segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Mostra de Cinema São Paulo (A Fita Branca)











A Fita Branca

Já em Caché (2005), o cineasta austríaco por adoção e alemão por nascimento Michael Haneke aborda as questões intrínsecas ao mistério de uma fita de vídeo enviada para a casa de uma casal francês que está sendo vigiada. Porém em A Professora de Piano (2001), seu talento fica mais evidente na personagem de uma professora que instiga pela perversidade latente naquela misteriosa educadora de música com gostos estranhos. Agora em A Fita Branca, ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2009, sua lucidez com a parábola sobre o nazismo, que em breve se alastrará pelo mundo, fica estigmatizado sutilmente.

O longa-metragem tem como cenário uma aldeia de protestantes na Alemanha, em 1913, antes da disseminação do nazismo por Hitler, às vésperas da I Guerra Mundial, com uma semelhança enorme pela estética e o formalismo das cenas de Luz Silenciosa (2007), de Carlos Reygadas. Fatos misteriosos começam a acontecer entre os moradores, como um fio que quase degola o médico e uma mulher que morre de maneira estranha na empresa do Barão, uma espécie de Führer pela sua conduta autoritária e centralizadora e seus problemas de relacionamento com a baronesa que busca sua liberdade e a do filho que vivem naquele ambiente inóspito.

As crianças apresentadas como inocentes- os filhos do pastor usavam a fita branca para mostrarem e celebrarem a inocência que não poderia ser perdida- que de inocentes pouco tinham naquele vilarejo de hipocrisias e mentiras, numa caracterização como a do médico que se relaciona com sua filha incestuosamente, tem um filho deficiente com a parteira, alvo de chacotas e ameaças de vida. Sua mulher morta leva a uma reflexão do instinto da morte planejada ou por acaso. A filha teria alguma responsabilidade na disputa pelo pai.

Outro personagem contraditório é o pastor que se denomina de pregador religioso, embora suas atitudes de educador descambe para a violência e a humilhação em público dos filhos, atraindo a revolta e a vingança pela mutilação de um pássaro de estimação. No filho menor existe ainda a esperança de vida e beleza poética nos seus diálogos com palavras de interrogação e afeto com o pastor-pai.

É evidente que o rigorismo da religião serve como mote para o desenrolar da trama, propiciando questionamentos como o extremo ardor pela ordem com o inaceitável deslize, sendo muitas vezes respondido com bofetadas nos rostos daquelas crianças angelicais na imagem e demoníacas nas atitudes. A intolerância está presente em cada ato, não se admitindo a masturbação dos filhos, com ameaças de que estariam adquirindo uma doença fatal, mesmo que os instintos da natureza da juventude assim determinassem.

A ordem social não poderia ser minimamente ameaçada, para que uma reunião se fizesse presente e o barão, ou o Führer, conclamasse aos moradores- quase todos seus empregados-, para que os entregassem, com o intuito de serem retirados do convívio da aldeia, mantendo a punição do ritual. Enquanto isso fatos misteriosos continuam a eclodir e as vidas daquele meio hostil e nada hospitaleiro entram em ebulição, com incêndios, torturas e perseguições no trabalho são contadas didaticamente na primeira pessoa pelo professor do coral de crianças. Nem a música é respeitada, pois as aulas são interrompidas pelas autoridades que submetem os menores a verdadeiros interrogatórios de inquisição nazista.

A conclusão do filme embora sugira a solução, pode também esconder os verdadeiros autores intelectuais das atrocidades. Isso pouco importa, pois a bela parábola constrói e lança suas farpas para serem refletidas, por ser um relato histórico perturbador, digno de prêmios, ainda que o contexto total do longa seja menos denso do que o sugerido.

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