quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
O Céu Sobre os Ombros
Vidas Desnorteadas
Mais um documentário brasileiro que faz sucesso entre o público aficionado em cinema é este instigante O Céu Sobre os Ombros vindo de Minas Gerais, em que aborda com dignidade o retrato das vidas perturbadas de três criaturas aparentemente exóticas na cidade de Belo Horizonte, com uma direção bem equilibrada, embora pessimista do mineiro Sérgio Borges. Foi vencedor do Festival de Brasília 2010 como Melhor Filme, Direção, Prêmio Especial do Júri aos Atores, Roteiro e Montagem. Também participou da Mostra do 7º. Festcine de 2011, em Goiânia.
O cineasta usa personagens reais para construir um filme que mescla ficção e documentário. Não utiliza um roteiro tradicional, dando margem para questionamentos sobre a clássica narrativa e a linguagem do cinema. Seu mérito maior é buscar personagens bem peculiares e fruto de uma pesquisa detalhada e consistente na capital mineira, que ele tão bem conhece em todos os meandros e as consequências das dificuldades impostas aos cidadãos menos favorecidos pelo destino.
Seu painel na trama é composto pelo transexual Everlyn Barbin, que se prostitui à noite e dá aulas como professora durante o dia, demonstra seu talento e grande conhecimento acerca da literatura, mencionando especialmente Freud e Foucault; já Edjucu “Lwei” Moio é um escritor marginal africano descendente de portugueses que nunca publicou seus livros e que passa os dias em casa se lamentando, vive dos parcos ganhos da esposa e uma ajudinha da mãe, tem a dor do pai que convive ao lado de um filho com deficiência mental e sonha ter o reconhecimento de seu trabalho ignorado; e por último, o atendente de telemarketing Murari Krishna é um fanático torcedor integrante de uma torcida organizada do Atlético Mineiro, skatista e adepto fervoroso do movimento Hare Krishna.
O longa-metragem tem como fator primordial ser híbrido, onde a ficção mistura-se com a realidade e os indivíduos vão passeando e apresentando suas diferenças e dificuldades pela tela, deixando registradas as aspirações de três personagens- que não são atores profissionais- mas que vivenciam o cotidiano de uma cidade caótica e fria com as pessoas. Até o ar que se respira não está adequado com o dia a dia dos transeuntes nas calçadas, parece ser denso e chocante, assim como a própria existência humana está pesada na sua rotina, a ponto de entortar e jogar para baixo os ombros sobrecarregados por uma carga psicológica imensurável.
A película mostra que embora cada um busque seu espaço com certo pessimismo, sem ter muita eloquência nos atos, fica expressa a vontade de serem amados e terem vidas úteis na sociedade. A força e a esperança nem sempre andam juntas neste documentário, mas os objetivos estão aliados. Os lugares escuros são como metáforas da vida e dos destinos mal iluminados daquelas criaturas perdidas na noite e em seus propósitos como ideais de vida e de futuro.
No filme o transexual é o personagem mais carismático e comove com seu drama íntimo, especialmente na cena em que faz a explanação clara sobre a cirurgia para troca de sexo. Mostra-se inteirado do problema e é sabedor da falta de prazer, caso venha concretizar seu sonho, optando em permanecer em seu “status quo”, ou seja, teria mais dissabores do que felicidade se levasse adiante seu desejo de mudança.
O Céu Sobre os Ombros é um bom documentário, sem ser deslumbrante, porém tem grandes qualidades narrativas, como o cenário sóbrio num digno lusco-fusco noturno. É uma satisfatória e bem equilibrada amostragem das criaturas afastadas do convívio social desejado e que vivem quase como zumbis, funcionam como elementos de protesto e insatisfação.
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