Andrés Wood é um diretor bem conceituado no Chile. Seus
filmes mais recentes no Brasil são A
Febre do Louco (2001) e o cultuado Machuca
(2004), com o qual obteve sucesso internacional. Com Violeta Foi para o Céu, uma coprodução entre Chile, Argentina e o
Brasil, teve indicação para o Oscar deste ano pelo Chile; venceu o Festival de
Sundance, nos EUA, com os prêmios do público e do júri internacional; melhor atriz
em Guadalajara, prêmio do júri em Miami; e ainda um dos finalistas do prêmio
Goya, na categoria de produção ibero-americana. Foi sucesso total e campeão de
público chileno em 2011, sendo assistido por mais de 400.000 pessoas.
Wood conta a trajetória da vida de Violeta Parra, baseado no
livro homônimo escrito por um de seus filhos, Ángel Parra. O longa começa com a
infância humilde na Província de Nuble, na região das Cordilheiras dos Andes,
acompanhava o pai tocando pelos bares e passa pelo interior de seu país. A
narrativa foge do linear e vai traçando um painel diversificado da
protagonista, intercalando-se com trechos de uma entrevista concedida para um
canal de televisão nos anos 60. O que lembra como mote Chico Xavier- O Filme (2010), de Daniel Filho. Com uma fotografia
primorosa do rústico cenário, sendo complementado por uma trilha sonora
soberba, mas tendo no ponto mais alto a antológica interpretação da atriz
Francisca Gavilán na pele de Parra, canta e não dubla as canções, dando uma
dimensão natural e singular.
A cinebiografia é recheada de cenas marcantes e com uma
dramaticidade em alto estilo, sem ser piegas ou cometer excessos ou devaneios
inconsequentes. Há o relacionamento conturbado com o suíço Gilbert Favre e os
percalços de relacionamentos, como o primeiro marido, de quem quer esquecer e
jamais lembrar, pela suposta omissão na morte do filho ainda bebê, quando
estava em turnê e atinge a consagração na Europa (Polônia e França). Violeta Parra foi uma artista completa, pois além de cantora,
era compositora, folclorista, poetisa, pintora, escultora, ceramista e uma
grande guardiã das tradições de seu país. Continua sendo um ícone da cultura no
Chile, grande amiga de Pablo Neruda, ambos eram comunistas. Esteve sempre muito
próxima da outra notável cancioneira argentina Mercedes Sosa (La Negra ),
que lhe prestou tributo após sua morte, gravando suas canções, como Gracias a la Vida-paradoxalmente
acaba com a vida em 1967, ao se suicidar-, Volver a los diecisiete,
também com a companhia nas homenagens de Milton Nascimento. Já Victor Jara
celebrizou a canção Arriba Quemando el
Sol, no movimento contra o truculento Pinochet, que lhe custou a própria
vida por fuzilamento no Estádio Nacional. Estas composições viraram verdadeiros
hinos da música latino-america.
O filme emociona na cena do avô negando-se em nunca mais
cantar, após a perda do neto, mas que abre uma exceção para Parra, ao saber da
dor daquela mãe que perde seu filho precocemente. Outra cena simbólica é a do
pai tendo um surto e quebra o violão, após perder seu patrimônio em jogos de
azar, deixa como legado para a filha ainda criança, um outro violão sinalizando
com as composições que falam de pássaros. Com este gesto está alavancando a
carreira da extraordinária intérprete de voz clara e poderosa, que sufoca as
mágoas e as tristezas pelos caminhos tortuosos da vida defendendo a arte, como
deixa transparecer num desabafo e assevera que sua vida é marcada em 40 anos
por lutas sustentadas por uma grande fibra, mas que aos 50 anos sucumbe, ao pôr
fim na sua trajetória.
O longa omite alguns momentos históricos da passagem da
artista, como seu envolvimento com a política, sem comprometer mas fluindo os
relatos ao mostrar uma mulher que deixa para trás os filhos na ânsia de buscar
a carreira, mas logo os reencontra, mostrando-se uma mãe amorosa. Sua exposição
de algumas obras de arte no Museu de Louvre, em Paris, é apresentada como uma
meta atingida, pois consegue algo que parecia impossível. Nunca se dá por
vencida, por ter um temperamento sanguíneo e quase temperamental dentro de uma
aparência desleixada quando lhe convém, mas é vaidosa quando está amando. Tem
uma vida marcada pela solidão com os desprazeres amorosos. É pouco reconhecida
em Santiago, ao montar uma espécie de galpão cultural, vê fracassar sua
iniciativa pela falta de público.
Violeta Foi para o Céu
retrata o crepúsculo de uma artista e de uma mulher fascinante, de bom gosto
musical, senso crítico apurado, determinada e que nunca se submete aos
caprichos dos que pretendem lhe tirar alguma vantagem. É o símbolo da
cancioneira latino-americana que cantou as dores e as tristezas dos amores equivocados.
Magnífica a cena da alegoria do gavião e da galinha, simbolizando a luta do
capitalismo embrutecido contra o trabalhador inferiorizado. Perturba por ser
contundente nas recordações retratadas neste fabuloso filme sobre os
desdobramentos da vida, seus ensinamentos reflexivos, as emoções existenciais de
uma mulher à frente de seu tempo, que despreza as convenções sociais para ser
ela mesma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário