Natureza e Progresso
A Colômbia representou a América do Sul na disputa pelo
Oscar de melhor filme estrangeiro com o drama O Abraço da Serpente (2015), do diretor Ciro Guerra, retratando a busca
da ancestralidade para uma descoberta do início ao fim da
existência, sem ter a pretensão de ser definitivo, num choque clássico de
civilizações entre o homem branco com os usos e costumes das tribos indígenas
na natureza invadida. A cinematografia deste país é imensa e apresenta uma
qualidade inquestionável em nosso continente, com produções poderosas e temas
profundos com uma história nitidamente regional que ganha espaço no cenário
internacional, como no magnífico A Terra
e a Sombra, do roteirista e cineasta César Augusto Acevedo, vencedor do
prêmio Caméra D’Or no Festival de Cannes do ano passado, na categoria de
diretores estreantes, superando o oscarizado filme húngaro O Filho de Saul (2015), de László Nemes.
O longa foi coproduzido por mais quatro países, entre os quais
o Brasil, com a presença marcante de Fátima Toledo na preparação de atores num
elenco formado essencialmente por amadores como o protagonista Alfonso (Haimer
Leal, era zelador num teatro em Cali) e o personagem do filho doente Gerardo (Edison
Raigosa), exceto Hilda Ruiz (no papel da ex-esposa Alicia) e Marleyda Soto
(interpretando a nora Esperanza). O enredo acompanha uma família humilde
próxima à plantação de cana-de-açúcar na região do oeste colombiano de Valle
del Cauca. Alfonso volta para casa após 17 anos de ausência para acompanhar a
grave doença pulmonar do filho Gerardo, que mal consegue sair do quarto,
tamanha sua fraqueza, casado com Esperanza, pai de Manuel (José Felipe
Cardenas). A nora e a ex-mulher assumiram o trabalho no corte de canas para o
sustento num trabalho escravo, sem mínimas condições aos empregados. Não há
salário fixo, recebe pelo que produz, caso não termine a tarefa deixa de
auferir ganhos e acaba despedido sem qualquer direito trabalhista. Em caso de
afastamento por moléstia, como do homem doente que agoniza na cama, não recebe
auxílio-doença, nem assistência médica pelo explorador daquele lugar.
Um drama doloroso sobre a relação do homem com a natureza,
em que o labor pelo progresso que avança de forma invasiva, terá desdobramentos
na abordagem dos vínculos familiares se corroendo, numa amostragem com
humanismo sobre o patriarca de volta ao lar. Embora recebido em tom amistoso
pela nora, terá que lidar com o ressentimento da ex-companheira, mas terá no
neto a cumplicidade e o respeito de um ídolo que não encontra na figura
paterna, decorrente do estado terminal do enfermo pelo distanciamento
involuntário. Ao conquistar o carinho do garotinho que gosta de jogar pedras
nos passarinhos, mas que irá aprender os ensinamentos do avô, logo passará a
cortejar e assobiar, imitando-os com doçura para aproximá-los, em cenas
comoventes da interação com a natureza desprotegida e violentada, que está
sendo engolida por gigantescas queimadas impactantes de poderosos sem
escrúpulos éticos e profissionais, que não mostram a verdadeira identidade.
A Terra e a Sombra tem
como símbolo da resistência a velha senhora, bem retratado no epílogo
refletindo a solidão contemplativa daquele lugar já sem futuro para ela e seus
membros familiares em
debandada. Restam as lembranças de um passado em que todos
conviviam harmoniosamente, antes das perdas como do abandono e da morte
iminente da doença que ronda aquele lugar exposto como um cenário sombrio pela
melancolia. Ali já não se pode mais abrir as janelas para evitar a presença
indesejada da fumaça e da poeira no interior da residência sem sol e às escuras,
explorada pelas sombras constantes dentro da casa, contrastando-as com a
luminosidade reinante fora dela. Fica a sensação claustrofóbica de uma prisão
domiciliar, sem direito de contemplar o mundo ou respirar um ar sem fuligem
pela poluição.
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