quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Inquietos



Poema da Morte

O norte-americano Gus Van Sant é um diretor que vem se firmando no cenário internacional como um tradutor dos jovens, desde sua estreia com o filme independente Mala Noche (1986), sobre os desajustes da juventude na sociedade e a homossexualidade abordada em Milk- A Voz da Igualdade (2008), bem recebido pelos críticos. Também as drogas se inserem em suas temáticas nos longas Drugstore Cowboy (1989) e Garotos de Programa (1991). Filmou as lindas paisagens em Gerry (2002) e flutuou pelos superficiais Gênio Indomável (1997) e Encontrando Forrester (2000).

Mas com Elefante (2003) há a inspiração no massacre de Columbine, e Paranoid Park (2007) faz um estudo sobre o mundo do paraíso dos skatistas que sobem num trem de carga, sem imaginar o problema que teria. É nestes dois últimos filmes que atinge um grau mais elevado de sua filmografia e a morte está muito presente com todos os seus significados e os personagens desajustados dos adolescentes perdidos e conflitados. Retoma novamente com maturidade o tema da finitude mesclada com um grande amor, embora a morbidez esteja presente com toda sua dura realidade e uma tristeza entranhada neste magnífico Inquietos.

Van Sant usa com elegância o silêncio para mostrar a dor na trama através dos olhares em que Annabel (Mia Wasikowska- de grande interpretação, foi também a Alice no filme dirigido por Tim Burton em 2010) conhece Enoch (Henry Hopper- irrepreensível no papel; é filho do ator Dennis Hopper). Uma história pessimista sobre os jovens e sua existência, tendo na dupla uma constante convivência com a morte. Annabel sofre de câncer terminal e seu encontro com Enoch se dá num funeral, local frequentado assiduamente pelo rapaz como fuga e entretenimento.

Há uma busca ferrenha pela explicação da perda trágica de seus pais em acidente de carro, razão pela qual abomina automóveis. Deixou de estudar por ter sido expulso do colégio e sua tia, por quem é criado pouco entende a revolta. O relacionamento lúgubre lembra em muito o longa Love Story (1970), de Arthur Hiller, embora sem o melodrama deste que levou milhões de pessoas a chorarem copiosamente pela morte da garota diagnosticada com a mesma enfermidade de Annabel.

O existencialismo e suas traiçoeiras engrenagens fazem os jovens refletirem sobre o relativismo de Einstein ou sobre a teoria da evolução de Charles Darwin, sempre presentes nos quadros e livros da dupla que se completa pelas nuanças agridoces oriundas da perda da vida. É um filme que corrói os sentimentos e mostra toda sua angústia dilacerante advinda da morte à espreita em forma de um poema dolorido e perturbador; como reveladora a bela cena dos jovens na floresta que é utilizada como símbolo da paz e do aconchego, após fugirem dos pretensos inimigos no Dia das Bruxas.

O cineasta muito atento não esquece de dar uma cutucada com o personagem Hiroshi, um japonês em forma de fantasma, que surge logo após ser mencionado o episódio da bomba atômica lançada pelos EUA sobre Nagasaki, como bem evidencia a película pela sua presença constante. Apresenta-se no epílogo de fraque e cartola para o momento sublime, pois sempre esteve ao lado do inseparável amigo em todos os acontecimentos, numa espécie de anjo da guarda espiritual para aconselhamentos. Não o deixaria agora agonizando sem ajuda, diante de uma necessidade premente e indispensável, fruto de uma solidariedade dos que já partiram.

Inquietos é um filme magistral pela beleza plástica das imagens mesclada com a dor e o sofrimento do casal. É eloquente e marcante com traços pela perda absolutamente esperada, diante de um realismo pessimista e com poucas esperanças que vicejam a trajetória de dois jovens perdedores com poucos episódios de felicidade, mas aproveitados até onde foi possível.

Talvez o mais maduro e enxuto filme de Van Sant, marcado pela extrema sutileza dos gestos, afastando a pieguice desmesurada e soltando a emoção bem dosada com o clamor dos que lutam até o fim. Embora o otimismo esteja longínquo e a realidade misture-se com a delicadeza contraditória dos funerais e cemitérios visitados mesclado com bons momentos da doçura da vida. É uma obra maior e quase que inigualável na sua temática, uma das melhores realizações passadas nas salas do Brasil em 2011, embalada pela música "Two of Us", dos Beatles.

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