quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret
















Precursor do Sonho

O cinema produzido em 2011 primou pelos tributos dos diretores. Começou com Woody Allen no espetacular Meia-Noite em Paris, numa grande homenagem à cultura parisiense, através do imaginário fantástico que flutua e flui com harmonia e beleza plástica inconfundível num roteiro enxuto, num cenário estonteante pela magia; depois veio Michel Hazanavicius apresentar o festejado O Artista, uma produção francesa que ele esperou 12 anos para filmar nos EUA, com os raros diálogos em inglês. Uma homenagem explícita às indústrias de Hollywood do cinema mudo e por consequência o preto e branco, marcado pela ousadia numa época onde se valoriza mais o avanço tecnológico e suas invenções virtuais. Agora Martin Scorsese faz sua gratidão ao cinema francês, neste sensível A Invenção de Hugo Cabret.

O cineasta norte-americano presta seu júbilo ao cinema dos pais da primeira filmadora e máquina de projeção, os irmãos Lumière- Auguste e Louis-, com flasbacks de 1895, no filme mudo de 50 segundos A Chegada de um Trem na Estação, mostra a entrada de um comboio puxado por uma locomotiva a vapor em uma estação de trem na cidade costeira francesa de La Ciotat. Mas seu foco principal é o cineasta esquecido e relegado, na pele de um anônimo proprietário de uma loja de brinquedos na estação, o notável sonhador e precursor do cinema e grande ilusionista George Méliès (1861- 1938), interpretado com brilho por Ben Kingsley. Ilustra muito bem com a cena do garoto Hugo ao lado de seu robô que tenta reconstruir, tendo as imagens do filme Viagem à Lua (1902), de Méliès, inaugurando a era do cinema, através de imagens fantásticas para os primórdios daqueles tempos difíceis.

A trama é baseada no livro homônimo infanto-juvenil de ficção histórica de Brian Selznick (2007), que tem no elenco o órfão Hugo (Asa Butterfield- de boa atuação; é o mesmo alemãozinho de O Menino do Pijama Listrado). Vive abandonado na estação de trem Gare Montparnasse, uma das maiores de Paris, em 1931, saindo apenas do refúgio entre as paredes, para realizar pequenos furtos e dar corda nos enormes relógios e mantê-los trabalhando, diante das mortes do pai e do tio, desviando a atenção do inspetor e caçador de órfãos (Sacha Baron Cohen- interpretou à altura e poderia ser indicado ao Oscar), um simplório defensor de uma lei tirana e inconsequente, sem o mínimo de humanismo, que flerta com a vendedora de flores e anda sempre acompanhado de seu fiel escudeiro, um cachorro feroz da raça Dobermann. Hugo aproxima-se casualmente da garotinha Isabelle (Chloë Moretz), sobrinha de Méliès, sempre pronta para uma nova aventura com seu talento criativo e cultural. Logo se interessa pelo trabalho dele e sua moradia. Busca a recuperação do caderno junto ao tio misterioso, por um pedido do novo amigo.

Scorsese sempre foi um diretor de filmes fortes e profundos, como os insuperáveis Taxi Driver (1976), Os Bons Companheiros (1990), Touro indomável (2000), Gangues de Nova York (2002), Ilha do Medo (2010), entre tantas realizações pesadas e consistentes. Agora seu instinto de cineasta é direcionado com um brilho singular para o agradecimento à escola francesa, numa espécie de contraponto a Michel Hazanavicius. Ao realizar este belo espetáculo para um público de todas as idades e classes sociais, dá sua contribuição significativa à sétima arte e vem complementar com elegância O Artista.

A Invenção de Hugo Cabret tem a marcante cena inicial do plano sequência, metaforicamente coloca o espectador filmando no lugar do diretor, num simbólico agradecimento aos cinéfilos, sem antes dar muitos sustos e a impressão do choque com os protagonistas que vão surgindo no caminho, tanto pessoas como locomotivas atropelando e objetos sendo abalroados, numa simbologia da passagem dos tempos. Um devaneio inesquecível.

É justa e magnífica a homenagem ao cineasta precursor Méliès, possivelmente o primeiro sonhador que transformou um delírio em realidade na tela, injustiçado pelo tempo, morreu pobre e vendendo seus negativos como sucatas para sobreviver. O tributo ficou melhor ainda com a utilização do 3D como suporte e não apenas entretenimento barato, com todo o magnetismo e força do cinema e o reconhecimento de um talento perdido nos arquivos da história, mas que Scorsese resgata ao tirar do limbo e homenageia com sutileza e extremo bom gosto este pioneiro do sonho e sem recursos técnicos, numa prestação de contas fabulosa e apaixonante como o cinema.

Um comentário:

CRISTINA BORBA FIGUEIRÓ disse...

Eu gostei deste filme. É uma viagem no tempo, um aprendizado sobre a história do cinema. Não foi um filme sensacional, mas é interessante pelas homenagens àqueles que criaram o cinema.