quarta-feira, 25 de agosto de 2010
A Origem
Perigos da Mente
O instigante longa-metragem A Origem, dirigido com habilidade por Chistopher Nolan, o mesmo de Amnésia (2000), O Grande Truque (2006) e Batman- O Cavaleiro das Trevas (2008), inova numa metalinguagem cinematográfica de forma satisfatória na sua estética, abordando os perigosos e tortuosos caminhos da mente humana, nos seus intrincados labirintos ainda não descobertos totalmente pelo homem, numa combinação de suspense e entretenimento, assumindo de vez o cinema-espetáculo.
O filme tem como mote inicial a perda ou busca da esposa Mal (Marion Cotillard) pelo seu marido que é segurança da mente Cobb (Leonardo DiCaprio- em mais uma grande atuação, mostrando maturidade e dramaturgia em grau de quase perfeição), que tem como missão principal plantar ou inserir uma ideia na cabeça do herdeiro milionário Fischer (Cillian Murphy), tendo como inarredável parceiro Arthur (Joseph Gordon-Levitt).
A Origem é uma mescla de sonhos e realidade, mas não no sentido trivial e correlato da palavra. É o sonho do sonho e, por vezes, em dosagem multiplicadora que levam o espectador a ficar atento em todos os detalhes e sequências alucinantes imprimidas pelo diretor, revelando criatividade e inteligência acima da média, longe da mediocridade que assola a maioria nos filmes comerciais, numa bela demonstração de audácia, ao juntar a reflexão com o espetaculoso, resultou neste exemplar magnífico de criação cinematográfica.
A falsidade e a ironia estão bem presentes na A Origem, tendo desdobramentos em várias frentes, com cenas típicas de alegorias e metáforas, como nas investigações e espionagens, num tom irônico e até mordaz de bem-vindo aos EUA, na cena do reencontro com a prole que julgava perdida e distante num mundo imaginário dos sonhadores, porém sem a presença desta vez de supostos terroristas, que é um avanço para os críticos mais atilados.
Obviamente que não é um um filme fácil, pois tem na sua hermeticidade o condão para sua fluidez, que com o desenrolar da trama, passa a ser palatável com a desarmonia das cenas, mas que irão se encaixando pelos seus 148 minutos. As inúmeras tentativas de saídas fáceis para as situações apresentadas, logo se dissipam num roteiro bem elaborado. Cabe uma pequena restrição à obra, como por exemplo alguns penduricalhos que poderiam ser dispensáveis na edição e montagem, tal qual a batalha da neve e aqueles personagens moribundos caminhando no teto, com truques já manjados e que não somaram em nada. Efeitos especiais à parte, abusam da tecnologia de trucagens realizadas por digitalização. Apesar do pequeno reparo, é inegável ser um filme essencialmente de autor.
O lado psicanalítico é bem expolorado por Nolan, como na hipnose disfarçada de inserção mental, atingindo um transe extraordinário, levando Cobb e seu assistente-comparsa a diversas e maravilhosas percepções e desvirtuamentos de suas perenes e obstinadas revoluções mentais, visando conclusões, embora paradoxalmente todas inconclusas e dúbias na esfera analítica e perceptivas. O transe de Cobb com Mal e sua luta pela volta ao passado ou origem é alucinante, beirando a catarse sentimental de um futuro que remete ao presente, deixando-o sem saber o que pretende na realidade, numa providencial confusão da realidade com o imaginário sonhado.
O reencontro com a presa já envelhecida e o retorno ao avião, num plano inicial, burlando o equilíbrio e remetendo ao fim, leva à loucura visceral daquele ser perdido nos seus objetivos, já metamorfoseado na criatura que tem agora o obsessivo regresso ao estado quo. Tem nas viagens pelos labirintos mentais mostrando os perigosos e assustadores caminhos, numa descoberta magnífica como na cenas das duas crianças sem rosto no início, mas em seus estados de extrema candura ao se ver os rostos angelicais correndo nos jardins verdejantes da residência, faz alusão ao trepidante filme O Iluminado (1980), de Stanley Kublick, pelas visões e alucinações do passado daquele hotel.
Mas Colan também busca sua inspiração maior nos filmes do mestre David Linch, como Cidade dos Sonhos (2001) e Império dos Sonhos (2006), sem o clima fantástico do mestre dos mestres, evidentemente, num exercício claro da magia ilusória do pensamento de personagens visionários criados com maestria pelo velho Linch. Também há referências a Brilho Eterno de Uma Mente (2004), de Michel Gondry, neste até com superioridade; ainda a ser citada a maravilhosa obra-prima O Ano Passado em Marienbad (1960), do genial Alain Resnais; novamente aparece Stanley Kublick, desta feita com 2001- Uma Odisseia no Espaço (1968), bem como existe o universo do imaginário fantástico do terror psicológico de O Anticristo (2009), de Lars Von Trier, que abordou as divagações pelo universo da culpa e responsabilidade, mesclando com a loucura imposta pela irresponsabilidade da terapia do marido terapeuta. Dá para se dizer que A Origem é transcendental no seu todo e perturbador na sua proposta, pelos requintes de irracionalidade e perversão, onde um mundo cada vez mais competidor e tresloucado é questionado na entrelinhas, como na metáfora do filho que busca a herança do patriarca e recebe do cofre a revelação escrita para que seja apenas ele mesmo e não queira ser seu pai.
A inevitável busca de um tesouro em segredo e as supostas sessões de tortura para revelar a senha codificada, assim como a tentativa ferrenha de Cobb para se libertar de um pacto fatídico enlouquecedor, conduzem o filme para um final inesperado pela tensão no ponto certo, embaladas pela lindíssima canção de Edith Piaf "Non, Je Ne Regrette Rien" (não me arrependo de nada) - homenageando Marion Cotillard que interpretou a cantora num longa de 2007 e interpreta Mal como a esposa perseguida e perseguidora- como mola propulsora que conduz e dá o tom da dramaticidade com requintes de uma pseudoficção, se constrói e se revela num dos mais eloquentes filmes deste ano, tornando-se obrigatório pela sua temática e metalinguagem deste cineasta que faz um mergulho no inconsciente desconhecido de um universo inexplorado, como o dos sonhos e dos devaneios tortuosos da mente, afirmando-se como um dos mais promissores e admirados da nova geração, este londrino nascido em 1970, que faz carreira no cinema americano.
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