quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Vou Rifar Meu Coração



















Brega com Dignidade

Ana Rieper que estreou com Na Veia do Rio (2002), tem seu segundo longa-metragem voltado para a música brega, na qual ela se diz uma apaixonada. Questiona seus entrevistados com linearidade, deixando-os falar seus sentimentos e sonhos com plena liberdade neste Vou Rifar Meu Coração. Um painel de relatos contados pela boca de personagens do povo, que tiveram dificuldades no passado, desde a grande paixão arrebatadora e inesquecível até o pessimista contumaz.

Um filme que se debruça nas músicas românticas, tendo como reflexão as mágoas, os desejos, as traições, a solidão de pessoas humildes, a fidelidade, as angústias e tristezas mescladas com os amores fundidos em felicidades e recordações amargas ou gostosas, assim como fizera Eduardo Coutinho em As Canções (2011), que teve o mérito maior saber selecionar da galeria de depoimentos aqueles mais consistentes e emocionantes sob o ponto de vista humano e com força de um pensamento positivo de esperança.

Embora não seguisse a mesma estrutura de Coutinho, que buscou num palco com uma cadeira seu cenário, pois a cineasta foi às ruas em diversos lugares, como cabarés, bares e restaurantes de frequência duvidosa, para ouvir aquelas simplórias criaturas relatarem suas dores e decepções, ou ainda os esperançosos com o amor. Uns já desesperançados do romantismo, outros crentes no grande amor. Histórias pitorescas como do prefeito de uma pequena cidade que vive com duas mulheres e filhos, mas ensina que: “as duas piores coisas do mundo são perder a eleição e ter duas famílias”. Assevera que as duas esposas não são totalmente felizes, vivem pela metade, mas nenhuma desiste do inusitado. A diretora é hábil e extrai o substrato de cada entrevistado, fazendo-os cantarolar ou falar das canções tidas como bregas, mas inesquecíveis para os protagonistas. Há homens machistas na maioria e mulheres submissas que soltam a língua. Há emoção contida como se fosse uma sessão de terapia. Tanto nos desamores lembrados como nas grandes recordações amorosas cultivadas e expressadas com dor, diante de vidas marcadas.

O documentário de 76 minutos tem locações em Pernambuco e Sergipe, com uma fotografia adequada para o cenário rústico e paupérrimo por vezes. Ao sair de um ambiente degradante, vai mostrando os caminhos tortuosos pelas mazelas e aspirações daqueles que nutrem algum fio de esperança no amor. São intercaladamente ouvidos artistas que cultuam a breguice, que teve seu auge nos anos 60 e 70, como Odair José, Wando, Nelson Ned, Amado Batista, Agnaldo Timóteo e Lindomar Castilhos, sendo que este empresta o título de uma de suas canções para o filme. Refutam o estigma sob o argumento de que a música Negue interpretada por Nelson Gonçalves vira artigo de luxo quando Maria Bethânia grava. Ou ainda, como afirma Timóteo “Minha música é brega? Por que não foi composta por Chico Buarque de Holanda, oriundo de família nobre?”

Vou Rifar Meu Coração é bem palatável, realizado com dignidade e carinho pela documentarista, na mesma proporção que Patrícia Pilar realizou Waldick, Sempre no meu Coração (2008). As músicas desfilam num universo de vidas conflitadas e amargas, porém sem perder a luz da esperança com as canções entoadas sem refinamento e tidas por muitos como de mau gosto, por serem excessivamente populares, num imaginário romântico, com muita afetividade e erotismo desbragado. No olhar atento e sem preconceito da cineasta, temos o casal de gays que dança ao som de Deslizes, por Fagner e da prostituta que foi retirada da zona do meretrício para se casar e constituir família com um fã apaixonado.

Rieper demonstra conhecimento estético sem grandes arroubos e se impõe como diretora, com elipses sempre na hora certa. Não há bruscas interrupções, conduz com sensibilidade o documentário, que se insere como daqueles de boa aceitação pelo grande público, pois faz por merecer, diante da suavidade como conduz. O resultado se não é dos melhores, está longe da decepção, sendo bem razoável pela simplicidade, desapego e leveza.

Um comentário:

CRISTINA ANDRÉIA DE BORBA FIGUEIRÓ disse...

Lembrei do saudoso Joãozinho Trinta, na época, carnavalesco da Beija Flor, que fazia desfiles luxuosos e dizia que suas criações eram assim porque "as pessoas gostavam de coisas bonitas, bem feitas, caprichadas, as pessoas gostavam de luxo".