terça-feira, 20 de março de 2012

Pina -3D



















A Dança de Pina

Wim Wenders é um diretor de dramas fortes e profundos, sem esquecer o insuperável documentário Buena Vista Social Club (1999) entre tantas realizações consistentes. Agora retorna novamente ao gênero documental, totalmente voltado para o sensorial, a leveza da alma e do espírito, pois como fica registrado de forma inequívoca em Pina-3D: “dance, dance, senão estaremos perdidos”, ou ainda como diz uma das bailarinas na homenagem, ao lembrar que a mestre repetia “a dança diz melhor do que se falar”.

Wenders lidou bem com a arte clássica como poucos, embora seja um cineasta mais voltado para as feridas sociais e as angústias derrotistas de seus personagens, em dramas memoráveis como os inesquecíveis Paris, Texas (1984) e Asas do Desejo (1987), não deixou de se revelar um talentoso condutor da grande dama do balé e coreógrafa da Companhia Tanztheater Wuppertal da Alemanha, embora seja um tributo analítico com imagens antigas da artista mesclado com depoimentos sinceros de quem trabalhou com ela são ouvidos em off, embora as imagens os retratem silenciosos, mas não falta a emoção ao abordar o sofrimento, a dor, a tristeza e a alegria da equipe teatral, como bem expressado pelos discípulos de Pina Bausch.

Um documentário que em tudo está bem ajustado, onde os detalhes da expoente da dança contaminam o cineasta e tudo parece andar com a perfeição, como a insuperável trilha sonora dando clímax nas cenas dos planos e contraplanos, embalados pela leveza quando necessário e dureza em outras cenas, não faltando nem a canção O Leãozinho, cantada em português por Caetano Veloso, para deleite, prazer e orgulho dos brasileiros, representados pelo nosso compositor.

A coreografia se estende em vários lugares inusitados, como pelas ruas, nos parques, bosques com água vertendo, ou ainda no interior do bonde aéreo da Wuppertall, que serviu de cenário, pois Pina Bausch gostava de interagir com os moradores da cidade alemã, que num primeiro momento mostravam-se resistentes, embora estivesse promovendo mundialmente o lugar. Os bailarinos conseguiram a compreensão e o apoio dos residentes, graças a insistência da coreógrafa, que abriu caminho para Wenders filmar sem rejeição, após sua morte, razão pela qual o filme quase foi arquivado, só não o fazendo por pressão dos artistas da companhia.

Nas diversas coreografias de gestos e movimentos singulares temos uma moça sendo enterrada viva com pás de terras, a dança dentro d’água, com as expressões de dor e ardor, satisfação e recompensa numa eloquente dimensão de um universo de vidas dedicadas a dançar. Há ainda a exuberante A Sagração da Primavera, de Stravinsky, na cena da relação sexual sugerida, depois que a jovem ocupa um espaço vazio do palco, logo entram as bailarinas em conjunto e os homens vêm depois, começando a grande caçada numa coreografia expandindo em dramaticidade, aproximada com grandiloquência em 3D, para exprimir os rostos contraídos e tensos. Mas logo Wenders afasta a câmera e o palco se esvazia, restando a solidão de um mundo difícil e moribundo como uma catarse de dor oriunda da emoção, sob o olhar simples e sem cobranças acintosas da legendária Pina Bausch, sem estrelismos, arrogância ou chiliques.

Cria-se um cerimonial dedicado à coreógrafa alemã, símbolo do século XX em transição para o XXI, numa espécie de veneração pelos dançarinos, onde a saudade é vertida como uma lacuna de um vazio existencial de alguém que partiu muito cedo, deixando órfãos centenas ou milhares de artistas e fãs, num filme extraordinário e inesquecível pela sua sensibilidade e leveza pelo amor à dança como prazer maior da existência humana, embora para isso haja um longo caminho para se trilhar, mas com magnífica harmonia e imensidão que contemplam o prazer de se viver.

É justo o tributo em Pina- 3D, nesta mini obra-prima documental e injustamente derrotada no Oscar em sua categoria, onde a utilização do 3D funcionou como um suporte complementar e não apenas como entretenimento barato e pirotécnico principal, com todo o magnetismo da força cinematográfica e do reconhecimento da artista falecida em 2009, aos 68 anos, vítima de câncer, mas que Wenders resgata e homenageia com extremo bom gosto esta fantástica coreógrafa dos sonhos e dos espaços conquistados pelos bailarinos, num filme que ultrapassa a classificação de documentário para valorizar o cinema como um todo e especialmente a dança.

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