Resgates Existenciais
O diretor Paolo Sorrentino obteve reconhecimento internacional com Le conseguenze dell'amore (2004), ao vencer diversos prêmios e
concorrer à Palma de Ouro, porém ficou mais conhecido por Il Divo (2008), uma apreciável cinebiografia
do ex-primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti (1919- 2013). Com A Grande Beleza (2013) foi eleito
melhor filme europeu do ano de sua produção e vencedor do Globo de Ouro e o Oscar de
filme estrangeiro. O cineasta teve sua realização cultuada pela crítica e pelo
público, decorrente do magnífico drama de tributo à beleza estonteante e os
encantos de amor e gratidão à Itália, com a Roma eterna, sagrada e profana já
mostrada em Roma de Fellini (1972) e A Doce Vida (1960), ambos de Federico
Fellini, sendo este último que serviu de inspiração para a elaboração do
protagonista e por consequência o formato com a riqueza para realizar um
passeio cultural pelos museus, estátuas e o rio com a famosa ponte nesta viagem
com o glamour ao melhor estilo do mestre inspirador.
Neste seu último longa, A
Juventude, o realizador busca a construção de seu personagem central Fred (Michael
Caine) resgatado no universo felliniano do clássico Oito e Meio (1963), na caracterização com o visual de Marcello
Mastroianni. Com o personagem Mick (Harvey Keitel), há o encontro de dois
velhos companheiros octagenários. Eles estão passando as férias em um luxuoso
hotel no Alpes suíços. Fred é um compositor e maestro aposentado, discípulo na
juventude do genial Igor Stravinsky, que se recusa a reger a Orquestra da BBC,
em um concerto para a rainha da Inglaterra com a popular obra Simple Song. Ele convive com a filha,
Lena ( Rachel Weisz) conflitada e em fase de separação do marido, filho do
grande amigo Mick, um cineasta em atividade, mas em crise de inspiração para
criar algo novo para o cinema, que pretende realizar seu último longa, uma
espécie de testamento de sua filmografia. Porém, encontrará forte resistência
para convencer a lendária atriz Brenda Morel (Jane Fonda- irreconhecível pela
maquiagem), sua predileta para o papel, que está comprometida em realizar um
seriado para televisão em detrimento da sétima arte. O barulhento encontro dos
dois gerará humilhação dela para o veterano diretor que a tirou do anonimato
para o estrelato.
Sorrentino é hábil ao colocar os dois amigos juntos para
relembrar um passado de glória marcado por grandes paixões da infância e
juventude. Keitel humaniza com vigor seu personagem Mick na luta para finalizar
o roteiro daquele que seria seu último grande filme; já o melancólico Fred, em
atuação exemplar do extraordinário Caine, não tem a mínima vontade de voltar à
música, aproxima-se da filha carente pelo tempo de ausência do pai na família,
quando só se dedicava à musica, distante da mãe, agora uma mulher em estado
vegetativo. As relações íntimas deles são expostas para uma reflexão do passado
e o que reserva o futuro, porém falta profundidade na temática. O roteiro
apresenta soluções um tanto quanto artificiais, fragilizando o enredo para uma
conclusão mais óbvia e menos apurada de situações elencadas no desenrolar da
trama, como o estereotipado ex-atleta argentino Maradona com a tatuagem de Karl
Marx nas costas; bem como o personagem de Adolf Kitler pensando nas maldades
cometidas, mas de maneira fugaz e solta pelo equívoco na trama; além da
presença da Miss Universo que flutua nua como uma sereia pelas águas da
piscina, deixando em polvorosa os hóspedes.
Novamente, Sorrentino, assim como já fizera em A Grande Beleza , traça
aspectos significativos e lança para a temática a futilidade, o choque da
beleza jovem esculpida contrastando com a velhice e suas aludidas doenças
tormentosas do maestro, como a fixação na próstata, embora tenha uma “saúde de
cavalo”, asseverado pelo próprio médico. Também são enaltecidos como pano de
fundo a solidão em todas as faixas etárias, a vaidade, o consumismo num
entrechoque com a cultura e a arte cinematográfica e musical. O passado de
glórias e incertezas que virão, logo encontrarão respaldo na morte iminente que
chegará para separar uma trajetória de décadas. Uma reflexão sincera sobre o
avanço da idade com leveza sutil, diante dos percalços que o tempo traz com o
passar dos anos e as incertezas do amanhã pela decadência humana e suas
infelicidades pertinentes de redenção arrebatadora no aspecto psicológico
construído para expurgar as angústias.
Escolhido em Berlim como o melhor filme europeu do ano, em
2015, também obteve seu realizador a láurea de melhor na categoria pela
Academia Europeia de Cinema. Ainda assim,
A Juventude é um filme menor que o anterior de Sorrentino, mas tem mais
virtudes que defeitos, como a fotografia esplendorosa de Luca Bigazzi e uma
trilha sonora impecável e vibrante de David Lang. O epílogo traz um clímax de
apoteose, com a presença da soprano coreana Sumi Jo para dar guarida ao amor em
êxtase, apontando para o fim da existência e reportando-se para a juventude,
numa didática referência ao título do drama, consequente da suavidade da canção
para um tributo ao personagem do cineasta e a esposa definhando. Provoca
estímulos pela emoção e a crença de que a vulnerabilidade de seus realizadores
não irá sucumbir, no binômio música e cinema em flagrante resistência para
manter-se com a chama acesa pela efervescência inesgotável cultural da arte,
embora o artista passe, sua obra permanecerá como legado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário