Hollywood Revisitada
Os irmãos Ethan e Joel Coen têm um estilo e uma elegância
para filmar inerentes e personificados como poucos cineastas na atualidade.
Assim foi com o extraordinário Onde os
Fracos Não Têm Vez (2007), inegavelmente a melhor realização deles, abocanhou
os prêmios do Oscar de melhor filme, direção e roteiro adaptado; os instigantes
Gosto de Sangue (1984) e O Homem que Não Estava Lá (2001); o
imprevisível e estonteante Fargo
(1996); o remake de Bravura Indômita
(2010), longa em que
John Wayne obteve seu único Oscar como melhor ator, na versão
original de 1969, dirigido pelo mestre Henry Hathaway; a penúltima ficção foi o
sombrio drama Inside Llewyn Davis- Balada
de Um Homem Comum (2013), que acompanha a trajetória de uma semana na vida de um
jovem cantor folk em 1961. Os diretores já se aventuraram no gênero musical em E aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000). Pode-se
discutir se eram grandes filmes ou não, mas jamais seus dotes refinados de
fartas sutilezas.
Agora chega aos cinemas Ave,
César!, o 17º. longa-metragem da dupla, uma viagem para embarcar na glamourosa
Hollywood, dos anos de 1950. Edward Mannix (Josh Brolin) é o protetor das
estrelas para evitar polêmicas no famoso estúdio Capitol Pictures. Sua tarefa
de executivo é intensa, desde fazer com que os artistas cumpram seus
compromissos e contratos profissionais assumidos até abafar eventuais escândalos,
vive momentos conturbados quando Baird Whitlock (George Clooney), astro principal
da superprodução Hail, Caesar!, é
sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada
"Futuro", em que terá que trazê-lo de volta de maneira incólume. A
proposta é uma sátira divertida à indústria do pós-guerra que se passa em um
dia, com elementos e subsídios extraídos de alguns filmes que marcaram época
naquele período nebuloso de um clima paranoico sustentado nos pilares do anticomunismo.
Nesta farsa elaborada pelos irmãos Coen, um típico filme
dentro de outro, conta com um bom elenco, entre os quais Scarlett Johansson representa
uma estrela doidona; Channing Tatum convence como um vaidoso galã; Tilda
Swinton está em papel duplo, encarnando as jornalistas gêmeas ambiciosas; Alden
Ehrenreich faz um herói abobado que é promovido para atuar como um ator sério
de faroeste; Ralph Finnes mergulha na pele de um diretor fino da Europa; Jonah
Hill é uma espécie de um “laranja” descontextualizado; Christopher Lambert se
sai bem como o cineasta oportunista; Frances McDormand está bem como a
montadora desorganizada e desconectada. O objetivo é rechear o enredo com situações
simbólicas, com interpretações suaves, marcantes, verossímeis e bem caricatas
na essência, durante os 106 minutos de projeção. Uns se saem bem, outros ficam
pelo meio do caminho, diante da falta de aprofundamento deste mosaico estabelecido
para encaixar num roteiro de altos e baixos que esvazia a narrativa central. O
resultado nem sempre atinge o clímax, muitas vezes se dilui por ser picotado
demais.
Ave, César! tem
méritos no figurino e cenário apropriados, esbanja na reconstrução de época,
que embasa com sobras a proposta irônica dos realizadores, na abordagem de um
período significativo para o cinema e os reflexos de uma economia e de uma
política em tempos áureos ostentados pelo charme hollywoodiano. Está abaixo de
outras realizações mais emblemáticas da dupla de realizadores, aproxima-se mais
de filmes intermediários de humor mais leve como Arizona Nunca Mais (1987) e Queime Depois de Ler (2008), sem a dose
nonsense de Fargo e Onde os Fracos Não Têm Vez. O escracho é
contido e por vezes dúbio, como no retrato do capitalismo a serviço do cinema e
o eterno embate com o comunismo, representado pelos escritores/roteiristas no evento
do sequestro e com a consequente encenação do episódio do submarino russo
emergindo das águas e o dinheiro na mala indo parar no fundo mar, o ponto alto
da trama.
O lado obscuro de Hollywood sempre foi um tema retratado
dentro do próprio cinema. O exercício satírico e crítico já rendeu filmes
memoráveis de diretores geniais como Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy
Wilder, Assim Estava Escrito (1953),
de Vincente Minnelli e O Jogador (1992), de Robert Altman. Os mais recentes que fizeram
alusão ou alguma crítica velada foram
Acima das Nuvens (2014) de Olivier Assayas
e o festejado vencedor do Oscar Birdman
ou (A Inesperada Virtude da Ignorância
(2014), de Alejandro González Iñarritu e o magnífico Mapas para as Estrelas (2014, de David Cronenberg. Já Ethan e Joel
Coen criaram um bom programa não só pelo puro divertimento das homenagens
trazidas para o grande público, realizadas com lucidez pelos momentos hilários,
como o tributo ao sapateado no musical dos marinheiros na cena do bar, em
alusão a Gene Kelly. Cabe ressaltar a crítica à imprensa fútil protagonizadas
pelas colunistas ávidas de intrigas e fofocas, como marca positiva da mordacidade
em relação a mais famosa indústria norte-americana de entretenimento do mundo
revisitada nas suas engrenagens.
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