As Irmãs
O Festival de Cannes do ano passado teve a presença do
Japão, que foi muito bem representado pelo festejado cineasta Hirokasu Kore-eda com Nossa Irmã Mais Nova. Embora aclamado
pela crítica e pelo público, saiu de mãos vazias. Foi obter a recompensa pelo
seu belo trabalho no Festival de Yokohama, ao ser agraciado com a premiação de
melhor filme, e ainda foi laureado com o prêmio de público no Festival de San Sebastián.
O multipremiado diretor nipônico já havia concorrido, sem êxito, à Palma de
Ouro em outras duas vezes com Distance
(2002) e Ninguém Pode Saber (2004).
Também é dele os longas Depois da Vida
(1998), Seguindo em Frente (2008), Air Doll (2009) e Pais e Filhos (2013).
Com uma temática voltada para as perdas, enigmas da vida e
por consequência a morte, Kore-eda tem um olhar voltado para seu país e as
transformações das gerações, numa abordagem humana e profunda sobre o
microcosmo das relações familiares, o cotidiano das simples coisas que irão ao
encontro de situações complexas e modificações relevantes. Herdou a sutileza
mesclada com sensibilidade dos inspirados diretores conterrâneos como Yusujiro
Ozu em Era
Uma Vez em Tóquio (1953), Mikio Naruse por Midareru (1964), e o criador do cinema
de animação Hayao Miyazaki com temas recorrentes da relação da humanidade com a
natureza. Segue a trajetória do questionamento primoroso dos velhos mestres
para mergulhar no universo peculiar das tradições da cultura japonesa. No longa
Ninguém Pode Saber havia a temática
da mãe ausente dos filhos e a contundente falta de afeto aos mesmos. Na sua
realização anterior, Pais e Filhos
retratava um drama que discutia a troca de bebês e os efeitos futuros das
crianças trocadas no berçário com as revelações recebidas, num clima de tensão
instalado diante do amor pelo filho de outros pais e a intolerância de um deles.
Nossa Irmã Mais Nova mostra
a dolorosa distância de três filhas do pai. Elas vivem isoladas na pequena e
aconchegante casa da avó na cidade litorânea de Kamakura. A mãe foi embora após
a separação e aparece de vez em
quando. Não há vínculo com os pais, somente entre elas. Sachi
(Haruka Ayase), Yoshino (Masami Nagasawa) e Chika (Kaho) são as irmãs que não veem
o pai há 15 anos, mas ao saberem da morte dele, resolvem ir ao seu enterro. Lá irão
conhecer a adolescente Suzu Asano (Suzu Hirose), a tímida meia-irmã, fruto de
um dos casamentos do patriarca que originou a ruptura do matrimônio da mãe
delas. Convidam a pré-adolescente de 13 anos para morar junto, ensinam a menina
a fazer o saboroso licor de ameixa para uma confraternização inicial. A partir
da convivência entre as quatro, na qual se apegam muito rápido, aprendem e
descobrem pontos sensíveis e comuns de alegrias e tristezas do relacionamento
que não tiveram com a figura paterna.
O diretor traça a história com doçura, sem ser piegas, ao deixar
emergir fatos que trarão conflitos sentimentais que envolvem pais ausentes.
Porém, as personagens terão que lidar com adversidades repentinas, pois precisam
tocar suas vidas e resolverem as encrencas do cotidiano, como na bela cena da
irmã mais velha, magnificamente interpretada por Haruka Ayase, que terá de
optar em seguir o destino para realizar uma especialização em medicina no
exterior com o namorado, um homem casado que não consegue definir bem o que
quer no futuro; ou ficar cuidando das manas, como uma típica mãezona, Uma
decisão difícil que colocará o coração conflitado com a razão. Outra abordagem
significativa está n relação com as cerejeiras em flor, uma festa típica da
tradição no Japão, celebrada com orgulho e amor, está diretamente ligada às delícias
da vida e o sonho de morrer, mas depois de contemplar o belo espetáculo visual
poético, como nos episódio contado por Suzu sobre o pai, bem como da
proprietária do restaurante com uma moléstia terminal.
O drama é estruturado num roteiro enxuto, com uma trilha
sonora equilibrada, sendo ambientado em belas paisagens bucólicas de uma
fotografia fascinante. O clímax da narrativa linear está no ponto certo, emociona
sem ser intenso, embora haja alguns críticos que reclamassem da falta de conflitos
mais fortes, mas o tensionamento e a complexidade da relação entre as irmãs
está implícito no passado e no presente, sendo desnecessário um exposição mais
visceral, pois cairia na mesmice de melodramas de clichês. Kore-eda acompanha o
cotidiano das personagens com leveza, delicadeza e bom humor, como as
referências aos ídolos mundiais Neymar e Zidane, para colocar no contexto Suzu,
que é talentosa no futebol de seu time da escola. Alterna passagens com os novos
e velhos amores, a perda de amigos e o ressurgimento esporádico de parentes
próximos. Uma reflexão madura sobre as dúvidas, anseios, o amor fraterno com
sua força inerente, para alicerçar as ruínas sendo reconstruídas com exemplar
magnetismo de beleza lírica nas relações de afetividade, diante da morte e suas profundas
sequelas deixadas silenciosamente.
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