Elegia do Amor
Assim como no longa-metragem Abismo Prateado (2011), do diretor cearense Karim Aïnouz, que foi baseado na canção Olhos nos Olhos de Chico Buarque de Holanda, que compôs e gravou em 1976, Faroeste Caboclo (2013) também se inspirou numa música, que empresta o nome ao título do filme, lançada em 1987 pelo grupo Legião Urbana e composta por Renato Russo. Foi uma adaptação livre para o cinema do diretor estreante na época René Sampaio, sem se preocupar com a fidelidade absoluta da letra, acabou por se dar bem no resultado final de uma alegoria sobre a corrupção e os escândalos no Distrito Federal, embora com algumas obviedades no roteiro sobre a vingança e a raiva de um negro pobre, sem se aprofundar, permanecendo mais na superficialidade das contradições. Em seu segundo longa-metragem, com lançamento previsto inicialmente para 2020, mas adiado por conta da pandemia, Sampaio segue o mesmo caminho anterior, ao adaptar para a telona a cultuada música Eduardo e Mônica, também de Russo, de quatro minutos e meio para duas horas. O roteiro segue fielmente o desenrolar da letra com a assinatura por dez mãos, de Matheus Souza, Claudia Souto, Michele Frantz, Gabriel Bortolini e Jessica Candal. Conta a história de uma relação improvável de um grande amor incondicional e o sofrimento de um casal que precisa superar as diferenças de idade, social e cultural.
A trama é ambientada em Brasília, no ano de 1986, quando do lançamento do disco da banda brasiliense Legião Urbana, com homenagens e eventos emblemáticos de um período pós-ditadura (01 de abril de 1964 até 15 de março de 1985). Em um dia atípico, uma série de coincidências leva Eduardo (Gabriel Leone- apenas aceitável, pois cantando esteve melhor que interpretando) a conhecer Mônica (Alice Braga- numa atuação arrebatadora, ilumina a tela com seu sorriso e o fascínio magnético de uma grande atriz no auge da carreira com todos os seus recursos técnicos, em um de seus melhores papéis), tendo como pano de fundo uma festa da diversidade. Um amor despertado nos dois, embora completamente diferentes, eles se apaixonam e não se desgrudam mais. Além da discrepância de idade entre os dois, com gostos diferentes, tudo se encaminha para uma relação incompatível que deveria durar poucos meses. Ele não tem muito objetivo de vida, não é muito chegado nos estudos e no trabalho, mas tenta passar em engenharia no vestibular, não pretende sair do Planalto Central, onde mora com o avô (Otávio Augusto), um ex-militar conservador, homofóbico, que sente saudades e tece loas ao regime ditatorial. Ela é uma médica residente que sonha em trabalhar e morar no Rio de Janeiro, que tem como severa professora na faculdade, a própria mãe (Juliana Carneiro da Cunha).
O cineasta, que está bem mais maduro e criativo neste seu segundo filme, e já promete uma terceira adaptação musical para fechar a trilogia, aborda com delicadeza e sensibilidade esse amor que precisará amadurecer e aprender a superar os contratempos das diferenças nos encontros e desencontros amorosos que permeiam esta admirável comédia romântica. O casal ainda terá que lutar contra o preconceito etário visto pelos outros, bem como transpassar o discurso e as atitudes do avô. O rapaz mergulha em um intenso processo interno de descoberta existencial para tentar lidar com seus sentimentos marcados por uma educação rígida de outrora. As diferenças culturais distintas entre dois são retratadas no painel da atmosfera criada desde o encontro inusitado. São os mecanismos de manipulação e a culpabilização arraigados que passam despercebidos, no qual a turbulência se estabelece marcada por uma educação típica de um microcosmo familiar que entra em choque diante de revelações e experiências nunca vividas num relacionamento de pessoas opostas.
Eduardo e Mônica é um filme que trata do romantismo com sutilezas, discussões e debates pelos espaços de cada um que não devem ser invadidos. Sem se afastar das questões sociais e culturais, enquanto a canção fala que Eduardo sugeriu uma lanchonete e Mônica queria ver o filme do Godard, no belo diálogo dos dois, ela pede para irem numa Mostra de filmes da Nouvelle Vague, mas ele com sua ingenuidade pergunta se estão passando novelas no cinema. Os diálogos estão no ponto certo sem histeria, distante das velhas comédias anacrônicas de lirismos exacerbados que descambam para o intragável pieguismo. Sampaio conduz com equilíbrio os dias marcados por desatinos e transtornos do casal, embora haja poucas esperanças de um happy end, o filme é levado com um bom clímax de expectativa até o agradável epílogo. Os quatro minutos e meio da belíssima canção cantada no epílogo com os créditos são o complemento necessário e delicioso da obra, e faz com que o espectador permaneça até o letreiro final sair da tela ouvindo: “E quem um dia irá dizer, Que existe razão, Nas coisas feitas pelo coração?, E quem irá dizer, Que não existe razão?”. O desfecho deixa um bálsamo acalentador nos corações dos espectadores em tempos tão duros de negacionismos com ameaças de retrocesso institucional proporcionado pelo conservadorismo grotesco, como forma de reflexões pertinentes e provocativas da energia e do magnetismo de um amor intenso e efervescente.
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