sexta-feira, 9 de março de 2012

Drive



















Solidão e Violência

O dinamarquês Nicolas Winding Refn é um diretor pouco conhecido, mas vem tentando se firmar no cenário internacional desde Pusher (1996), Medo X (2003), com John Turturro e Guerreiro Silencioso (2009), todos os títulos são inéditos nos cinemas do Brasil, pois foram lançados somente em DVD. Agora se consagra de forma definitiva ao atingir o ápice da carreira com este soberbo Drive, numa adaptação livre do best-seller homônimo de James Sallis. Um típico filme cult é este seu último longa de invejável performance.

O cineasta dá uma demonstração maiúscula de seu talento e lucidez de maneira esplendorosa, neste suspense mesclado com faroeste urbano insuperável pelas suas qualidades de estrutura dramática, embalado por uma instigante trilha sonora magistral que dá o clímax com canções fascinantes para as cenas que se sucedem numa atmosfera adequada, tendo como seu criador o surpreendente Cliff Martinez; bem como a montagem não merece reparos, diante das elipses sempre no ponto do roteiro de Hossein Amini.

A trama tem uma narrativa certeira de um motorista de dublê de ator principal, que também trabalha numa oficina mecânica e à noite conduz carros “envenenados” para que seus parceiros pratiquem pequenos roubos à mão armada, visando complementar seu sustento e preencher seu enorme vazio existencial. O rapaz perdido em suas lembranças é apenas chamado de Garoto (Ryan Gosling). O ator tem um desempenho simplesmente antológico e só não ganhou o Oscar de melhor na categoria, porque injustamente não concorreu. Já interpretou bons personagens como o idealista no recente Tudo pelo Poder (2011).

Garoto é uma criação ambiciosa e memorável de um solitário homem, de olhar fixo e sem piscar, sempre com um palito na boca, às vezes mastigando e em outras estático, ao melhor estilo dos cowboys personificados por John Wayne, Clint Eastwood, Giuliano Gemma, Franco Nero e tantos outros. Neste simbólico faroeste aparece como se fosse um defensor dos oprimidos, através da bela criação psicológica e da estrutura dos vingadores silenciosos e sequiosos pela desintegração dos oponentes. Logo esbarra num relacionamento complexo e vê a protegida, sua vizinha Irene (Carey Mulligan- de boa atuação e é a mesma do filme Educação, de 2009) às voltas com o filho e metida numa baita encrenca arrumada pelo marido prisioneiro, que é solto e tem dívidas impagáveis com grupos perigosos que lhe davam proteção na cadeia e estão cobrando seus créditos de forma agressiva e nada amistosa. Garoto se envolve de corpo e alma e o longa vira uma nitroglicerina pura, não só nas perseguições de carros turbinados como na explosão da violência contida, sem ser gratuita ou apelativa, mas marcante pela degradação do ser humano.

Drive tem várias semelhanças e influências, como do inesquecível clássico dos anos 60 Sem Destino (1969), dirigido por Dennis Hopper, com atuação impecável de Peter Fonda, pelas perseguições emblemáticas de automóveis nos filmes do gênero; mas é imperativo lembrar À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino com seu parceiro Robert Rodriguez, que tem na estética uma alusão explícita ao tradicional banho de sangue, pelas corridas alucinadas, muita velocidade e choques violentos e devastadores, com socos e porradas na cara ao melhor estilo. Tanto os personagens de Tarantino como de Refn são pessoas similares por serem solitárias e perturbadas no seu convívio social, aflorando uma iminente vontade de gritar e esmurrar.

Mas há ainda a semelhança dos gêneros e graus em todos os sentidos como de Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), dos irmãos Coen, naquela monumental construção de violência explícita e mortes aterrorizantes. Há cenas bem parecidas, mas o cineasta revela sua inspiração e mostra sua originalidade nos diálogos e nas cores de um belo lusco-fusco, num colorido acinzentado com poucas luzes nos cenários, faz deste um suspense por vezes noir como uma magia no seu desempenho, numa trama de personagens perdidos e sós, na busca de um futuro promissor, que levam para um epílogo digno de uma obra-prima, neste filme que aborda com profundidade a violência, a solidão e os amores em cisão. Por tudo isto, pode ser comparado sem exagero ou demérito ao já clássico Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, onde o taxista protagonizado por Robert de Niro está na iminência de explodir sua violência contra uma sociedade injusta e caindo de podre.

Um longa-metragem que aflora a dignidade pelo seu poder de abordagem contundente dentro de uma narrativa eletrizante num clima de policial noir, que só não ganhou várias estatuetas no Oscar, por ter sido alijado criminosamente da disputa. Porém não impediu de revelar sua singularidade e a demonstração de um cinema de autor num visual retrô, num filme de grandes exercícios memoráveis de estilos revigorantes com identidade própria, inscreve-se como um dos 10 melhores de 2012, que já lhe rendeu o prêmio de melhor diretor no último Festival de Cannes.

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