quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Mostra de Cinema São Paulo (Seguindo em Frente)
















Seguindo em Frente

As relações familiares são confusas e têm suas peculiaridades intrínsecas que norteiam as vidas e suas passagens, com seus segredos e ressentimentos. Eis o mote deste magnífico microcosmo apresentado no Seguindo em Frente, do japonês Hirokazu Kore-eda, que tem na sua filmografia os instigantes Maborosi (1995), Depois da Vida (1999), Ninguém Pode Saber (2004) e Hana (2006).

O drama familiar está presente com suas singularidades, revelações e preferências da família que atingem em cheio os espectadores. De uma reunião para celebrar a morte de Junpei, filho mais velho, acontecida há 15 anos, muitas revelações vêm à tona e arrebatam sem pieguices o âmago da alma daqueles membros doloridos pela perda misturado ao ciúme entre irmãos, filho e pais, esposa e marido, de forma avassaladora como um míssil no coração.

Os valores culturais são cultivados quase sem questionamentos, como na última cena, onde é colocada água na sepultura dos pais que recém os deixaram, prática esta ensinada na comovente cena da velha mãe que num dia escaldante de verão, põe minuciosamente o líquido para aliviar o calor do filho nunca esquecido, mesmo que já não mais esteja entre os vivos, mas a memória e a sua presença são uma constante e a preservação faz parte do ritual, assim como visto no excelente A Partida (2008), de Yojiro Takita, sobre a celebração da morte com suas nuanças.

O segredo das borboletas amarelas é intrigante e elas perseguem aquelas desorientadas pessoas por ondem andam, como no cemitério, no interior da residência ou pela bela alameda constituída de uma enorme escadaria sinuosa e de árvores frondosas fazendo a sombra, com o mar ao longe servindo de painel para a beleza plástica daquele aconchegante lugarejo, salpicado por ruelas minúsculas e seus pássaros cantando radiantes à espera do tempo passar.

Se o filho Ryota sente o peso da responsabilidade do velho pai, um médico aposentado, à procura do sucessor na medicina, até mesmo naquele menino que ele chama de não neto legítimo, por ser filho da viúva e vista à distância como nora, pois a irmã é uma fútil e destrambelhada, que ignora a convivência entre parentes, dedicando-se apenas aos seus afazeres profissionais e seu esposo.

Em outro momento marcante, há a cena da volta, já com uma filha que seria de verdade, como alegado outrora, para aquele lugar de lembranças, lamenta-se por não ter podido realizar os sonhos acalentado no seio familiar: como ir ao futebol com seu pai, ainda que de relações estremecidas e de não ter dado uma singela carona de carro para sua mãe, uma pessoa surpreendente pelas comidas que se dedicava e fazia com extrema sensibilidade, contraditoriamente com as revelações de ódio e vingança contra o jovem gordo e pivô da morte de seu amado e predileto filho, ao salvá-lo de um afogamento imininente, chamado de imprestável pelo médico aposentado, deixam estupefato e ainda mais pessimista Ryota para um convívio salutar, além do incômodo que parece ser sua existência na célula daquela família desagregada. Impossível conter uma lágrima docemente rolando pelo rosto, diante da ternura da imagens.

O diretor demonstra as fortes ligações com o velho mestre japonês Yasujiro Ozu, morto em 1963, um preocupado cineasta com as intrigantes relações interpessoais e os dramas familiares, bem com a tradição cultivada, embora a modernidade invadindo os costumes no Japão seja uma realidade, entrando em choque cultural, diante dos novos tempos que se avizinham e estão cada vez mais presentes, tais como Jupey, o filho falecido tragicamente que nunca aparece. Permanece apenas as lembranças que se vão e a renovação familiar como bem estimula a última cena deste sensível e imperdível filme de Kore-eda, de beleza lírica constante constrastando com os ressentimentos que se expõem como vísceras abertas.

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