terça-feira, 24 de julho de 2012

Violeta Foi para o Céu















A Mulher e o Mito

Andrés Wood é um diretor bem conceituado no Chile. Seus filmes mais recentes no Brasil são A Febre do Louco (2001) e o cultuado Machuca (2004), com o qual obteve sucesso internacional. Com Violeta Foi para o Céu, uma coprodução entre Chile, Argentina e o Brasil, teve indicação para o Oscar deste ano pelo Chile; venceu o Festival de Sundance, nos EUA, com os prêmios do público e do júri internacional; melhor atriz em Guadalajara, prêmio do júri em Miami; e ainda um dos finalistas do prêmio Goya, na categoria de produção ibero-americana. Foi sucesso total e campeão de público chileno em 2011, sendo assistido por mais de 400.000 pessoas.

Wood conta a trajetória da vida de Violeta Parra, baseado no livro homônimo escrito por um de seus filhos, Ángel Parra. O longa começa com a infância humilde na Província de Nuble, na região das Cordilheiras dos Andes, acompanhava o pai tocando pelos bares e passa pelo interior de seu país. A narrativa foge do linear e vai traçando um painel diversificado da protagonista, intercalando-se com trechos de uma entrevista concedida para um canal de televisão nos anos 60. O que lembra como mote Chico Xavier- O Filme (2010), de Daniel Filho. Com uma fotografia primorosa do rústico cenário, sendo complementado por uma trilha sonora soberba, mas tendo no ponto mais alto a antológica interpretação da atriz Francisca Gavilán na pele de Parra, canta e não dubla as canções, dando uma dimensão natural e singular.

A cinebiografia é recheada de cenas marcantes e com uma dramaticidade em alto estilo, sem ser piegas ou cometer excessos ou devaneios inconsequentes. Há o relacionamento conturbado com o suíço Gilbert Favre e os percalços de relacionamentos, como o primeiro marido, de quem quer esquecer e jamais lembrar, pela suposta omissão na morte do filho ainda bebê, quando estava em turnê e atinge a consagração na Europa (Polônia e França). Violeta Parra foi uma artista completa, pois além de cantora, era compositora, folclorista, poetisa, pintora, escultora, ceramista e uma grande guardiã das tradições de seu país. Continua sendo um ícone da cultura no Chile, grande amiga de Pablo Neruda, ambos eram comunistas. Esteve sempre muito próxima da outra notável cancioneira argentina Mercedes Sosa (La Negra), que lhe prestou tributo após sua morte, gravando suas canções, como Gracias a la Vida-paradoxalmente acaba com a vida em 1967, ao se suicidar-, Volver a los diecisiete, também com a companhia nas homenagens de Milton Nascimento. Já Victor Jara celebrizou a canção Arriba Quemando el Sol, no movimento contra o truculento Pinochet, que lhe custou a própria vida por fuzilamento no Estádio Nacional. Estas composições viraram verdadeiros hinos da música latino-america.

O filme emociona na cena do avô negando-se em nunca mais cantar, após a perda do neto, mas que abre uma exceção para Parra, ao saber da dor daquela mãe que perde seu filho precocemente. Outra cena simbólica é a do pai tendo um surto e quebra o violão, após perder seu patrimônio em jogos de azar, deixa como legado para a filha ainda criança, um outro violão sinalizando com as composições que falam de pássaros. Com este gesto está alavancando a carreira da extraordinária intérprete de voz clara e poderosa, que sufoca as mágoas e as tristezas pelos caminhos tortuosos da vida defendendo a arte, como deixa transparecer num desabafo e assevera que sua vida é marcada em 40 anos por lutas sustentadas por uma grande fibra, mas que aos 50 anos sucumbe, ao pôr fim na sua trajetória.

O longa omite alguns momentos históricos da passagem da artista, como seu envolvimento com a política, sem comprometer mas fluindo os relatos ao mostrar uma mulher que deixa para trás os filhos na ânsia de buscar a carreira, mas logo os reencontra, mostrando-se uma mãe amorosa. Sua exposição de algumas obras de arte no Museu de Louvre, em Paris, é apresentada como uma meta atingida, pois consegue algo que parecia impossível. Nunca se dá por vencida, por ter um temperamento sanguíneo e quase temperamental dentro de uma aparência desleixada quando lhe convém, mas é vaidosa quando está amando. Tem uma vida marcada pela solidão com os desprazeres amorosos. É pouco reconhecida em Santiago, ao montar uma espécie de galpão cultural, vê fracassar sua iniciativa pela falta de público.

Violeta Foi para o Céu retrata o crepúsculo de uma artista e de uma mulher fascinante, de bom gosto musical, senso crítico apurado, determinada e que nunca se submete aos caprichos dos que pretendem lhe tirar alguma vantagem. É o símbolo da cancioneira latino-americana que cantou as dores e as tristezas dos amores equivocados. Magnífica a cena da alegoria do gavião e da galinha, simbolizando a luta do capitalismo embrutecido contra o trabalhador inferiorizado. Perturba por ser contundente nas recordações retratadas neste fabuloso filme sobre os desdobramentos da vida, seus ensinamentos reflexivos, as emoções existenciais de uma mulher à frente de seu tempo, que despreza as convenções sociais para ser ela mesma.

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