quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Leite e Ferro















Cotidiano das Presidiárias

Leite e Ferro é uma narrativa em formato de documentário das vidas de algumas detentas no Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa- CAHMP-, em São Paulo, no ano de 2007. O local foi fechado alguns meses após as filmagens e as 70 mulheres com seus respectivos filhos foram realocadas em centros hospitalares. Venceu nas categorias de melhor direção e documentário no Festival de Paulínia de 2010. A direção é da estreante Cláudia Priscila, formada em jornalismo, antes dirigiu os curtas Parachacal (2001), Sexo e Claustro (2005) e Phedra (2008), e recentemente, junto com Kiko Goifman, dirigiu seu segundo longa Olhe Para Mim de Novo (2011), vencedor do prêmio especial do júri para documentário no Festival do Rio.

A trama enfoca o período das presas na fase do aleitamento, onde as crianças têm menos de 6 meses, sendo que com esta tenra idade são retiradas do convívio materno e literalmente depositadas em instituições de menores, sem o acompanhamento ou visita das mães, que sequer podem optar ou indicar uma amiga ou parente próximo para ficar com a guarda. São encaminhadas à adoção de forma abrupta, como ficou bem frisado nos relatos. As presidiárias falam sobre tudo, inclusive sobre os motivos que as levaram até o cárcere e a maioria é por envolvimento com tráfico de drogas, discutem a violência da polícia, os desejos sexuais e a fidelidade para seus amores bandidos; outras se mostram religiosas e cantam músicas evangélicas positivas e tentam converter as colegas.

Cláudia Priscilla peca ao deixar a câmera à deriva para captar as imagens e em alguns momentos o longa fica solto demais, parecendo uma feira livre, onde todas as mulheres falam e pouco se entende, num som captado direto e de péssima qualidade, quase que inaudível. Outro equívoco da cineasta é a tomada excessiva de closes, excedendo o limite tolerável para um bom cinema, afastando-se da realidade e do núcleo da linguagem propriamente dita. A câmera passeia dezenas de vezes pelo mesmo corredor, do início ao fim, deslocando-se pelas portas, como a induzir e ilustrar a limpeza do chão e das aberturas no Centro. Fica a sensação de um ambiente de SPA, nem de longe lembra os terríveis e infectos presídios imundos do Brasil.

O tema é complexo, mas pela ótica distorcida da diretora não necessita de muita mudança, numa abordagem vazia de conteúdo, salvo algumas exceções, como o destino dos recém-nascidos após completarem os 6 meses. Impossível fazer qualquer comparação na temática, pois poderia parecer um sacrilégio, com o magistral Leonera (2008), de Pablo Trapero, um drama argentino contundente e viril, que esbofeteia os espectadores e atinge como um soco no estômago, perturbador e denunciante dos horrores do sistema penitenciário do país vizinho, numa cadeia específica para mães e grávidas sentenciadas. Um retrato quase documental de uma mulher em sua jornada para continuar vivendo dignamente na nova fase de sua vida e que muda sua maneira de encarar o mundo, de lidar com sua mãe, de reconhecer o amor. São lançadas reflexões sobre a Argentina, sobre a maternidade, sobre a forma como as coisas devem ser.

Mas pela visão perceptiva induzida em Leite e Ferro tudo estaria aparentemente bem e pouco deve ser mudado ou demonstrado como problema crônico, há inclusive uma prisioneira afirmando, sem ironia, que seu companheiro é partidário da prisão, pois a vida por lá é bem melhor, não há a necessidade de se preocupar com a alimentação, luz, água e habitação. Ou seja, estaria o conforto ao alcance das mães? Embora uma outra mulher mencione timidamente que o bom mesmo é estar livre e com o afeto da família.

O documentário é pouco elucidativo como crítica social e se perde nos diálogos excessivos e confusos por serem pueris, num tema instigante e que renderia mais se fosse bem explorado por um diretor mais ambicioso. Leite e Ferro ficou emperrado no discurso vazio e inconsequente, diante de uma profundidade rasa em que é abordado. Sucumbe com todas as pretensões para um filme de maiores amplitudes sobre a fase do aleitamento após darem à luz e a condição das presidiárias com seus filhos no cárcere.

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