terça-feira, 3 de maio de 2016

Ave, César!


Hollywood Revisitada

Os irmãos Ethan e Joel Coen têm um estilo e uma elegância para filmar inerentes e personificados como poucos cineastas na atualidade. Assim foi com o extraordinário Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), inegavelmente a melhor realização deles, abocanhou os prêmios do Oscar de melhor filme, direção e roteiro adaptado; os instigantes Gosto de Sangue (1984) e O Homem que Não Estava Lá (2001); o imprevisível e estonteante Fargo (1996); o remake de Bravura Indômita (2010), longa em que John Wayne obteve seu único Oscar como melhor ator, na versão original de 1969, dirigido pelo mestre Henry Hathaway; a penúltima ficção foi o sombrio drama Inside Llewyn Davis- Balada de Um Homem  Comum (2013), que acompanha a trajetória de uma semana na vida de um jovem cantor folk em 1961. Os diretores já se aventuraram no gênero musical em E aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000). Pode-se discutir se eram grandes filmes ou não, mas jamais seus dotes refinados de fartas sutilezas.

Agora chega aos cinemas Ave, César!, o 17º. longa-metragem da dupla, uma viagem para embarcar na glamourosa Hollywood, dos anos de 1950. Edward Mannix (Josh Brolin) é o protetor das estrelas para evitar polêmicas no famoso estúdio Capitol Pictures. Sua tarefa de executivo é intensa, desde fazer com que os artistas cumpram seus compromissos e contratos profissionais assumidos até abafar eventuais escândalos, vive momentos conturbados quando Baird Whitlock (George Clooney), astro principal da superprodução Hail, Caesar!, é sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada "Futuro", em que terá que trazê-lo de volta de maneira incólume. A proposta é uma sátira divertida à indústria do pós-guerra que se passa em um dia, com elementos e subsídios extraídos de alguns filmes que marcaram época naquele período nebuloso de um clima paranoico sustentado nos pilares do anticomunismo.

Nesta farsa elaborada pelos irmãos Coen, um típico filme dentro de outro, conta com um bom elenco, entre os quais Scarlett Johansson representa uma estrela doidona; Channing Tatum convence como um vaidoso galã; Tilda Swinton está em papel duplo, encarnando as jornalistas gêmeas ambiciosas; Alden Ehrenreich faz um herói abobado que é promovido para atuar como um ator sério de faroeste; Ralph Finnes mergulha na pele de um diretor fino da Europa; Jonah Hill é uma espécie de um “laranja” descontextualizado; Christopher Lambert se sai bem como o cineasta oportunista; Frances McDormand está bem como a montadora desorganizada e desconectada. O objetivo é rechear o enredo com situações simbólicas, com interpretações suaves, marcantes, verossímeis e bem caricatas na essência, durante os 106 minutos de projeção. Uns se saem bem, outros ficam pelo meio do caminho, diante da falta de aprofundamento deste mosaico estabelecido para encaixar num roteiro de altos e baixos que esvazia a narrativa central. O resultado nem sempre atinge o clímax, muitas vezes se dilui por ser picotado demais.

Ave, César! tem méritos no figurino e cenário apropriados, esbanja na reconstrução de época, que embasa com sobras a proposta irônica dos realizadores, na abordagem de um período significativo para o cinema e os reflexos de uma economia e de uma política em tempos áureos ostentados pelo charme hollywoodiano. Está abaixo de outras realizações mais emblemáticas da dupla de realizadores, aproxima-se mais de filmes intermediários de humor mais leve como Arizona Nunca Mais (1987) e Queime Depois de Ler (2008), sem a dose nonsense de Fargo e Onde os Fracos Não Têm Vez. O escracho é contido e por vezes dúbio, como no retrato do capitalismo a serviço do cinema e o eterno embate com o comunismo, representado pelos escritores/roteiristas no evento do sequestro e com a consequente encenação do episódio do submarino russo emergindo das águas e o dinheiro na mala indo parar no fundo mar, o ponto alto da trama.

O lado obscuro de Hollywood sempre foi um tema retratado dentro do próprio cinema. O exercício satírico e crítico já rendeu filmes memoráveis de diretores geniais como Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, Assim Estava Escrito (1953), de Vincente Minnelli e O Jogador (1992), de Robert Altman. Os mais recentes que fizeram alusão ou alguma crítica velada foram Acima das Nuvens (2014) de Olivier Assayas e o festejado vencedor do Oscar Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância (2014), de Alejandro González Iñarritu e o magnífico Mapas para as Estrelas (2014, de David Cronenberg. Já Ethan e Joel Coen criaram um bom programa não só pelo puro divertimento das homenagens trazidas para o grande público, realizadas com lucidez pelos momentos hilários, como o tributo ao sapateado no musical dos marinheiros na cena do bar, em alusão a Gene Kelly. Cabe ressaltar a crítica à imprensa fútil protagonizadas pelas colunistas ávidas de intrigas e fofocas, como marca positiva da mordacidade em relação a mais famosa indústria norte-americana de entretenimento do mundo revisitada nas suas engrenagens.

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