quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
O Artista
Tributo ao Filme Mudo
O diretor francês Michel Hazanavicius esperou 12 anos para filmar e colocar em prática seu projeto inicial, que redundou no festejado O Artista, uma produção francesa rodada nos EUA, com os raros diálogos em inglês. A obra se consagrou tanto e não para de abocanhar prêmios, como de Melhor Comédia ou Musical no Globo de Ouro, além de Melhor Diretor, Ator e Filme pelos respectivos Sindicatos dos norte-americanos. Também recebeu as láureas de Melhor Filme, Ator e Diretor, Fotografia, Roteiro Original, Figurino e Música Original pela Academia Britânica de Cinema, os ambicionados prêmios Bafta. Até o cachorrinho Uggie, de 10 anos, ganhou o troféu Coleira de Ouro, em sua primeira edição, em Los Angeles, por participações caninas no cinema e na TV. Por tudo isto é o grande favorito ao Oscar, onde concorre a 10 estatuetas. O único longa do cineasta exibido antes no Brasil foi Agente 117 (2006).
A trama se passa em Hollywood, a partir de 1927, onde George Valentin (Jean Dujardin- em grande desempenho) é um ator de filmes mudos, com suas caretas e danças, uma figura estereotipada de galã, inspirado no astro italiano radicado nos EUA, Rodolfo Valentino, uma dos nomes mais populares dos anos 20 e do cinema mudo, sendo o primeiro símbolo sexual das telas, um protótipo "amante latino" fabricado por Hollywood. Vive como uma grande estrela em sua mansão, com a esposa carente, o motorista-mordomo e Uggie, seu cãozinho terrier, um fiel escudeiro para as horas boas e más. Indiscutivelmente seu melhor amigo e desinteressado financeiramente, que deixará saudades no cinema, pois roubou as cenas que participou até o epílogo.
A transição do filme mudo para o falado é inquestionável no longa, embora Valentin não acredite e satirize a evolução, dando a impressão que parou no tempo e sua decadência é iminente, vai definhando e liquidando com seu bom humor e a fama soçobra, indo tudo ladeira abaixo. Logo fica marginalizado nos grandes estúdios e indústrias de Hollywood. Surge no contraponto uma atriz exponencial da nova fase do cinema falado, a jovem talentosa Peppy Miller (Bérénice Bejo- cativante e arrasadora em seu papel), que não esquece ter sido ajudada na sua incipiente carreira por Valentin. Enquanto ela sobe fulgurante e desponta como uma grande diva, ele se afunda em grandes dívidas e é atingido em cheio pelo estouro das Bolsas de Valores em 1930. Vê-se obrigado a despedir seu empregado, sua mulher vai embora, restando um farrapo humano jogado no vício do álcool e no fumo contumaz.
O filme se desenrola com o auxílio fervoroso da trilha sonora, numa narrativa correta dentro de um enxuto roteiro, mostrando a decadência de um astro e seu envolvimento nos piores momentos com a grande celebridade que não lhe abandona. Sem ser piegas e afastando-se do maniqueísmo, não se deixa envolver pelo emocional na sua estrutura dramática bem limitada. As contradições são colocadas nos dois lados dos protagonistas principais, no bom estilo e nuances do cinema mudo, com elipses adequadas, sem esquecer a exemplar fotografia em preto e branco, símbolo de uma época do passado de reminiscências, através de um figurino impecável.
O longa apresenta-se tanto como um drama de época, como tem bom domínio de uma comicidade contida, ao mostrar a transformação do cinema da película para o 3D, IMAX e digital, de maneira metafórica nas figuras de Valentin representando o passado sem volta de uma era sem sonoridade e cor, e Peppy simboliza o presente e o futuro da evolução dos novos tempos modernos e com a decretação do fim do uso da película como forma de filmar.
O Artista traz uma lembrança do charme dos filmes de Chaplin, através do personagem mais famoso, o vagabundo Carlitos, oprimido e engraçado, denunciava as injustiças sociais, de forma inteligente, sabia como fazer rir e também chorar, em vários filmes rodados sem sonoridade e em preto e branco. Outra boa referência de agradecimento está na cena final de Valentin e Peppy ensaiando um sapateado como o casal Debbie Reynolds e Gene Kelly, no magistral filme musical Cantando na Chuva (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly. Mas o filme tem uma similitude indisfarçável com Nasce uma Estrela (1954), de George Cukor, contando a ascensão da jovem atriz (Judy Garland) e a decadência de um veterano ator (James Mason). Sem esquecer o excelente Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, onde a ex-estrela de filmes mudos Norma Desmond (Gloria Swanson) vive solitária com seu leal empregado em sua mansão até surgir um roteirista que é contratado por ela.
No início do longa há um rápido desconforto, diante da forma dos planos e as cenas com alguns diálogos intercalados por uma tela legendada de falas de possíveis protagonistas, porém em outras cenas desaparecem as legendas, ficando o espectador à mercê da leitura labial, ou então decifrando-a pela imaginação apurada. Mesmo sem o magnetismo do colorido e dos diálogos com vozes, contado por uma aparente ingênua história de dois personagens em tempos diferentes, o filme tem significativos méritos expositivos, pois consegue prender a atenção do público, não deixando escapar o foco da trama.
Uma boa e singela homenagem ao cinema mudo e por consequência o preto e branco, embora não chegue a entusiasmar como uma obra definitiva, marca pela ousadia numa época onde se valoriza mais o avanço tecnológico e suas invenções virtuais. Não deixa de ser um tributo que fazia falta para aqueles que deram suporte e começo da sétima arte.
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