O Reencontro
O festejado diretor argentino Daniel Burman construiu uma
filmografia própria, indo do drama para as comédias dramáticas, como foram suas
duas últimas realizações A Sorte em Suas Mãos (2012) e O Mistério da Felicidade (2014). Retorna
às origens neste seu último longa-metragem,
O Décimo Homem, numa narrativa sobre as relações familiares e os vínculos cortados,
na tentativa da reaproximação entre um homem solitário que carrega os traumas da
conexão paternal estremecida, mas que busca um estreitamento através do
reencontro e acaba inserido na realidade da tradição da cultura judaica no bairro popular de Once, na
periferia de Buenos Aires, um lugar habitado por judeus, no qual vivera sua
infância. Seu pai é uma espécie de rei, por ser famoso e detém o comando de uma
fundação assistencial de caridade aos necessitados, como sugere o título
original El Rey del Once.
Burman é um cineasta jovem, mas tarimbado, que deixa fluir
seu olhar para as intercorrências oriundas do microcosmo familiar, como já o
fizera antes na trilogia dos problemas inerentes aos laços afetivos sobre os
seus conflitos dentro do universo judaico como pano de fundo, nos usos e
costumes, a tradição e a religião, mantendo uma coerência bem demonstrada em Esperando Messias (2000), O Abraço Partido (2004) e completando com o melhor dos três e mais maduro As Leis de Família (2006). Surpreendeu
positivamente com o ótimo Ninho Vazio
(2008), pela abordagem do casal que se reinventa, falando da morte após a
partida dos filhos de casa para seguirem suas vidas e dar continuidade aos seus
futuros, diante do tédio do lar com a ausência dos descendentes, refletindo
sobre o existencialismo e o sentido da vida, em sequências bem dolorosas.
Posteriormente vem o bom drama Dois
Irmãos (2009), sobre a terceira idade e seus dissabores pertinentes.
O Décimo Homem é o
reencontro do realizador com seu alter ego, o personagem central Ariel presente
em outros filmes, sempre interpretado por Daniel Hendler, porém agora dá lugar
para o ator Alan Sabbagh. O protagonista é um rapaz que se tornou um
bem-sucedido economista em
Nova Iorque , após evadir-se de seu país para os EUA. Ao ser
convidado para voltar ao lar para uma festividade religiosa, recebe uma tarefa
estranha, pois terá que comprar um sapato sem cadarço para um jovem doente,
depois terá que resolver uma pendenga com o bronco açougueiro. A surpresa se
estabelecerá com as diferenças de sua cômoda vida atual com as antigas
tradições dos parentes e da comunidade, diante do subtema habilmente lançado
por Burman, ou seja, o cenário de uma Argentina pós-crise dos anos de 2000, em que
faltam os gêneros de primeira necessidade, tais como a carne, o leite, o
vestuário e os remédios, além do caos da saúde refletida nos hospitais públicos.
Nesta trama de reencontro e rancores do passado, o pai não se
faz presente, continua à distância, mas a história gira pelos telefonemas de
celular do idoso ausente que nunca aparece fisicamente, dando ordens ao filho
para executar atividades em prol da ONG. A relação continua fria no enredo proposto
pelo cineasta, com o protagonista andando solitário de um lugar para outro como
um zumbi perdido na sua cidade natal. Ainda assim segue a trajetória obstinada,
sem perder o interesse, tem como sua fiel escudeira a religiosa ortodoxa Eva (Julieta
Zylberberg), uma moça que se mantém num silêncio sepulcral premeditado. Ariel aguarda
as definições aleatórias naquele alegre, porém contraditoriamente um triste
bairro empobrecido, recheado de assaltantes que furtam celulares nas ruas,
impedindo inclusive de continuar mantendo contato com a namorada e seus problemas
profissionais. Ali os habitantes flutuam naquele alarido, dizem algumas
banalidades, às vezes dialogam carinhosamente, retratando as personalidades
diversas de olhares perdidos, por vezes hesitantes, que irão ao encontro de uma
cultura típica de um povo religioso e benevolente, numa base de improvisos
permanentes para continuar vivendo com dignidade.
Com uma fotografia apreciável e um roteiro linear enxuto, O Décimo Homem é um drama razoável para
os padrões de Burman, que já dirigiu outros filmes bem superiores, embora seja
de boa qualidade na abordagem das relações familiares com a presença da
solidão, os costumes e as tradições. É interessante num contexto bem
equilibrado na defesa da religião e dos valores afetivos interpessoais que transformarão
o filho para guindá-lo ao posto máximo do pai, depreendido do encontro casual
deles. O desfecho é de certa forma previsível diante da ciranda de
circunstâncias do cotidiano, pelo otimismo lançado sobre um fiel retrato na filosofia
do modo de vida daquele povo com suas regras e rituais próprios advindos de uma
cultura milenar, esculpido em personagens de carne e osso que funcionam como
elementos essenciais, despidos com sensibilidade, ironia e um humor refinado
numa Buenos Aires cosmopolita, pela visão deste realizador portenho atento às
mudanças comportamentais em sua aldeia, através de reflexões com a leveza
contumaz sobre o universo familiar.
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