As Escolhas
Woody Allen reaparece no início deste ano em sua trajetória de comédias de costumes dramáticas, mantendo-se fiel no sarcasmo e na sutil ironia fina como marcas registradas de sua extensa filmografia, por ser um dos melhores cineastas em atividade no mundo. O Festival do Amor é o 51º. longa-metragem do diretor e roteirista que nos remete para a lenda do vinho: “Quanto mais velho, melhor”. Reprisando elementos dos filmes anteriores: Roda Gigante (2017), Café Society (2016) e Homem Irracional (2015), novamente não atua, mas mantém o vigor e a capacidade de construção de um cinema voltado para as inquietações angustiantes do cotidiano e a análise dele mesmo através desta boa história de amores e desamores contextualizada no Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, na Espanha, nesta linda cidade turística na Baía de Biscaia, no montanhoso País Basco. Mescla elementos de pessimismo com algum otimismo, passando uma realidade distante com devaneios que desembocam em pesadelos, pela narrativa de relacionamentos extraconjugais que acabam influenciando a dinâmica do casamento do casal protagonista. Em meio das tensões românticas com traições e descobertas, o longa explora um debate sobre os caminhos do próprio cinema e suas manifestações políticas indo ao encontro da arte, com posições e divergências dos personagens acerca da temática.
A penúltima realização deste incorrigível cineasta romântico-nostálgico
foi Um Dia de Chuva
Numa visita à filmografia de Allen, Zelig (2003) é uma de suas das obras-primas; bem como se vislumbra
uma retomada do inesquecível A Rosa
Púrpura do Cairo (1985), talvez seu maior filme, naquela que se consagrou
como cena antológica do cinema, a saída do herói da tela indo ao encontro da
garçonete que assiste pela quinta vez a película para fugir do martírio de sua
vida sem graça. Porém, O Festival do Amor,
assim como as realizações anteriores,
tenta se aproximar de suas melhores obras ao focar nas perturbações
existenciais do escritor em crise de criação, hipocondríaco e neurótico.
Critica o cinema atual pelos favorecimentos à indústria cinematográfica
decorrente de uma forte influência econômica de transformação do mercado. Defende
e imagina em devaneios a gradiloquência dos mestres europeus a quem faz
tributos, tais como: Fellini em Oito e
Meio (1963), John Ford em Rastros de
Ódio (1956), Orson Wells
Uma comédia deslumbrante visualmente pelo fascínio da
fotografia do italiano Vittorio Storaro três vezes vencedor do Oscar: O Último Imperador, Apocalypse Now e Reds, já
havia feito parceria com Allen
O Festival do Amor tem uma harmonia paradoxal na essência existencial, mas principalmente na felicidade rompida do sonho pela realidade traiçoeira do destino. É difícil apontar, ou achar, algum defeito deste veterano de 86 anos que constrói mais um filme revelador, através de planos longos com aproximações e afastamentos da câmera no ponto certo para observar os personagens inquietos pelas andanças e desatinos do cotidiano. Um mergulho de boa profundidade nos relacionamentos despudorados, nas traições com método de sedução convencional ou não. As relações interpessoais e os romances fracassados servem de alicerce para explorar uma narrativa densa e presente como uma fórmula repetida que deu certo. Os personagens de Allen muitas vezes são reescritos, às vezes com razoáveis resultados, e em outros se superam. Mais uma vez parte dos desajustes do amor e da paixão para ingressar na melancólica solidão do amargo romance, como no desfecho que o coração direciona o caminho da agridoce desilusão amorosa, decepções e sofrimentos do sonho. Regado com apreciável sutileza e ironia a analogia pertinente nas colocações para armadilhas lançadas com primazia no enredo, como típicas características da sensibilidade do velho mestre.
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