terça-feira, 18 de julho de 2017

Frantz


O Perdão

O prolífico cineasta francês François Ozon, nome constante em festivais como Cannes e Berlim nos últimos anos, está de volta com Frantz, uma adaptação livre da peça escrita por Maurice Rostand, que já havia sido adaptada para o cinema por Ernst Lubitsch em Não Matarás (1932). Um dos filmes mais badalados no último Festival Varilux, com sucesso de público e visto com entusiasmo pela crítica internacional. O drama histórico recebeu onze indicações ao Prêmio César, o Oscar da França, abocanhando a láurea de melhor fotografia que oscila do preto e branco nos momentos de tristeza para o colorido que pressupõe a esperança fugaz, sem a pretensão estilística, mas como um ingrediente eficiente da narrativa, e ainda agraciou com o prêmio de melhor jovem atriz no Festival de Veneza de 2016 para a bela Paula Beer, pelo seu desempenho irretocável no papel principal como Anna.

Depois dos longas O Refúgio (2009), Potiche-Esposa Troféu (2010), Dentro de Casa (2012) e Jovem e Bela (2013), o diretor constrói um painel contundente ambientado numa pequena cidade alemã, em 1919, após a desastrada Primeira Guerra Mundial, na qual a protagonista chora constantemente no túmulo de seu noivo alemão- que empresta o nome ao título da realização-, morto em uma batalha na França. Porém, num dia qualquer, encontra Adrien (Pierre Niney- magnífica interpretação), um rapaz francês que foi soldado e lutou pelo seu país, que por ironia ou compaixão, também leva flores no jazigo do suposto amigo que teria conhecido em Paris, logo após o revés da Alemanha no conflito bélico, causando repulsa e inflamando ressentimentos hostis da população dos derrotados.

Frantz acompanha e retrata com sutileza a aproximação do misterioso forasteiro e da moça condoída. Ambos sofrem pela perda da mesma pessoa, por situações diferentes e adversas, que se conhecem por acaso no cemitério e iniciam uma busca do passado e seus enigmas ocultos que aos poucos se decifram. O pai da vítima resiste em receber em sua casa um inimigo francês, mas a mãe vê com bons olhos a amizade com alguém que teria convivido com seu filho antes de sua morte trágica. Anna, que reside no mesmo teto com o sogro e a sogra, uma espécie de filha adotada por eles, faz a interação dolorida e tenta conciliar as mentiras e omitir a verdade por ser dura demais para todos. É o desencanto de uma geração que perdeu a juventude nos campos ensanguentados da guerra sem limites, alimentados pelos pais dos jovens que os incentivam e os mandam para morrer no front de forma brutal em nome da pátria, como na comovente cena do bar em que tomam cerveja e lastimam o revés, mas há o protesto como um desabafo angustiado do pai que deixa a pergunta no ar para a reflexão sobre as perdas de seus filhos, num questionamento legítimo e lúcido: Quem são os verdadeiros responsáveis?

Um drama que conta a história dura e cruel sobre a culpa e a busca do perdão dos resquícios logo após a guerra, em que dois países europeus se envolveram e perderam muitos compatriotas pela truculência exacerbada de bestiais interesses econômicos e políticos. Os momentos de prazer e alegria que teriam passado os amigos estão pontilhados em ficções como os passeios turísticos pelo Museu do Louvre e a fixação pelo quadro O Suicida (1880), de Édouard Manet. O encantamento dos pais de Frantz com o amigo estrangeiro desemboca na volta da alegria de viver, construído num imagninário falso de fantasias alegóricas como areias movediças para o esperado perdão de um segredo inimaginável. São situações criadas com esmero pelo diretor na sua versatilidade temática e o aprofundamento de questões instigantes numa trama bem urdida sobre as cinzas que pairam da loucura dos conflitos interpessoais coletivos.

Ozon se utiliza muito bem dos recursos para elaborar um cenário convincente da época em Frantz, como o trem cortando as estradas e seu uivo estridente como um silvo agudo de um animal angustiado que traz para os passageiros a melancolia e a agonia da ausência dos entes queridos próximos, simbolizado no olhar atônito e de tristeza da personagem central em sua viagem em busca da verdade e das revelações que lhe aguardam na aristocrática família francesa, bem como as causas e efeitos que proliferam para o remorso que acompanha o ex-soldado. Não há vítimas e nem algozes, todos são culpados e responsáveis pela chacina dos mortos numa guerra irracional. Um filme dilacerante e imparcial pelo olhar comovente deste realizador surpreendente em seus desenlaces para um reflexivo e perturbador desfecho de muito humanismo durante o luto familiar, os traumas decorrentes, e suas alternâncias com a dignidade questionada como um fardo insustentável e pesado que tomam dimensões estratosféricas.

Nenhum comentário: