quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Os Descendentes
Blefe Moralista
Alexander Payne é o mesmo diretor dos insossos Eleição (1999) e As Confissões de Schmidt (2002), com Jack Nicholson no segundo filme. Mas indiscutivelmente o melhor de sua filmografia é Sideways: Entre Umas e Outras (2004), com Paul Giamatti no papel de um homem depressivo, que tenta se tornar um escritor, é fascinado por vinhos e decide dar como presente de despedida de solteiro a seu melhor amigo, uma viagem pelas vinícolas da Califórnia. Logo se envolvem com duas mulheres, faz com que o amigo queira romper o matrimônio, que está marcado para daqui a poucos dias, enquanto o intelectual se apaixona por uma jovem que também aprecia os vinhos pinot noir.
No longa Os Descendentes, adaptado do livro homônimo de Kaui Hart Hemmings, Payne deixou o moralismo americano exacerbar e praticamente detonar com sua última obra, que tem um tema bem interessante, como do pai ausente e vivendo como um advogado bon vivant no Havaí, à espera do melhor momento para vender terras que valem milhões, pois é um dos herdeiros desta fortuna. Mas tem que retornar para casa às pressas e se dá conta que tem duas filhas: uma pré-adolescente de 10 anos e a outra uma rebelde adolescente sem causa de 17 anos, que está fazendo escola para a mais nova. Logo percebe que as meninas cresceram o bastante para colocá-lo em diversas dificuldades e encrencas, principalmente a caçula indisciplinada Scottie (Amara Miller).
O cineasta enfoca a família, sob o ponto de vista inicial, como desestruturada e em vias de falência. A trama tem no pai Matt (George Clooney- surpreende por abandonar seu tradicional histrionismo de galã, compondo um bom personagem de carne e osso) que está em crise conjugal com a esposa Elizabeth (Patrícia Hastie). Ela sofre um grave acidente de barco e está desenganada pelos médicos. Como dizer às filhas e aos parentes próximos da trágica notícia? Mas tudo isto ainda tem o componente de um grande segredo do núcleo familiar, que só a filha mais velha Alexandra (Shailene Woodley- em grande desempenho) sabe e guarda com bastante mágoa.
A película dá uma quebrada no ritmo e neste meio tempo, pai e filhas fazem uma viagem até o mar, em praias de águas sujas e moradores rudes, num outro lado do Havaí que é desconhecido para a maioria, sem o glamour cantado em prosa e verso. É lá que mora Matt e seus primos que querem vender as terras herdadas para uma grande incorporadora, intermediada por um corretor de imóveis que é o ponto da discórdia pelo seu passado recente com Elizabeth. Os fantasmas afloram justamente agora, na iminência da morte da mãe das garotas e no inconcebível machismo chauvinista do pai, que descobriu a intenção do divórcio da esposa abandonada antes do acidente.
Um filme que não chega a se debruçar com profundidade no relacionamento da ausência paterna com as filhas problemáticas, pois o foco principal está centrado com todas as artilharias voltadas para a traição, razão para a qual Payne parece se saborear ao mostrar a mãe em estado vegetativo irreversível, com o gosto de sangue salivando nos lábios de Matt. Ressalte-se o mérito de saber fugir bem do melodrama, com algumas boas tiradas de humor.
Os Descendentes levou o prêmio de melhor drama no Globo de Ouro e tem tudo para conquistar os corações dos velhinhos da Academia e amontoar estatuetas, apesar de seu ranço moralista e defensor dos bons costumes. É um drama cansativo no seu desenrolar pela falta de imaginação e previsibilidade do final, embora tenha uma bela trilha sonora e algumas similitudes peculiares, ainda que distantes e rasas, do bom e eficiente Kramer vs. Kramer (1979), de Robert Benton.
O cineasta mostra com todas as tintas sua inclinação em punir quem cometeu o ato da infidelidade. Um pai que se torna bonzinho de uma hora para outra, deixando de ser uma pessoa distante e fria para ser idolatrado. Bem típico de um cinema que gosta de super-heróis fabricados, fica um nostálgico recado retumbante a quem cometer aventuras ou ousar trair, será castigado exemplarmente independentemente das circunstâncias inerentes ou as complexidades de um relacionamento deteriorado, que em nenhum momento é abordado com clareza, deixando se esvair no vazio da falta de análise numa obra irregular e preconceituosa.
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