quinta-feira, 17 de março de 2016

Nossa Irmã Mais Nova














As Irmãs

O Festival de Cannes do ano passado teve a presença do Japão, que foi muito bem representado pelo festejado cineasta Hirokasu Kore-eda com Nossa Irmã Mais Nova. Embora aclamado pela crítica e pelo público, saiu de mãos vazias. Foi obter a recompensa pelo seu belo trabalho no Festival de Yokohama, ao ser agraciado com a premiação de melhor filme, e ainda foi laureado com o prêmio de público no Festival de San Sebastián. O multipremiado diretor nipônico já havia concorrido, sem êxito, à Palma de Ouro em outras duas vezes com Distance (2002) e Ninguém Pode Saber (2004). Também é dele os longas Depois da Vida (1998), Seguindo em Frente (2008), Air Doll (2009) e Pais e Filhos (2013).

Com uma temática voltada para as perdas, enigmas da vida e por consequência a morte, Kore-eda tem um olhar voltado para seu país e as transformações das gerações, numa abordagem humana e profunda sobre o microcosmo das relações familiares, o cotidiano das simples coisas que irão ao encontro de situações complexas e modificações relevantes. Herdou a sutileza mesclada com sensibilidade dos inspirados diretores conterrâneos como Yusujiro Ozu em Era Uma Vez em Tóquio (1953), Mikio Naruse por Midareru (1964), e o criador do cinema de animação Hayao Miyazaki com temas recorrentes da relação da humanidade com a natureza. Segue a trajetória do questionamento primoroso dos velhos mestres para mergulhar no universo peculiar das tradições da cultura japonesa. No longa Ninguém Pode Saber havia a temática da mãe ausente dos filhos e a contundente falta de afeto aos mesmos. Na sua realização anterior, Pais e Filhos retratava um drama que discutia a troca de bebês e os efeitos futuros das crianças trocadas no berçário com as revelações recebidas, num clima de tensão instalado diante do amor pelo filho de outros pais e a intolerância de um deles.

Nossa Irmã Mais Nova mostra a dolorosa distância de três filhas do pai. Elas vivem isoladas na pequena e aconchegante casa da avó na cidade litorânea de Kamakura. A mãe foi embora após a separação e aparece de vez em quando. Não há vínculo com os pais, somente entre elas. Sachi (Haruka Ayase), Yoshino (Masami Nagasawa) e Chika (Kaho) são as irmãs que não veem o pai há 15 anos, mas ao saberem da morte dele, resolvem ir ao seu enterro. Lá irão conhecer a adolescente Suzu Asano (Suzu Hirose), a tímida meia-irmã, fruto de um dos casamentos do patriarca que originou a ruptura do matrimônio da mãe delas. Convidam a pré-adolescente de 13 anos para morar junto, ensinam a menina a fazer o saboroso licor de ameixa para uma confraternização inicial. A partir da convivência entre as quatro, na qual se apegam muito rápido, aprendem e descobrem pontos sensíveis e comuns de alegrias e tristezas do relacionamento que não tiveram com a figura paterna.

O diretor traça a história com doçura, sem ser piegas, ao deixar emergir fatos que trarão conflitos sentimentais que envolvem pais ausentes. Porém, as personagens terão que lidar com adversidades repentinas, pois precisam tocar suas vidas e resolverem as encrencas do cotidiano, como na bela cena da irmã mais velha, magnificamente interpretada por Haruka Ayase, que terá de optar em seguir o destino para realizar uma especialização em medicina no exterior com o namorado, um homem casado que não consegue definir bem o que quer no futuro; ou ficar cuidando das manas, como uma típica mãezona, Uma decisão difícil que colocará o coração conflitado com a razão. Outra abordagem significativa está n relação com as cerejeiras em flor, uma festa típica da tradição no Japão, celebrada com orgulho e amor, está diretamente ligada às delícias da vida e o sonho de morrer, mas depois de contemplar o belo espetáculo visual poético, como nos episódio contado por Suzu sobre o pai, bem como da proprietária do restaurante com uma moléstia terminal.

O drama é estruturado num roteiro enxuto, com uma trilha sonora equilibrada, sendo ambientado em belas paisagens bucólicas de uma fotografia fascinante. O clímax da narrativa linear está no ponto certo, emociona sem ser intenso, embora haja alguns críticos que reclamassem da falta de conflitos mais fortes, mas o tensionamento e a complexidade da relação entre as irmãs está implícito no passado e no presente, sendo desnecessário um exposição mais visceral, pois cairia na mesmice de melodramas de clichês. Kore-eda acompanha o cotidiano das personagens com leveza, delicadeza e bom humor, como as referências aos ídolos mundiais Neymar e Zidane, para colocar no contexto Suzu, que é talentosa no futebol de seu time da escola. Alterna passagens com os novos e velhos amores, a perda de amigos e o ressurgimento esporádico de parentes próximos. Uma reflexão madura sobre as dúvidas, anseios, o amor fraterno com sua força inerente, para alicerçar as ruínas sendo reconstruídas com exemplar magnetismo de beleza lírica nas relações de afetividade, diante da morte e suas profundas sequelas deixadas silenciosamente.

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