O Monopólio
O drama A Ovelha Negra
(2015), do diretor islandês Grímur Hákonarson, venceu a Mostra Um Certo Olhar
no Festival de Cannes, em 2015, e foi indicado para representar a Islândia no
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2016. Retratava de forma comovente a
relação estremecida de dois irmãos septuagenários, que não se falavam por 40
anos, correspondiam-se por mensagens em bilhetes escritos à mão, sendo levados
ao destino por um cachorro, uma espécie de pombo-correio. Surge uma violenta
determinação do governo para a eliminação de todo o rebanho de ovinos da
família, após ser constatada uma doença contagiosa nas respectivas fazendas
deles e de alguns vizinhos criadores da espécie, onde a população de ovelhas é
maior que a dos seres humanos. Num relato comovente do modo de sobrevivência de
um povo, que sugeria e remetia para uma alegoria daquele país decorrente da
avassaladora crise financeira mundial de 2008, que abalou várias nações
europeias e nas Américas, deixando um rastro de desemprego como poucas vezes
visto.
Como um prosseguimento da realização anterior, embora menor,
Hákonarson cria uma atmosfera tensa em A Resistência de Inga, diante da iminente falência do
sustento familiar de uma fazenda e traz como reflexão literal o monopólio de
uma cooperativa de criadores de bovinos. Inga (Arndís Hrönn Egilsdóttir- de
estupenda interpretação) é uma fazendeira de meia-idade em uma pequena
comunidade, que após a morte de seu marido Reynir (Hinrik Olafsson), onde ele é
o responsável pela administração do patrimônio. A corajosa mulher irá sacrificar
seu sustento para dar um basta na corrupção que campeia livre e na injustiça do
trabalho dos cooperados num drama humanista de denúncia, destemor e com
confrontos radicalizados. Toma frente da gestão de seus negócios de maneira
decidida para começar uma nova etapa em sua vida, pois os filhos emancipados
moram em outra cidade. Sabe que é uma luta difícil por ter pessoas poderosas no
comando da única cooperativa daquele condado. Mas não desiste de brigar pela Dalsmynni,
a fazenda de gado leiteiro familiar de muitas gerações, como em manusear
sozinha um parto complicado de um bezerro. Enquanto o marido era vivo, as
dificuldades financeiras já eram enormes, pois não tiravam férias há três anos,
numa rotina de cansaço permanente. À noite, trocavam algumas palavras e iam
dormir para despertarem cedo no outro dia de intenso trabalho.
A morte de Reynir no acidente de caminhão na estrada em condições
duvidosas e nunca esclarecidas, com alguma probabilidade de um suposto suicídio, foi brutal para Inga. As revelações de que ele era um delator para a
cooperativa, dedurando quem não vendia leite e quem não comprava os insumos,
por ser vítima de coação, numa forma de pressão sem saída, sob pena de ver a
falência e o despejo de sua fazenda serem uma realidade pelas dívidas
acumuladas. Estas circunstâncias agiram como ingredientes para uma combustão de
rebeldia que explodiu e fez da protagonista buscar justiça em uma cruzada
contra as forças detentoras do poder sufocante e opressor com requintes de
crueldade nas perseguições, ameaças e terror pelos dirigentes daquela entidade.
A concorrência não era estimulada e a oposição era ameaçada, até que Inga
começou a publicar no Facebook as falcatruas existentes daquele sistema
corrupto e violento, comparando com a máfia italiana corroída pelos seus mentores
desonestos. Foi um duro golpe desferido no monopólio pela viúva dissidente, que
desencadeou em outros episódios a perda de controle como elementos contundentes
retratados de uma realidade estúpida, como na reveladora cena do trator levando
toda a produção de leite para jogar no chão e nas paredes do prédio dos
cooperados, muito bem construída pelo realizador. A imprensa é atraída para
aquele lugar conflitado, de uma aparente falsa calmaria, para retratar de maneira
imparcial a cobertura midiática televisiva diante dos desdobramentos e as
ligações do fato para uma batalha com retaliações à criadora simpática e
inofensiva em uma inimiga do povo do condado, pela ótica dos detentores do
poder. A criação de uma segunda cooperativa somente para os criadores de vacas
leiteiras é refutada veementemente pelo monopólio e outra luta com farpas e
divisões são estabelecidas em um clima de guerra, num duelo de Davi e Golias.
Um vigoroso drama com uma trilha sonora adequada e condutora
do epílogo surpreendente, para um desfecho com certo otimismo naquele ambiente
perverso ali encravado. A cultura rural enraizada ligada ao espírito do nacionalismo
em choque com os valores tradicionais explorados pelo Capitalismo estão
evidenciados. Mas há uma luz no fim do túnel surgindo das perdas patrimoniais para
uma virada de um novo horizonte pela perseverança e bravura de uma guerreira no
empoderamento feminino de uma nova mulher, sob o prisma de um destino promissor
que se desenha pelo grito de liberdade individual e econômica como fatores
colocados com rara sensibilidade. Mart Taniel é o responsável pela fascinante
fotografia, em que mostra os contrastes da beleza do inverno com as nevascas
nos campos contrapondo com resíduos e insumos do árduo trabalho no celeiro,
mesmo que a ordenha fosse robotizada pelos avanços tecnológicos para produzir
mais leite, porém as despesas também dispararam e a dívida cresceu. O isolamento
da personagem central cansada, com os cabelos desgrenhados, e um olhar perdido
no infinito da noite silenciosa, para ter uma decisão realista de quem já
perdeu quase tudo, resta a dignidade humana sem arroubos triunfais a ser salva.
A Resistência de Inga proporciona
uma rara oportunidade de se conhecer alguns estilos de vida diferentes dos
habituais que desfilam nas telas dos cinemas, como os aspectos pitorescos
arraigados de uma cultura pouco difundida. O roteiro dá uma guinada na envolvente história, com significativa mudança de rumo
diante dos ânimos acirrados, após um novo episódio na trama que retrata o
impacto das perdas marcantes de uma comunidade dependente da essencial criação
leiteira, como forma de sustento e o meio de vida socioeconômico na região. A
crise se agrava e torna o ambiente mais inóspito e impróprio para aventuras
financeiras, repassando ao espectador o clímax tenso e hostil que estão
presentes. O cineasta faz um belo relato social das sutis armadilhas, com
elementos suficientes para uma primorosa história contada com simplicidade e
situações típicas do cotidiano de uma bucólica aldeia. Eis uma realização
requintada num panorama de brigas permanentes dos personagens envolvidos no
dilema. Há uma intensidade relevante para a narrativa que cresce com a evolução
do enredo para o final redentor e significativo diante dos desmandos e
irracionalidades coercitivos pela intransigência monopolista.
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