Choque de
Civilizações
Vem da Colômbia o drama O
Abraço da Serpente, único filme da América do Sul na disputa pelo Oscar de
melhor filme estrangeiro na Academia de Hollywood. Não ganhou, perdeu para o
húngaro O Filho de Saul, de László Nemes, mas o fato de estar presente na festa foi motivo de regozijo para
o diretor Ciro Guerra.O roteiro do longa foi estruturado em dois períodos
históricos, intercalados no desenrolar da história, assinado pelo cineasta e por
Jacques Toulemonde Vidal. Como proposta estética sem o colorido natural, optou para
desglamourizar o contexto pela inusitada fotografia em preto e branco, de David
Gallego, como um ingrediente eficaz de sustentação da trama, deixando que
houvesse alguns breves contrastes da discreta utilização de cores em algumas
sequências.
A primeira parte é ambientada em meados do século XX, ao
fazer uma abordagem do pesquisador alemão Theo (Jan Bijvoet), já bastante
debilitado em sua saúde na jornada febril, dando sinais de falência física, está
à procura de uma cura advinda das crenças indígenas e suas poções milagrosas de
uma lendária flor. Tem como um aliado fiel o índio Manduca (Yauenkü Migue) e do
xamã Karamakate (Nilbio Torres), na inexpugnável selva amazônica, no território
colombiano. A segunda parte é recriada na década de 1940, quarenta anos depois,
seguida pelo etnobotânico americano Evan (Brionne Davis), outro explorador que
tenta convencer Karamakate a ajudá-lo, coloca a plateia diante de outra saga,
no reencontro com o selvagem bem mais velho (Antonio Bolivar), que passará a
percorrer a floresta procurando a yakruna, a mística planta famosa que cura moléstias
tidas como impossíveis, pela sustentação de Theo.
O filme propõe os vínculos de Karamakate com os dois exploradores que caminham em busca da ancestralidade na sua plenitude no universo cósmico, para uma descoberta do início ao fim da existência, sem ter a pretensão de ser definitivo, que remete para uma comparação com o badalado Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), de Apichatpong Weerasethakul, pela visão de vidas, num lugar feérico que seria a origem de tudo. Em ambos estão inseridas as reflexões da transcendentalidade na esfera espiritual como sugere e deixa transparecer seus realizadores. Guerra mostra um quadro atípico sobre as pessoas apegadas aos bens materiais coletados no decorrer das expedições, mas que para alcançar um nível superior são pressionados pelos nativos para abandoná-los. Tudo gira em torno do despojamento dos próprios pertences que estará vinculado para uma percepção típica do fato com efeito transformador para se chegar até as experiências buscadas como redenção e se impõe o descarte dos objetos nitidamente materiais.
O filme propõe os vínculos de Karamakate com os dois exploradores que caminham em busca da ancestralidade na sua plenitude no universo cósmico, para uma descoberta do início ao fim da existência, sem ter a pretensão de ser definitivo, que remete para uma comparação com o badalado Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), de Apichatpong Weerasethakul, pela visão de vidas, num lugar feérico que seria a origem de tudo. Em ambos estão inseridas as reflexões da transcendentalidade na esfera espiritual como sugere e deixa transparecer seus realizadores. Guerra mostra um quadro atípico sobre as pessoas apegadas aos bens materiais coletados no decorrer das expedições, mas que para alcançar um nível superior são pressionados pelos nativos para abandoná-los. Tudo gira em torno do despojamento dos próprios pertences que estará vinculado para uma percepção típica do fato com efeito transformador para se chegar até as experiências buscadas como redenção e se impõe o descarte dos objetos nitidamente materiais.
Há um choque clássico de civilizações entre o homem branco
com os usos e costumes das tribos indígenas. O drama, em tom documental, não fica
limitado a fornecer apenas observações sobre culturas opostas, vai além, como
mostra a religiosidade obsessiva levando a extremos de intolerância numa
doutrina excessiva na selva, em que há espaço até para um falso Jesus e seus
seguidores, bem como o jesuíta que açoita um indiozinho no tronco da árvore,
como nos tempos da escravatura da raça negra. Há uma boa amplitude para os
temas serem desenvolvidos no enxuto roteiro assinado pelo cineasta e por
Jacques Toulemonde Vidal, baseado nos diários de fundo científico do alemão Theodor
Koch-Grünberg (1872-1924) e o americano Richard Schultes (1915-2001). O
fanatismo, tanto dos exploradores em busca da fórmula mágica, como dos falsos
religiosos, estão inseridos com sutileza na trama e remete para o monumental Fitzcarraldo (1982), de Werner Herzog, em
que um homem possui o devaneio de construir uma casa de ópera no meio da
floresta amazônica, decide explorar a borracha para angariar fundos, mas para
transportar o produto teria que atravessar morros e matas com um barco
empurrado manualmente.
O Abraço da Serpente
tem uma narrativa pouco convencional, ousada de certa forma, entre o passado e o presente, com a força de imagens nas crenças
e descobertas. Afasta-se daquele didatismo chato encontrado em outras
realizações, pela ausência temporal de elementos para diferenciar as
respectivas épocas. A floresta incólume funciona como fator de protagonismo permanente
para auxiliar nos contrastes perceptivos, tendo em vista que a passagem é sugerida
e perceptível ao espectador para transitar índios e brancos flutuando nas suas
entranhas assustadoras, tanto para os habitantes temporários como para os
oriundos dali. O diretor propõe não só o estudo antropológico num mergulho com
coragem e ardor, mas a valorização da natureza e o respeito pela cultura
silvícola invadida por forasteiros em busca da extração da borracha e plantas
medicinais, além do catequismo em missões do povo indígena por falsos messias e
líderes religiosos mercenários cruéis. Um filme que defende uma causa legítima
e justa, através de uma aventura quase épica, na trilha do aculturamento por
desbravações das matas virgens e inóspitas, por um rio condutor dos segredos e as
arapucas escondidas.
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