segunda-feira, 30 de agosto de 2010
O Profeta
Instituições Falidas
O longa-metragem O Profeta parte de uma suposta fragilidade dos árabes, tendo no personagem principal toda iniciação e formação no mundo do crime, o jovem imigrante de 19 anos e analfabeto Malik El Djebena (Tahar Rahim), condenado a seis anos de reclusão. O comando da cadeia é de um veterano e intimidador mafioso da Córsega César Luciani (Niels Arestrup), que tem o controle prisional e o poder de mando sobre guardas e demais aprisionados.
O diretor Jacques Audiard de Um Herói Muito Discreto (1996) e o magnífico De Tanto bater, Meu Coração Quase Parou (2005), tem uma visão crítica da falência dos presídios, como aborda a ojeriza e o preconceito racial da França para com seus imigrantes na diversas cenas da película, deixa emergir o ódio e repúdio aos ditos forasteiros e considerados não nativos que buscam se estabelecerem em solo francês, que já fora visto de forma contundente naquele elogiável e desmistificador Bem-Vindo (2009), de Philippe Lioret, aprofundado com dignidade na busca pelo amor quase impossível num país em que a xenofobia está muito presente, deixa aflorar a discussão dos parâmetros de uma política de imigração. Sem esquecer do magnífico Ente os Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet, que além de analisar o núcleo familiar, dá uma aula de reflexão de xenofobia e racismo nos bancos escolares, servindo de microcosmo da sociedade adulta.
Lioret mostrou com clarividência uma hostilidade aos muçulmanos, considerados como sub-raça, já Audiard é mais brando, porém foca sua reflexão no sistema penitenciário corrupto e corrompido pela força do império financeiro do tráfico das drogas e da máfia dos corsos dominante naquela cadeia que deveria reformar, termina por formar com eloquência um delinquente, como uma verdadeira faculdade do crime organizado, funcionando em escalas de graduações como se fosse uma empresa planificada, onde o funcionário segue um Plano de Cargos (diretores, gerentes, administrativos, técnicos e o menos graduado na execução, caracterizado pelo jovem Malik, tendo no comando o veterano Luciani), para atingir os cargos mais altos e almejados pelo talento. Os mais fragilizados são humilhados e assassinados sem a menor clemência, como presas inofensivas.
Mesmo com a qualidade do cineasta francês, dois longas brasileiros refletem com melhor eficiência e relevância os problemas prisionais, como no esplêndido Carandiru (2003), dirigido com lucidez por Hector Babenco e a mini obra-prima Estômago (2007), talvez o melhor filme produzido sobre este tema em nosso país, na última década, com a surpreendente direção de Marcos Jorge, revelando todas as mazelas e falcatruas de um sistema corrupto e fragilizado por falta de uma política prisional capaz de recolocar na sociedade indivíduos que estiveram à margem de um estado de direito. Jorge critica e satiriza este sistema completamente falido, através deste drama moderno que envolve sexo, poder e gastronomia, em que os presos detêm o poder e o comando, atribuindo aos mais frágeis e não engajados tarefas subservientes.
O Profeta mostra o desequilíbrio pelo preconceito racial, através de uma falência dos presídios, conduzindo com algum esmero os contornos e dificuldades dos habitantes carcerários, inclusive com a cena da solitária, resgatada no memorável Papillon (1973), de Franklin J. Schaffner, com Dustin Hoffman e Steve McQueen fazendo papel-título do prisioneiro humilhado, comendo baratas e insetos, causando uma verdadeira catarse nos espectadores, num sistema selvagem e desumano na prisão de segurança máxima na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. As organizações criminosas também foram muito bem exploradas no visceral filme italiano Gomorra (2008), de Matteo Garrone, revelando as consequências para quem se rebela e ousa enfrentar os poderes da máfia.
Mas o prisioneiro Malik exercita-se e leva uma vida praticamente normal, exceto suas saídas para realizar práticas ilegais e dar fim a outros vilões encomendados pelo chefe corso, numa falha quase que imperdoável de Audiard, que não consegue transmitir o horror daquele lugar sem sol, insalubre e imundo. Também as cenas de delírios são artificiais, longe de um clima em que a culpa poderia atuar com mais força, por uma dor intensa e maior, através de uma perturbação psíquica que alterasse os movimentos e um raciocínio lúcido e lógico.
O filme é longo demais, passando de duas horas e meia, tornando-se exaustivo e cansativo pelo seu desenrolar e alternância gradual de movimentos com entradas para ações e enlaces dos grupos dominadores. Fica um clima de déjà vu, apesar do esforço reconhecido do diretor, peca por detalhes, como na falta de emoção, beirando a letargia em várias cenas. Não alcança o ritmo e objetividade como de Leonera (2008), do extraordinário filme argentino de Pablo Trapero; nem se aproxima dos resultados meritórios de Alcatraz (1979), de Don Siegel. Sequer pode ser comparado ao Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola, que veio dirigir depois Parte II (1974), concluindo a trilogia com a parte III (1990), dando um banho de qualidade nas cenas de execução pelas ruas da Itália, consagrado como a legítima obra-prima da cosa nostra.
Mesmo com algumas irregularidades e de uma estética já bem conhecida e batida nos cinemas, como prisioneiros numa cadeia, sendo fácil encontrar temas similares no cinema, o longa tem seus méritos indiscutíveis, alcança uma boa performance, embora fique devendo em muito para uma evolução de linguagem, revela algumas virtudes como em apontar os já contumazes preconceitos raciais da sociedade francesa e a hostilidade sem eufemismo contra os imigrantes, especialmente no que se refere ao mundo árabe. Se não é um grande filme, deixa alguma perturbação à arrogância e a fleuma de seu povo para com os imigrantes e referendando a falência do sistema prisional.
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