Conflitos
Civilizatórios
Escrito e dirigido pelo pouco conhecido cineasta belga
Stephan Streker, que se baseou em fatos reais dos conflitos de civilizações que
pululam entre o Ocidente e o Oriente, realizou com muita sensibilidade este
instigante A Garota Ocidental- Entre o
Coração e a Tradição, numa abordagem imparcial de um rígido núcleo de uma
família muçulmana que entra em processo de desmoronamento justamente pela desagregação
das tradições arraigadas. O diretor deixa fluir seu olhar para as
intercorrências oriundas do microcosmo familiar dos problemas inerentes aos
laços afetivos sobre as divergências dentro do universo de imigrantes
paquistaneses, tanto pelos usos e costumes, como pela tradição e a religião. É
mantida uma coerência bem demonstrada com méritos inegáveis pelos fatores
apresentados e que são desenvolvidos durante a história.
A trama tem como protagonista a jovem paquistanesa Zahira
(Lina El Arabi- de desempenho impecável da estreante atriz francesa), uma
estudante de 18 anos que engravida do namorado também oriundo de seu país de
origem, que rejeita a paternidade e vira as costas para a garota. Tanto o pai
como a mãe e o próprio rapaz querem que ela aborte, o que vai contra os
princípios éticos e morais da futura mãe, que vacila num primeiro momento e
depois refuta a ideia terminantemente, após várias postergações do ato. Tem o
apoio da melhor amiga do colégio, Aurore (Alice de Lencquesaing). O irmão Amir
(Sébastien Houbani) lhe dá apoio inicialmente, mas com o passar do tempo também
adere aos pais, bem como suas duas outras irmãs. O realizador demonstra uma boa
influência da temática sempre bem esmiuçada entre pais e filhos pelos
conterrâneos irmãos belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne, autores dos excelentes
dramas O Filho (2002), A Criança (2005) e O Silêncio de Lorna (2008).
É colocada em xeque a situação conturbada e o clímax que toma
contornos de alta voltagem, quando Zahira é obrigada pelos familiares a optar
por um marido arranjado entre três candidatos paquistaneses que ela jamais os
viu, numa circunstância semelhante da mãe e da irmã que tiveram destinos
idênticos, sem o direito de escolher livremente por amor a seus parceiros. O
dilema aumenta com o transcorrer do tempo, com fugas e retornos à residência. O
pai é cardíaco e sofre com a intransigência conflituosa e delicada com a filha
rebelde, deixando transparecer de modo explícito toda a vergonha arrebatadora perante
a comunidade muçulmana. São evidenciadas no longa a vergonha, a desonra, os
usos costumeiros de uma tradição religiosa abalados completamente diante das
divergências opostas estampadas como paradoxos ao velho mundo ocidental.
Esta coprodução da Bélgica, França, Paquistão e Luxemburgo,
através desta temática pertinente coloca o longa num plano maior, em que a
religião se mistura com as tradições de um povo que reside num país europeu com
outros conhecimentos, outras maneiras de encarar a vida, em que a liberdade de
expressão está acima das manifestações étnicas estabelecidas e avessas a
mudanças diante de suas complexidades afloradas pelas lendas e ritos da qual
não se visualiza uma fresta para uma solução harmônica de lucidez em detrimento
da paixão conservadora. A equidade está acentuada na obra que retrata com um
olhar de dualidade, sem tomar partido ou descambar para a panfletagem,
mantendo-se isenta, distanciando-se de soluções fáceis ou pieguismo barato,
embora a tragédia esteja anunciada nas entrelinhas durante o desenrolar
frenético da trama com o impactante desfecho.
Um filme bem dosado e perturbador num contexto equilibrado
na defesa da liberdade que aponta as incongruências das tradições que afetam os
valores afetivos interpessoais que transformam as pessoas. Um fiel retrato na filosofia
do modo de vida daquele povo com suas regras e rituais próprios advindos de uma
cultura milenar religiosa e o fanatismo exacerbado, esculpido em personagens de
carne e osso que funcionam como elementos essenciais, despidos com
sensibilidade e pouco atentos às mudanças comportamentais em sua aldeia de
origem, através de reflexões com a contundência contumaz sobre o seio familiar,
através deste olhar antropológico pela comunidade muçulmana extremamente
devota, que defende o pragmatismo acomodador do casamento arranjado que culminará
no inevitável choque de pensamentos.
2 comentários:
Legal, queria mesmo ler um comentário desse filme, ja queria ver e agora to mais animado ainda, valeu, muito boa a critica!!!!
Vais gostar Marcelo. Um ótimo filme. Não perca.
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