segunda-feira, 19 de março de 2012

Febre do Rato

















Cotidiano de um Poeta

O 8º. Festival de Verão do RS de Cinema Internacional findou em grande estilo, propiciando aos gaúchos verem Febre do Rato, sob a direção de Cláudio Assis, em seu terceiro e mais maduro longa-metragem. Lançou-se ao cinema com dois bons filmes Amarelo Manga (2002) e Baixio das Bestas (2006). Mostrou novamente sua versatilidade e competência com este belo drama do cotidiano de um poeta irrequieto. Não confundir com os outros nacionais A Erva do Rato (2008), de Júlio Bressane e nem com Reis e Ratos (2012), de Mauro Lima.

Febre do Rato (expressão popular típica da cidade de Recife que designa alguém que está fora de controle) tem a trama centrada na figura de Zizo (Irandhir Santos- bom desempenho), um poeta anarquista que acaba por bancar a publicação de seu tabloide que leva o nome do filme. É seu guru o teórico político russo Bakunin, um dos principais expoentes do anarquismo em meados do século XIX, tendo a foto pendurada no barraco. Ao conhecer Eneida (Nanda Costa- bela e sensual), suas convicções começam a entrar em conflito e há um questionamento interno, pois a musa causa um furor nos seus princípios, fazendo-o um homem apaixonado e desnorteado.

O longa tem como proposta a poesia do povo, embora com discursos agressivos e contestadores em várias situações, tanto pelas palavras em versos do poeta, uma espécie de alter ego do diretor, um cineasta inconformado com o sistema, desde as mazelas sociais apontadas e denunciadas principalmente em Baixio das Bestas. Esteticamente o filme lembra o festejado A Festa da Menina Morta (2008), com Matheus Nachtergale que também dirigiu, tanto pelos rituais religiosos e as similitudes de um povo sofrido nas favelas, inclusive com a boa participação do ator também neste longa, principalmente pela sua controvertida relação com a mulher a quem ama muito, sintetizada na frase “ela é o homem da minha vida”, numa inversão e consequente rompimento de valores e contravenções da sociedade.

Cláudio Assis é um diretor que não se submete a dogmas e paradigmas daqueles filmes bem feitinhos e ajustadinhos ou que indique alguma propaganda ou louvação de um gênero, ainda que seu filme seja regional através da típica linguagem nordestina, a universalidade do cinema está acima e se sobrepõe peremptoriamente. Não pertence a uma casta de cineastas politicamente corretos, como bem enfatiza tanto em seu discurso no cinema pelos atos do poeta maldito, bem como em entrevistas. Segue uma linha dos realizadores malditos ou marginais, tais como: Julio Bressane, Rogério Sganzerla e Ozualdo Candeias.

Fica evidente o protesto da insurreição, como nas cenas realizadas no dia da Independência do Brasil. Surge a revolta contrária à sociedade de valores apodrecidos e decadentes mostrados com contundência, como na celebração logo após os desfiles militares de 7 de setembro, se convenciona o brado contrário ao sistema e é dito naquela cena marcante: “nós também temos o direito de errar”, gizando como se fosse um grito de dor dos manifestantes agredidos e presos, numa prévia do desenlace final inesperado, mas sem tragicidade ou pessimismo, pois ficaram no grupo que se banha no tanque com água, simbolizado o local pelo início de tudo, como as reivindicações do tripé: amor, sexo e comida, palavras mágicas nos versos e nos pedidos para aquela camada da sociedade esquecida e relegada à margem dos aquinhoados.

Um filme em preto e branco sempre é arriscado, embora O Artista (2011), de Michel Hazanavicius, grande ganhado do Oscar, esteja aí para desmentir e servir como exceção, pois há uma rejeição e um preconceito quando não há o colorido. Os locais que serviram de cenário em Recife não poderiam retratar cores estonteantes, se a proposta principal do filme era enfocar os desvalidos das favelas fétidas e imundas, como os enxotados do conforto. Impossível não elogiar a adequada trilha sonora em harmonia e bem ajustada com o desenrolar do longa, em compasso invejável.

O cineasta conduziu com competência, mesmo que a morte estivesse rondando o roteiro e pudesse desarticular o discurso da dignidade, soube lidar bem com ela no epílogo e despistar com elegância, deixando bem evidente seu propósito, onde tem o poeta como a simbologia da resistência, criando vínculos com espectadores desde o início com o panfletário jornal passando de mão em mão. Atinge o clímax na cena final da redenção no companheirismo e da amizade neste fabuloso filme que se insere como uma obra maior e destacada no cenário nacional, apesar de alguns excessos verborrágicos e apelativos, como o uso excessivo do palavrão desnecessário e do nudismo exacerbado, não chega a afetar ou obscurecer o excelente resultado final e merecedor da consagração no Festival de Paulínia.

Debate em Porto Alegre

Febre do Rato teve sessão de pré-estreia em Porto Alegre nesta quinta-feira (15) no encerramento do 8º. Festival de Verão do RS de Cinema Internacional, com farta distribuição de cerveja, sorvete, picolé, hambúrguer e entrada gratuita aos espectadores; já a estreia nacional está prevista para maio. O longa venceu como Melhor Filme no Festival de Paulínia deste ano, além de Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Trilha Sonora, Melhor Direção de Arte e o Prêmio da Crítica. Também participou do Festival de Recife e de Rotterdam.

Após a exibição do filme, o diretor Cláudio Assis esteve num bate-papo com o público, acompanhado da atriz Mariana Nunes, responderam questões e fizeram alguns comentários sobre as filmagens e a proposta do filme.

A atriz Mariana Nunes mostrou serenidade e lucidez, esclarecendo aos cinéfilos curiosos algumas dúvidas, como da prisão de alguns atores no dia das gravações, por estarem nus, parecendo reagir aos policiais, embora fossem da equipe de filmagem, envolvendo a polícia de Pernambuco num conflito depois solucionado; bem como a cena em que o ator Irandhir Santos sendo retirado da frente dos canhões, é real.

Já o diretor pareceu um pouco perturbado e por vezes agressivo e extremamente ofensivo com os espectadores nos debates, agredindo a classe dos jornalistas e chamando-os de covardes e fdp. Xingou também os colegas cineastas como Fernando Meirelles, João e Walter Salles e Heitor Dhalia, demonstrando um ódio irascível e ressentimento contido numa linguagem chula. Atacou ainda a Rede Globo e alguns diretores de cinema, tachando-os de sem escrúpulos e sem dignidade, que se vendem para a TV, enfatizando com extrema amargura e fazendo uso de palavras de baixo calão e inadequadas para o seleto público que o olhava atônito, talvez por tentar fazer gênero ou ter tomado algumas cervejas além da conta.

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