fator secundário, não sem antes dar algumas alfinetadas nos americanos estereotipados e engajados com o consumismo e com as guerras frias.

Para Roma, com Amor  tem como ponto de referência um casal americano que vai conhecer os familiares ricos do marido Antônio (Alessandro Tiberi), que acaba de apresentar numa farsa a prostituta (Penélope Cruz) e não a mulher verdadeira (Alessandra Mastronardi- de beleza marcante e grande revelação no elenco), causando situações embaraçosas e desconcertantes. Outra figura estranha é Leopoldo (Roberto Begnini), que acorda de manhã famoso, sendo perseguido pelos paparazzis ensandecidos na procura de alguém para a fama instantânea, numa abordagem sobre a transitoriedade de pessoas do povo para a glória repentina, em prol de notícias de notoriedades fabricadas, como se vê na sequência com outro ilustre desconhecido. A película tem fatos inusitados como do arquiteto John (Alec Baldwin) sendo abordado pelo jovem Jack (Jesse Eisenberg- cada vez mais o alter ego do diretor), que se apaixona por Mônica (Ellen Page), a melhor amiga da namorada e no desenrolar da trama revive momentos tristes da trajetória de sua vida. John circula por Roma e surge como um anjo da guarda e voz presente para Jack, dando-lhe conselhos e tornando os personagens num só.

Mas as grandes tiradas se concentram em Jerry (Allen), um músico de orquestra aposentado que descobre um grande talento cantando no banheiro. Nada mais, nada menos, do que o sogro de sua filha. Sofre, entretanto, a oposição de seu genro, um comunista ferrenho, que não quer ver o pai deixar a profissão de dono de uma funerária para tentar ser tenor ao melhor estilo de Caruso. Os fatos se sucedem e a montagem da ópera do Pagliacci, de Leoncavallo, acaba por ser uma realidade magnífica numa solução encontrada para o desfecho insólito e arrebatador, dentro do contexto criativo para aproveitar-se o potencial artístico da revelação musical.

Allen se debruçara em imagens bem conhecidas no longa Meia-Noite em Paris, como a Torre Eiffel, o rio Sena com seus barcos e o Arco do Triunfo; agora já na abertura desta última produção, mostra o carrossel da Piazza del Pappolo, com um guarda se descuidando de seus afazeres provocando um acidente de trânsito. A comédia é divertida, mas contida, e o humor sarcástico está presente mesclado com um surrealismo em quase todas as cenas, como se Fellini estivesse ali com seus notáveis A Doce Vida (1960) ou em Abismo de um Sonho (1952), no episódio da mulher casada perdida na cidade; ou ainda na homenagem à ópera, como na bela cena do epílogo.

O cineasta tem fôlego e monta uma verdadeira associação de seres diferentes dentro da mesma espécie, como nas inter-relações íntimas de traições, como se fosse uma simbiose. Enfoca Roma e o painel ali existente de várias castas da sociedade, inclusive sem deixar de mostrar a evolução de uma era primitiva para os novos tempos, estando no meio das ruínas o simbólico Coliseu, como uma metáfora civilizatória para a modernidade. Aborda com relativo interesse as neuroses e os relacionamentos despudorados, bem como as traições voluntárias ou induzidas, com métodos de sedução nada convencionais para libertar e expulsar os fantasmas como numa terapia nada ortodoxa, neste filme mediano de encontros e desencontros e situações surreais de expurgos das angústias atormentadoras.

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