quarta-feira, 11 de maio de 2016

O Décimo Homem


O Reencontro

O festejado diretor argentino Daniel Burman construiu uma filmografia própria, indo do drama para as comédias dramáticas, como foram suas duas últimas realizações A Sorte em Suas Mãos (2012) e O Mistério da Felicidade (2014). Retorna às origens neste seu último longa-metragem, O Décimo Homem, numa narrativa sobre as relações familiares e os vínculos cortados, na tentativa da reaproximação entre um homem solitário que carrega os traumas da conexão paternal estremecida, mas que busca um estreitamento através do reencontro e acaba inserido na realidade da tradição da cultura judaica no bairro popular de Once, na periferia de Buenos Aires, um lugar habitado por judeus, no qual vivera sua infância. Seu pai é uma espécie de rei, por ser famoso e detém o comando de uma fundação assistencial de caridade aos necessitados, como sugere o título original El Rey del Once.

Burman é um cineasta jovem, mas tarimbado, que deixa fluir seu olhar para as intercorrências oriundas do microcosmo familiar, como já o fizera antes na trilogia dos problemas inerentes aos laços afetivos sobre os seus conflitos dentro do universo judaico como pano de fundo, nos usos e costumes, a tradição e a religião, mantendo uma coerência bem demonstrada em Esperando Messias (2000), O Abraço Partido (2004) e completando com o melhor dos três e mais maduro As Leis de Família (2006). Surpreendeu positivamente com o ótimo Ninho Vazio (2008), pela abordagem do casal que se reinventa, falando da morte após a partida dos filhos de casa para seguirem suas vidas e dar continuidade aos seus futuros, diante do tédio do lar com a ausência dos descendentes, refletindo sobre o existencialismo e o sentido da vida, em sequências bem dolorosas. Posteriormente vem o bom drama Dois Irmãos (2009), sobre a terceira idade e seus dissabores pertinentes.

O Décimo Homem é o reencontro do realizador com seu alter ego, o personagem central Ariel presente em outros filmes, sempre interpretado por Daniel Hendler, porém agora dá lugar para o ator Alan Sabbagh. O protagonista é um rapaz que se tornou um bem-sucedido economista em Nova Iorque, após evadir-se de seu país para os EUA. Ao ser convidado para voltar ao lar para uma festividade religiosa, recebe uma tarefa estranha, pois terá que comprar um sapato sem cadarço para um jovem doente, depois terá que resolver uma pendenga com o bronco açougueiro. A surpresa se estabelecerá com as diferenças de sua cômoda vida atual com as antigas tradições dos parentes e da comunidade, diante do subtema habilmente lançado por Burman, ou seja, o cenário de uma Argentina pós-crise dos anos de 2000, em que faltam os gêneros de primeira necessidade, tais como a carne, o leite, o vestuário e os remédios, além do caos da saúde refletida nos hospitais públicos.

Nesta trama de reencontro e rancores do passado, o pai não se faz presente, continua à distância, mas a história gira pelos telefonemas de celular do idoso ausente que nunca aparece fisicamente, dando ordens ao filho para executar atividades em prol da ONG. A relação continua fria no enredo proposto pelo cineasta, com o protagonista andando solitário de um lugar para outro como um zumbi perdido na sua cidade natal. Ainda assim segue a trajetória obstinada, sem perder o interesse, tem como sua fiel escudeira a religiosa ortodoxa Eva (Julieta Zylberberg), uma moça que se mantém num silêncio sepulcral premeditado. Ariel aguarda as definições aleatórias naquele alegre, porém contraditoriamente um triste bairro empobrecido, recheado de assaltantes que furtam celulares nas ruas, impedindo inclusive de continuar mantendo contato com a namorada e seus problemas profissionais. Ali os habitantes flutuam naquele alarido, dizem algumas banalidades, às vezes dialogam carinhosamente, retratando as personalidades diversas de olhares perdidos, por vezes hesitantes, que irão ao encontro de uma cultura típica de um povo religioso e benevolente, numa base de improvisos permanentes para continuar vivendo com dignidade.

Com uma fotografia apreciável e um roteiro linear enxuto, O Décimo Homem é um drama razoável para os padrões de Burman, que já dirigiu outros filmes bem superiores, embora seja de boa qualidade na abordagem das relações familiares com a presença da solidão, os costumes e as tradições. É interessante num contexto bem equilibrado na defesa da religião e dos valores afetivos interpessoais que transformarão o filho para guindá-lo ao posto máximo do pai, depreendido do encontro casual deles. O desfecho é de certa forma previsível diante da ciranda de circunstâncias do cotidiano, pelo otimismo lançado sobre um fiel retrato na filosofia do modo de vida daquele povo com suas regras e rituais próprios advindos de uma cultura milenar, esculpido em personagens de carne e osso que funcionam como elementos essenciais, despidos com sensibilidade, ironia e um humor refinado numa Buenos Aires cosmopolita, pela visão deste realizador portenho atento às mudanças comportamentais em sua aldeia, através de reflexões com a leveza contumaz sobre o universo familiar.

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