sexta-feira, 8 de abril de 2016

A Juventude


Resgates Existenciais

O diretor Paolo Sorrentino obteve reconhecimento internacional com Le conseguenze dell'amore (2004), ao vencer diversos prêmios e concorrer à Palma de Ouro, porém ficou mais conhecido por Il Divo (2008), uma apreciável cinebiografia do ex-primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti (1919- 2013). Com A Grande Beleza (2013) foi eleito melhor filme europeu do ano de sua produção e vencedor do Globo de Ouro e o Oscar de filme estrangeiro. O cineasta teve sua realização cultuada pela crítica e pelo público, decorrente do magnífico drama de tributo à beleza estonteante e os encantos de amor e gratidão à Itália, com a Roma eterna, sagrada e profana já mostrada em Roma de Fellini (1972) e A Doce Vida (1960), ambos de Federico Fellini, sendo este último que serviu de inspiração para a elaboração do protagonista e por consequência o formato com a riqueza para realizar um passeio cultural pelos museus, estátuas e o rio com a famosa ponte nesta viagem com o glamour ao melhor estilo do mestre inspirador.

Neste seu último longa, A Juventude, o realizador busca a construção de seu personagem central Fred (Michael Caine) resgatado no universo felliniano do clássico Oito e Meio (1963), na caracterização com o visual de Marcello Mastroianni. Com o personagem Mick (Harvey Keitel), há o encontro de dois velhos companheiros octagenários. Eles estão passando as férias em um luxuoso hotel no Alpes suíços. Fred é um compositor e maestro aposentado, discípulo na juventude do genial Igor Stravinsky, que se recusa a reger a Orquestra da BBC, em um concerto para a rainha da Inglaterra com a popular obra Simple Song. Ele convive com a filha, Lena ( Rachel Weisz) conflitada e em fase de separação do marido, filho do grande amigo Mick, um cineasta em atividade, mas em crise de inspiração para criar algo novo para o cinema, que pretende realizar seu último longa, uma espécie de testamento de sua filmografia. Porém, encontrará forte resistência para convencer a lendária atriz Brenda Morel (Jane Fonda- irreconhecível pela maquiagem), sua predileta para o papel, que está comprometida em realizar um seriado para televisão em detrimento da sétima arte. O barulhento encontro dos dois gerará humilhação dela para o veterano diretor que a tirou do anonimato para o estrelato.

Sorrentino é hábil ao colocar os dois amigos juntos para relembrar um passado de glória marcado por grandes paixões da infância e juventude. Keitel humaniza com vigor seu personagem Mick na luta para finalizar o roteiro daquele que seria seu último grande filme; já o melancólico Fred, em atuação exemplar do extraordinário Caine, não tem a mínima vontade de voltar à música, aproxima-se da filha carente pelo tempo de ausência do pai na família, quando só se dedicava à musica, distante da mãe, agora uma mulher em estado vegetativo. As relações íntimas deles são expostas para uma reflexão do passado e o que reserva o futuro, porém falta profundidade na temática. O roteiro apresenta soluções um tanto quanto artificiais, fragilizando o enredo para uma conclusão mais óbvia e menos apurada de situações elencadas no desenrolar da trama, como o estereotipado ex-atleta argentino Maradona com a tatuagem de Karl Marx nas costas; bem como o personagem de Adolf Kitler pensando nas maldades cometidas, mas de maneira fugaz e solta pelo equívoco na trama; além da presença da Miss Universo que flutua nua como uma sereia pelas águas da piscina, deixando em polvorosa os hóspedes.

Novamente, Sorrentino, assim como já fizera em A Grande Beleza, traça aspectos significativos e lança para a temática a futilidade, o choque da beleza jovem esculpida contrastando com a velhice e suas aludidas doenças tormentosas do maestro, como a fixação na próstata, embora tenha uma “saúde de cavalo”, asseverado pelo próprio médico. Também são enaltecidos como pano de fundo a solidão em todas as faixas etárias, a vaidade, o consumismo num entrechoque com a cultura e a arte cinematográfica e musical. O passado de glórias e incertezas que virão, logo encontrarão respaldo na morte iminente que chegará para separar uma trajetória de décadas. Uma reflexão sincera sobre o avanço da idade com leveza sutil, diante dos percalços que o tempo traz com o passar dos anos e as incertezas do amanhã pela decadência humana e suas infelicidades pertinentes de redenção arrebatadora no aspecto psicológico construído para expurgar as angústias.

Escolhido em Berlim como o melhor filme europeu do ano, em 2015, também obteve seu realizador a láurea de melhor na categoria pela Academia Europeia de Cinema. Ainda assim, A Juventude é um filme menor que o anterior de Sorrentino, mas tem mais virtudes que defeitos, como a fotografia esplendorosa de Luca Bigazzi e uma trilha sonora impecável e vibrante de David Lang. O epílogo traz um clímax de apoteose, com a presença da soprano coreana Sumi Jo para dar guarida ao amor em êxtase, apontando para o fim da existência e reportando-se para a juventude, numa didática referência ao título do drama, consequente da suavidade da canção para um tributo ao personagem do cineasta e a esposa definhando. Provoca estímulos pela emoção e a crença de que a vulnerabilidade de seus realizadores não irá sucumbir, no binômio música e cinema em flagrante resistência para manter-se com a chama acesa pela efervescência inesgotável cultural da arte, embora o artista passe, sua obra permanecerá como legado.

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