segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Uma Noite em 67



Histórica Noite

A grande final da 3ª. edição do Festival da Record, realizada na noite de 21 de outubro de 1967, é retratada no documentário Uma Noite em 67. Dirigido com simplicidade e sem perfumaria por Renato Terra e Ricardo Calil, sendo uma boa surpresa o trabalho destes neófitos diretores. O documentário reabilita e renova aos espectadores os memoráveis festivais de música popular brasileira na antiga Rede Record de Televisão, palco que serviu para lançamento de artistas iniciantes e promissores como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que mais tarde formaram o Movimento Tropicália ou Tropicalismo, com Gal Costa e Maria Bethânia, onde realçava-se as roupas coloridas e diferentes do que ditavam a moda na época, tendo nos comportadinhos Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo seus fiéis seguidores, trajando smokings e com aparências de bons moços dentro de uma formalidade para as apresentações noturnas impostas.

No transcorrer do filme se anunciam os mocinhos, a heroína, os ditos homens maus, tal qual uma luta livre ou bom faroeste. Caeteno revela que sua música Alegria, Alegria, onde menciona a Coca-Cola, Brigite Bardot e bombas não tinham conotações políticas, tendo composto porque era moda falar tais palavras e buscou inovação na guitarra de um grupo argentino o equilíbrio para a canção, redundando no extraordinário sucesso até hoje, solicitado ainda em seus shows. Nos relatos e na confissão de Gilberto Gil, fica evidente na juventude sua ojeriza ao público e seu estado de pânico ao entrar no palco para defender a canção Domingo no Parque, juntamente com o grupo Os Mutantes, tendo seus componentes, inclusive Rita Lee e Arnaldo Batista, forte influência e clara alusão aos Beatles, nos seus cabelos com franjinhas na testa.

Chico Buarque apresenta com o conjunto MPB4 a bela canção Roda Viva, mesmo afirmando que não havia protesto, claramente se percebe nas entrelinhas seu desabafo, tanto é que faz menção a um general que lhe diz "que ele só compõe porcaria", bem como era chamado de o garoto do smoking, rotulado assim pela sua maneira de vestir-se. Ficou sozinho em defesa da música popular brasileira contrário aos Tropicalistas da Bahia. Já Edu Lobo, o outro bom mocinho, foi o grande vencedor deste festival com Ponteio, coadjuvado por Marília Medaglia, observa e reflete que "na realidade eram como cavalos, pois havia apostas para quem iria ganhar os festivais".

Irônica ou propositalmente, na estrofe de Ponteio, havia referências a Sérgio Ricardo que quebrara o violão e jogara na plateia, com "jogaram a viola no mundo" e "quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar". Mera coincidência ou pura armação dos realizadores do Festival? Eis a questão trazida ao debate, que fica sem resposta, tendo a negativa veemente dos organiadores do evento. O que é fato é a estrondosa vaia dirigida ao compositor Sérgio Ricardo, que tentava apresentar a música Beto Bom de Bola. Num lance memorável, extremamente nervoso, depois de pedir e implorar várias vezes para deixarem cantar sua melodia, sob estrondosa vaia, quebra literalmente o violão na cadeira e arremessa na plateia, com força e ódio, numa explosão de revolta, entrando para antologia dos fatos pitorescos dos festivais. Hoje, mais velho e dedicado à pintura, não se arrepende e faria de novo.

O documentário mostra a passeata dos movimentos contra a guitarra elétrica, porque ao vir da Europa era amaldiçoada e execrada pelos simpatizantes do comunismo contrários ao capitalismo chamado de selvagem. O jornalista, escritor e crítico musical Sérgio Cabral- pai do atual governador do Rio de Janeiro- revela todo seu arrependimento e até acha graça daquela idiotice outrora. Havia uma ideologização pela busca de um novo movimento, como aconteceu com a Tropicália, que conflitava com a MPB, a Bossa Nova e a Jovem Guarda. Uma grande efervescência musical contrapondo timidamente com o ápice da ditadura militar daquele ano. Os tempos eram duros e não poupavam ninguém, mas os festivais pululavam e incendiavam o povo nas grandes noitadas na televisão, comandados por Reali Júnior e Cidinha Campos, arrebatando audiências fantásticas no embalo musical, pois as novelas não tinham o poder de persuasão e contundência dos dias de hoje.

O delírio do público era evidente e se dividiam em vaias e ovações. Eram períodos de uma juventude sufocada pelo sofrimento do silêncio, corroídos pela mordaça que impedia a livre manifestação. Explodiam suas gargantas em vaiar como válvula de escape e ecoavam em gritos de contrariedade contra um regime autoritário pela opressão que anestesiava aquela geração, como metáfora da liberdade. Os próprios artistas se diziam atordoados e visivelmente desconheciam a realidade e o momento político e social em seu país naqueles anos de chumbo. Roberto Carlos surge com Maria, Carnaval e Cinzas, já dando mostras do reinado que iria assumir, naquele sambinha com pouco conteúdo, mas de muito embalo.

Uma Noite em 67 resgata uma época em que um evento musical se tornaria símbolo e paradigma de uma geração de jovens amordaçados, tendo no violão quebrado e jogado naquelas pessoas que teimavam em constranger seu intérprete, como a redenção de jovens sem voz para protestar politicamente. Porém, buscam nos gritos contra o artista a simbologia para lavar a alma e expulsar todos os demônios entranhados nos subconscientes reprimidos. Um filme para todas as gerações, tendo como marco histórico a música servindo de fresta para a libertação das amarras de uma juventude anestesiada por uma tirania antidemocrática que assolou todos os brasileiros naqueles anos, ficando na tela como reflexão mais aprofundada.

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